Alimentação X Nutrição fonte de discursos e rumores

17/12/2007 15:42

A história da alimentação se confunde com a história do homem. Desde o ato de amamentar aos cardápios elaborados, com base em princípios nutricionais, conceitos são formados e transformados: lights, diets, gorduras trans, comer ou não carne vermelha? Comer ou não foie gras? Por que os fast-foods proliferam? Por que tantas doenças ligadas à alimentação?

A professora Carmen Rial, atual coordenadora da Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas tem como uma das áreas de pesquisa a Antropologia da Alimentação. Publicou pela série Antropologia em Primeira Mão: Os charmes dos fast-foods e a globalização cultural, tema que já havia desenvolvido em sua tese de doutorado, obtido, em 1992, pela Université de Paris V. Ela conversou com a jornalista Alita Diana, da Agecom, respondendo a questões instigantes sobre a alimentação.

AD: Por que os fast-foods venceram, mesmo na França?

Mudaram os hábitos? Mudaram os franceses? A expansão da União Européia, e o aumento do fluxo de turistas influíram nesta mudança? E a expansão dos fast- foods no Brasil?

Carmen: Na França houve um movimento pela preservação dos espaços tradicionais e se conseguiu diminuir o número de fast-foods no Champs Elysées, a tradicional avenida de Paris. A França ainda é um dos maiores destinos turísticos mundiais, os turistas foram os responsáveis pela multiplicação dos fast-foods e são eles, ainda, seu grande público. Mas foram efetivadas adaptações para o gosto francês: presença de mais saladas nos cardápios, menos sal e catchup na comida, mais maionese e mostarda como condimentos. Em relação ao tempo em que foi escrita a tese, o aumento do número de McDonald´s® no mundo foi espantoso. Eles estão em mais de 120 países, e na América Latina se consomem mais de 50 milhões de hambúrgueres diários. O Brasil era o terceiro mercado para refrigerantes, mas o que se tem observado é que com o crescimento dos restaurantes com venda por quilo, os fast-foods estão declinando. A comida por quilo realmente caiu no gosto dos brasileiros e, de acordo com pesquisas, atingiu um público muito maior do que o seu alvo: pessoas que trabalhavam fora de casa. Esses restaurantes são amplamente freqüentados também por aposentados e por famílias inteiras.

AD: Por que os discursos sobre alimentos se constroem e destroem tão rapidamente, como a carne vermelha ser a grande vilã e hoje já ser reconhecida e até recomendado seu consumo na gravidez? Como se formam os rumores sobre alimentos?

Carmen: O sociólogo francês Claude Fischler fala sobre a “cacofonia alimentar” – a quantidade de discursos contraditórios de médicos, nutricionistas e outros profissionais da saúde. Sons diferenciados em tempos também diferenciados. Mas são discursos oficiais, com assinatura, que saem em jornais e seguem, um pouco, o tempo da ciência: um paradigma é desmontado por outro paradigma. Mas o discurso sobre os alimentos é interdisciplinar, emana de vários lugares da sociedade, inclusive os religiosos.

Os rumores têm origem bem diferente destes discursos oficiais da ciência. O rumor é o inconsciente que emerge no social, sua estrutura é semelhante ao mito, não importando seu caráter, se é falso ou verdadeiro. O rumor antecede o discurso escrito, emana do medo. O que provoca o rumor são as novidades. O novo provoca o medo. Da margarina, que foi lançada à época da Segunda Guerra Mundial, foi dito que era feita de plástico, que continha carne humana. Também quando o alimento traz alguma coisa escusa, uma “fórmula secreta”, como a Coca-Cola®, bebida que não se faz em casa, que não vem da tradição, surgiram também rumores.

AD: Bulimia, anorexia, obesidade, padrões de magreza de modelos sendo revistos, o que a academia pode ajudar nestas questões? É importante a contribuição do debate levado, por exemplo, para a novela das oito como em Páginas da vida?

Carmen: Num país em que as pessoas não têm o hábito da leitura é muito importante o espaço dado para debater estas questões numa novela, como aconteceu recentemente. Esse debate pode gerar mudanças de comportamento. A academia tem realizado muitos estudos sobre estas questões e constatado, por exemplo, que a anorexia atualmente não é só um problema feminino. A novidade das pesquisas é que cerca de 20% do público afetado é masculino. A doença não é moderna. Era uma doença de “santas”, princesas, entre outras mulheres. Quanto à gordura corporal, modernamente, vem associada à imagem de camadas populares, pessoas de baixa renda, consomem mais comidas calóricas. A anorexia está ligada à identidade, pois a alimentação é central na construção da identidade social.

Por Alita Diana/jornalista da Agecom

Matéria publicada no Jornal Universitário (JU) nº 379 de Março de 2007.