Especial Pesquisa: UFSC contribui para identificação de comunidades quilombolas

Pesquisa recupera histórico de acesso à terra
Em março desse ano, a comunidade de Invernada dos Negros, localizada na região serrana de Santa Catarina, conquistou uma etapa anterior à titulação. Foi publicado no Diário Oficial da União o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Outros dois estudos foram realizados pela UFSC para comunidades de São Roque (SC) e Casca (RS) e devem colaborar com a identificação e demarcação das terras dessas comunidades.
Processo de reconhecimento

Estudos ajudam na identificação e demarcação
O NUER atuou no projeto elaborando relatórios que remontam a história dessas comunidades através de pesquisas e uso de documentos. Os documentos foram enviados ao Incra em dezembro de 2005. A menos que haja contestação, a partir desses dados o Incra deve promover a titulação e demarcação das terras.
Participaram do projeto 11 pessoas. Entre os pesquisadores está Raquel Mombelli, que coordenou o trabalho em Invernada dos Negros. Segundo ela, o contato com as comunidades negras através do NUER ocorreu no período de 1994-1996, em função de um projeto de pesquisa chamado ´Plurietnicidade e intolerâncias étnicas no Sul do Brasil`, que tinha como meta pensar sobre a questão da invisibilidade dos negros no Sul e a forma pela qual estes obtiveram acesso à terra. “O estudo também visava produzir uma nova cartografia onde os negros passam a fazer parte do perfil étnico do Sul, revelando dados e informações desconhecidas e inexploradas pelas pesquisas sociológicas e antropológicas”, explica Raquel.
De acordo com o decreto 4.887, as comunidades que forem reconhecidas terão garantia de propriedade coletiva registrada em cartório em nome de uma associação representativa. Os territórios serão delimitados para reprodução física, social, econômica e cultural, e essas terras não poderão ser divididas, nem arrendadas ou vendidas. Para fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica e linhas especiais de financiamento destinadas à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura.
Por Talita Fernandes / Bolsista de jornalismo da Agecom
Informações: (48) 33319890 – ramal 21 / e-mail: nuer@cfh.ufsc.br
Saiba Mais:
Fonte: NUER
Invernada dos Negros
A comunidade de Invernada dos Negros fica localizada a 22 km do município de Campos Novos, na região serrana de Santa Catarina. As terras foram herdadas em 1877 por um grupo de 11 pessoas, entre escravos e libertos, que recebeu através de testamento uma área de 8 mil hectares correspondentes à terça parte da fazenda São João, do proprietário Matheus José de Souza e Oliveira.
Hoje vivem na região aproximadamente 150 pessoas, distribuídas em 34 residências, na localidade de Corredeira – como a comunidade é designada pelo poder público municipal. O nome Invernada dos Negros é utilizado para determinar um conjunto de outras pequenas comunidades de diversas localidades, unidas por laços de sociabilidade, parentesco e religiosidade: Manuel Cândido, Espigão Branco e Arroio Bonito. O sustento das famílias é feito através do cultivo de milho e feijão e de trabalhos temporários na plantação e corte de pinus, ou como peões de fazendeiros locais.
Em junho de 2003 a comunidade enviou uma carta ao NUER solicitando auxílio para a regularização das terras. O ano de 2004 foi marcado por vários acontecimentos. Em março foi realizada uma audiência pública e a abertura de um inquérito Civil Público para a averiguação da situação fundiária. No mês seguinte foi criada a Associação Comunitária dos Remanescentes da Invernada dos Negros. Em junho do mesmo ano, a Invernada dos Negros recebeu da Fundação Cultural Palmares uma certidão de auto-reconhecimento como “Comunidade Remanescente de Quilombos”.
Em 2004, foi criado no Incra um grupo de trabalho para acompanhar o processo de identificação, titulação e demarcação das terras. Em março deste ano, foi publicado no Diário Oficial da União o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade. e iniciou-se o processo de identificação das terras quilombolas para posterior processo de demarcação e titulação da área.
Comunidade de Casca
A comunidade de Casca está localizada a 70km do município de Mostarda, região da planície litorânea gaúcha entre a Lagoa de Patos e o Oceano Atlântico. Em 2005, o Incra registrou 84 residências na região. Se forem considerados todos aqueles que se auto-identificam como pertencentes à comunidade de Casca, esse número ultrapassa 1000 pessoas. Mesmo aqueles que deixaram a região em busca de estudos e trabalho ainda se consideram herdeiros do povoado que fundou a comunidade no final do século XVIII.
A região sofreu alterações nos seus limites, principalmente com a expansão do cultivo de arroz, da exportação e do agronegócio na região, ações que dificultam a produção interna da comunidade e a permanência das pessoas que acabam por buscar sustento em outras localidades.
O território reivindicado pela comunidade de Casca foi herdado no século XIX por 18 pessoas e seus familiares. Entre eles estavam escravos e libertos. Quitéria Pereira do Nascimento, proprietária da Fazenda Barros Vermelhos, foi quem deixou um testamento garantindo a terra para o grupo e a alforria para alguns deles.
O processo de reconhecimento de Casca teve início em setembro de 1996, quando foi criado um Inquérito Civil Público que contou com a elaboração de um laudo pericial antropológico feito pela professora Ilka Boaventura Leite, coordenadora do NUER.
Em 2001, o Procurador Marcelo Veiga Bekhausen, que acompanhou o Inquérito Civil Público, enviou uma recomendação à Fundação Cultural Palmares destacando a necessidade de um grupo técnico para emitir, em 30 dias, uma publicação reconhecendo a comunidade de Casca.
No dia 20 de julho de 2001, a Fundação Palmares publicou no Diário Oficial, o memorial descritivo do “Quilombo de Casca”. O trabalho do NUER junto à comunidade foi o de demonstrar através dos estudos históricos e antropológicos qual é o direito tradicional que está em questão. Apesar dos estudos, em dezembro de 2005, quando o projeto da UFSC foi encerrado, a área reconhecida em Assembléia ainda era a mesma demarcada em 2001.
Comunidade de São Roque
A comunidade de São Roque fica localizada em Pedra Branca, divisa entre Mampituba (RS) e Praia Grande (SC). Nela vivem cerca de 25 famílias que se dedicam principalmente às roças de milho, feijão e mandioca e à prestação de serviços em lavouras.
A comunidade de São Roque surgiu ao longo do século XIX, a partir da movimentação de pessoas de São Francisco de Paula de Cima para a região litorânea conhecida por Roça da Estância. A região da serra era dedicada à pecuária, onde viviam os fazendeiros e escravos. Esses desciam para o litoral fugidos ou sob conhecimento dos fazendeiros, para o cultivo das várzeas férteis.
Um dos problemas enfrentados pelos moradores da região foi a demarcação das terras dos Parques Nacionais Aparados da Serra e Serra Geral. Como a comunidade está contida na área de preservação, o cultivo de novas roças e a utilização da madeira não é permitido.
Em maio de 2004 foi formada a associação da comunidade, e em junho do mesmo ano, a Fundação Palmares concedeu a São Roque o título de comunidade remanescente de quilombos. Ainda em 2004 a comunidade foi integrada ao projeto do NUER, que passou a realizar as pesquisas, sob a coordenação do professor Ricardo Cid Fernades, em janeiro de 2005. O processo de demarcação e titulação dessas terras ainda está em andamento, considerando os levantamentos apontados no relatório entregue ao Incra.