A Menina dos Anjos ganha nova edição
Se depender do escritor-teólogo Osvaldo Della Giustina, autor de A Menina dos Anjos, uma nova santa catarinense está a caminho. Trata-se da menina Albertina Berkenbrock, assassinada brutalmente, com arma branca (canivete), em 1931, no Sul de Santa Catarina (Imaruí, São Luís, paróquia de Vargem do Cedro), por um monstro chamado João Cachopa (“todos diziam que era o diabo”),cujo verdadeiro nome é Indalício Cipriano Martins. Betinha, segundo o autor, foi morta “por defender sua inocência (ou dignidade de mulher)”, protegendo-se com o vestido. O processo de beatificação foi reaberto pela Igreja Católica em função dos relatos de “novos milagres”. Na época do crime, por exemplo, cada vez que o assassino se aproximava do corpo da menina o ferimento no pescoço sangrava. Era um sinal, um milagre, denunciando o homicida e o poder de santidade. Albertina é a primeira personalidade nascida no Estado a receber o título concedido pelo Vaticano(Madre Paulina, primeira santa do Brasil, nasceu em Trento, Itália).
Embora uma história real, Della Giustina optou pela ficção, escrevendo o romance A Menina dos Anjos – A história mística de Albertina Berkenbrock, publicado pela Editora da UFSC (EdUFSC) e que chega agora à segunda edição com apoio cultural da Universidade do Sul Catarinense (Unisul) e da Arquidiocese de Florianópolis e Diocese de Tubarão. O livro é ilustrado e ganhou nova e bela capa, exibindo uma foto da menina, então com 12 anos.
Della Giustina é escritor e filósofo, autor de vários livros, entre os quais destacam-se A idade do homem, Cícero Dias e seu longo processo de morte e Crônica de uma geração interrompida. Este é o seu oitavo livro. Recentemente publicou Roteiros para o centro do mundo, e inaugura uma nova fase na sua obra: a poesia.
Além das aparências
A Menina dos Anjos surge da religiosidade do povo simples que teve em Albertina sua santa. “Os fatos, como as pessoas, têm o seu significado aparente, o que ocorre no tempo, no espaço ou nas circunstâncias. Ou têm seu significado essencial, que está além das aparências e que revela o sentido maior do que são as coisas, os fatos ou seus personagens – do que significam”, filosofa o autor.
Ele explica que preferiu o romance para que, mais que os fatos ou as coisas, fosse entendido pelo leitor o seu significado. “Assim a história de Albertina – A Menina dos Anjos – tornou-se uma fascinante viagem dos leitores pelo interior dos personagens, do que lhes aconteceu ou dos dramas vividos, onde se misturam o bem e o mal, o místico e o burocrático, as fraquezas humanas e a santidade”, complementa.
O relançamento da obra acontece numa hora importante, “justamente quando a Igreja reabre o processo de reconhecimento da santidade de Albertina, posta como exaltação à dignidade da mulher, a resistência à opressão, e como ícone para a juventude do Terceiro Milênio”, sublinha Della Giustina que se revela, além de profundo conhecedor da Igreja, um autêntico advogado da causa, derrubando, uma a uma, as dúvidas do representante do Vaticano encarregado do processo. “O Padre defensor da fé partia do pressuposto de que seria muito difícil admitir que pudesse haver santidade, santidade heróica e exemplar para os homens ou para a humanidade, naquelas longínquas paragens, quase no meio do mato, dos animais e da rudeza da vida, e era natural que assim pensasse, ele que tinha estado e se ajoelhado diante de túmulos ilustres de reis, de papas e de santos, que dominaram e iluminaram o
mundo”, raciocina o romancista.
A história é ambientada com a riqueza dos detalhes da vida do interior, não faltando o jogo do poder, envolvendo o fazendeiro, o coronel, a igreja, capangas, agricultores, miséria e riqueza, fé e violência. Betinha era filha de agricultores descendentes de alemães, que não faltavam à missa, eram católicos que confessavam cotidianamente a sua inabalável fé em Deus. João Cachopa ou Indalício, o assassino, desde menino era o “capeta” e na época, além de empregado do pai, fazia “as vezes” de capanga do coronel.
Conforme narra o autor, “o Diabo neste dia (15 de Junho de 1931) iria dar gargalhadas, mas João Cachopa não tinha qualquer idéia da luta do bem contra o mal”. A maldade o tentava há tempo. Foi ao anoitecer, quando a menina procurava uma cabeça de gado perdida, degolou-a, escondendo o corpo na mata. O criminoso teve a insanidade de juntar-se à família e aos amigos nos esforços de busca, avisando que a tinha localizado. Enfim, a história denuncia a sordidez a que um ser humano pode chegar. Ao mesmo tempo redime a humanidade com um exemplo de dignidade capaz de reacender a esperança nas pessoas.
Betinha nas alturas
Della Giustina pode ter escrito um livro de ficção, mas não consegue fazer o milagre de fugir da realidade. Como ele mesmo confessa: “Impulsionados pela fé, assim vinham as pessoas e traziam os seus ex-votos, as fotografias, os quadros primitivos do sofrimento humano, os gessos que tinham envolvido órgãos quebrados, massacrados, feridos, e enfim uma amostra de tudo o que as fraquezas humanas podiam oferecer de dor e sofrimento – e ali acendiam velas, deixavam flores, faziam suas preces, derramavam lágrimas e saíam consoladas”. E indaga: “como haveria de introduzir-se Betinha e seu processo nesse mundo, se fosse trazida das montanhas e das roças para ser posta nos altares e se a Igreja reconhecesse como ponto ou sinal
de manifestação de Deus, ou da santidade, aos homens?”
As respostas estão no próprio livro. A verdade veste-se de ficção, como o azul do vestido branco de Betinha. Novas certezas o autor de A Menina dos Anjos terá quando ler o filósofo Michel Serres, que escreveu o clássico A Lenda dos Anjos”.
São obras que caem do céu. Para os leitores.
Ficção, ensaio, não importa o nome, a verdade é que Osvaldo Della Giustina brinda o leitor com uma grande reportagem sobre um dos fatos mais marcantes da história catarinense.
O martírio de Betinha leva ao local cada vez mais devotos. São freqüentes perigrinações à capela da localidade de São Luís onde repousa num monumento fúnebre. “Assinalam-se freqüentes graças”, assegura a Cúria Diocesana de Tubarão.
Contatos com o autor: fone 61 – 3224-1194, e-mail: dellagiustina@tba.com.br
A Menina dos Anjos – A história mística de Albertina Berkenbrock
Osvaldo Della Giustina
EdUFSC (2ª edição)
180 págs., R$22,00
Moacir Loth – jornalista na Agecom/UFSC