Pesquisadores da UFSC estudam influência do esgoto em ostras nativas
Um laboratório da UFSC desenvolve pesquisas para verificar alterações no material genético de ostras expostas ao esgoto. Além de identificar a influência desse poluente sobre o molusco, o estudo também busca criar mais um mecanismo capaz de constatar a presença de contaminantes em águas marinhas. A pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Biomarcadores de Contaminação Aquática e Imunoquímica vai contribuir para melhorar as avaliações da qualidade do ambiente costeiro da Ilha.
A espécie de ostra escolhida para o estudo é a C. rhizophorae, conhecida como ostra do mangue. Ela foi usada por ser uma espécie adaptada a grandes variações de salinidade, uma característica das zonas de manguezais onde é mais encontrada. Essa particularidade do animal é importante porque os locais onde normalmente existem elevadas concentrações de poluição por esgoto são as regiões onde os rios se encontram com o mar, sendo assim, lugares em que a salinidade da água muda constantemente.
Experimento
O experimento consiste em colocar as ostras em contato com o esgoto e observar a ocorrência de alterações na expressão dos genes desses organismos. O coordenador do estudo, professor Afonso Bainy, conta que a idéia inicial era desenvolver a pesquisa nos próprios ambientes de cultivo, mas ela acabou sendo feita em um local montado, com características mais adequadas. Isso porque, como explica o professor, apesar da maioria do esgoto liberado em rios e mares do Brasil não ser tratado, o material despejado em regiões onde é desenvolvida a maricultura, como é o caso do sul da ilha ou da Barra da Lagoa, normalmente passam por processos de tratamento.
No entanto, o objetivo do experimento era trabalhar com o esgoto in natura, ou seja, não processado, porque esse tipo de poluente ainda é jogado em locais em que, oficialmente, não existem cultivos marinhos. E, de acordo com Bainy, uma das principais preocupações dos pesquisadores era com os pequenos produtores que, algumas vezes, produzem em locais poluídos por esgoto natural sem ter a consciência disso. A solução então foi conseguir, através de uma parceria com a Casan, levar uma certa quantidade de esgoto não-tratado até o Laboratório de Moluscos Marinhos (LMM) da UFSC, que forneceu as ostras para a realização da pesquisa.
Resultados
As ostras foram colocadas em tanques com uma concentração de aproximadamente 30 litros de esgoto para cada 100 litros de água. Depois de dois dias, os pesquisadores retiram amostras de brânquias das ostras para isolar o RNA mensageiro, responsável pela codificação da síntese protéica do animal. Foi observado que o contato com o esgoto provocou a inibição de alguns genes e ativação de outros o que, conseqüentemente, afeta a síntese de proteínas do organismo.
Depois da identificação desses genes, foi constatado que 39 foram ativados e 31 inibidos. De acordo com Bainy, um dos genes que sofreram inibição está ligado à capacidade de desintoxicação da ostra, o que agrava a situação, pois além de ser contaminada pelo esgoto, ela também tem reprimida sua habilidade de excreção das substâncias. O relato dos efeitos provocados pelo contato das ostras com o esgoto faz parte da segunda fase da pesquisa, que deverá ser iniciada esse ano. Até agora o objetivo era identificar e mapear os genes afetados, etapa que acaba de ser concluída.
Monitoramento ambiental
Além de fazer a identificação dos genes afetados pelo esgoto e os efeitos dessa contaminação no organismo do animal, a pesquisa também se propõe a desenvolver uma nova técnica de monitoramento de ambientes aquáticos. Bainy explica que determinadas substâncias poluentes não são facilmente identificadas com análises mais simples e esse problema pode ser resolvido a partir de novos métodos estudados nessa pesquisa. Esse monitoramento será feito por meio de exames das ostras para detectar a possíveis alterações na expressão gênica do animal, o que evidenciaria a existência de poluentes no local.
Relevância d pesquisa
Uma curiosidade sobre a espécie usada no experimento foi sua capacidade de resistir ao esgoto, o que confirmou a importância desse tipo de ostra em estudos como esse. Apesar de estar em locais contaminados por muitos tipos de poluentes, como é o caso do esgoto, que tem em sua composição uma infinidade de elementos tóxicos, a ostra do mangue não morre, mesmo com as alterações gênicas sofridas em suas células. Mas, pelo contrário, ainda chega a aumentar de tamanho por causa da enorme quantidade de material orgânico existente no esgoto e que acaba sendo consumida. De acordo com Bainy, essa característica é positiva para o desenvolvimento da pesquisa, porém ela se tornaria um problema na comercialização do animal, pois a ostra cresceria mais que o normal e daria a impressão de estar ainda mais apta a ser vendida e consumida, quando na verdade ela estaria contaminada.
No entanto, essa é apenas uma preocupação a longo prazo porque essa pesquisa está sendo feita somente como forma de prevenção. Bainy destaca que o objetivo do estudo não é verificar se as ostras estão ou não contaminadas e que por isso não foram feitos levantamentos sobre as condições atuais desses animais, pelo menos no que diz respeito a possíveis contaminações por substâncias existentes no esgoto. Ele lembra também que todo o contato das ostras com o esgoto foi induzido pelos pesquisadores, que mantiveram os organismos propositalmente contaminados separados dos demais.
Esse tipo de pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Biomarcadores de Contaminação Aquática e Imunoquímica da UFSC é pioneira no Brasil. Isso porque, segundo Bainy, até hoje foram feitos poucos estudos sobre o esgoto e seus efeitos no ambiente. Ele destaca que a dificuldade de estudar esse material está na grande quantidade de elementos presentes em sua composição. O projeto “Expressão diferencial de genes em ostra nativa Crassostrea rhizophorae expostas a esgoto doméstico” foi aprovado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no final de 2003 e desde o início de 2004 vem sendo desenvolvido pelos pesquisadores do laboratório. A equipe coordenada por Bainy é formada pelo pós-graduando Igor Dias Medeiros, pelos estudantes Guilherme de Toledo e Silva e Marília Nardelli Siebert e pelos pesquisadores Jaime Fernando Ferreira, Maria Risoleta Freire Marques, ambos da UFSC, e Milton Ozório Moraes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Mais informações pelo telefone 48 3331-6561
Por Julia Fecchio / Bolsista de Jornalismo na Agecom