Corte de 1,6 bilhão no orçamento nos investimentos no ensino adia sonhos para 2007

14/08/2005 10:15

Boa parte das ambiciosas propostas anunciadas pelo governo para o ensino dos brasileiros deve ficar apenas no papel. Depois de semanas de negociações, ficou decidido que o orçamento do Ministério da Educação (MEC) ficará R$ 1,6 bilhão abaixo do esperado. Isso porque serão R$ 200 milhões a menos do que a planilha orçamentária de 2005 e, para piorar, R$ 1,4 bilhão prometidos para arcar com novos programas. De acordo com fontes ouvidas pelo Correio, nem mesmo as novas instituições federais de ensino superior, que foram criadas há apenas duas semanas, estão garantidas. Elas custariam R$ 230 milhões que simplesmente não existem.

A única chance de mudar este cenário está no quarto andar do Palácio do Planalto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem, desde a última quarta-feira, um levantamento sobre as conseqüências desse corte nas políticas públicas do MEC. Por enquanto, ele não sinalizou que vai enfrentar os números apresentados pelo Ministério do Planejamento e poucos acreditam que Lula poderá virar o jogo contra a vontade da equipe econômica, ainda mais em tempos de crise política em que a economia tem dado boas notícias ao país.

Apesar do pessimismo da comunidade da educação, o ministro interino do MEC, Jairo Jorge, garante que o cenário não é tão ruim quanto parece. “Esta é uma visão alarmista. Estamos trabalhando e o governo ainda não decidiu o orçamento do ministério”, afirma. “Os ministros Paulo Bernardo (do Planejamento) e Antonio Palocci (da Fazenda) estão fazendo um esforço para atender a todas as demandas do governo. Temos que ser solidários”.

Pelo impasse na definição dos valores que serão colocados à disposição ao MEC, até o momento os técnicos de orçamento da pasta não prepararam as planilhas de 2006. Elas deveriam estar prontas desde terça-feira. Até o presidente bater o martelo em definitivo sobre quais serão os recursos da educação, ninguém prepara o texto.

Fundeb

O que o ministro-interino da Educação não admite já é realidade dentro da pasta. Nos corredores, as pessoas comentam sobre quais programas perderão mais. É fato que nem o Fundo da Educação Básica (Fundeb), enviado ao Congresso Nacional no fim de junho em cerimônia cheia de pompa e circunstância no Planalto, vai escapar ileso. Na verdade, faltarão R$ 600 milhões da parcela que o MEC deveria repassar para o fundo no primeiro ano, segundo o acordo fechado com prefeitos e governadores. A União repassará R$ 1,3 bilhão de R$ 1,9 bilhão prometidos. Isso porque os recursos garantidos não dependem da aprovação de ninguém.

Os R$ 600 milhões tinham sido acertados em uma série de negociações com a Fazenda no primeiro semestre deste ano. A liberdade para que o governo retire do orçamento de R$ 1,9 bilhão previsto para este ano do Fundeb já foi uma concessão à equipe econômica. A proposta inicial do ex-ministro Tarso Genro era deixar expresso na lei quanto a União seria obrigada a investir todos os anos até chegar ao montante de R$ 4,3 bilhões.

Programas mais simples e baratos que o Fundeb também não foram poupados. A expansão da rede federal da educação profissional, por exemplo, ficará para depois. Mesmo custando R$ 56 milhões, que não é proporcionalmente um projeto caro pelo que representa: a abertura de 31 novas escolas da rede Cefet.

Mais grave ainda é a queda no que será repassado às instituições federais de ensino superior. As contas de custeio das universidades federais aumentam todo ano a partir de índices superiores à inflação. “As contas de luz subiram em alguns estados mais de 15% e a inflação não repõe nossos gastos”, critica Oswaldo Batista Duarte Filho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Agora, os reitores terão de fazer mágica para fechar as contas no ano que vem. O pedido de reajuste de 20% nas verbas de custeio que estão em R$ 800 milhões não deve passar dos 6%. “Será uma decepção”, lamenta.

Campanha pela conversão da dívida

Professores e trabalhadores em educação de todo o país foram às ruas, ontem, numa grande mobilização por mais recursos para o ensino. Em todas as capitais, um local de grande movimento foi escolhido para o início do recolhimento de assinaturas em favor do Movimento pela Conversão da Dívida Externa em Recursos para a Educação, lançado em janeiro pela Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE).

O ato público deu início à campanha nacional que vai até 7 de setembro, quando o sindicato pretende entregar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva documento com um milhão de assinaturas para forçar o governo a adotar a proposta como política pública.

Em Brasília, a manifestação ocorreu na plataforma superior da Rodoviária, durante todo o dia. “Não poderá haver melhor maneira de comemorar a independência do Brasil. Se a verdadeira dívida é com a educação, a verdadeira independência se dará por meio da educação, pública, gratuita e de qualidade para todos”, disse a presidente da CNTE, Juçara Dutra Vieira, para quem a oferta de uma escola nesses moldes exige, acima de tudo, financiamento.

De acordo com dados da confederação, o Brasil deve, hoje, mais de R$ 540 bilhões e precisaria de R$ 180 bilhões para oferecer um ensino público de qualidade e gratuito em todas as etapas do aprendizado. Esse valor é calculado com base no percentual de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), definido pelo Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, apresentado em 1999, como o mínimo necessário para financiar adequadamente o setor. (EK)

Repercussão – Reação social

Gustavo Petta, presidente da União Nacional dos Estudantes

“O corte é irresponsavel, ainda mais depois de tudo o que foi anunciado. O governo do presidente Lula corre o risco de agravar a crise ética por ferir os compromissos assumidos com os movimentos sociais.

Vamos protestar.”

Paulo Renato de Souza, consultor e ex-ministro da Educação

“O presidente Lula subiu no palanque outra vez e está fazendo demagogia com um assunto muito sério. O discurso e os compromissos não se sustentam com a prática da área econômica.”

Frei David dos Santos, presidente da organização não-governamental (ONG) Educafro

“A notícia é uma grande bomba. Estamos muito machucados. Esse corte é inaceitável e pode ser a última gota para levar os movimentos estudantis e negros contra a equipe econômica. Nós podemos perder a paciência.”

Cristovam Buarque, senador (PT-DF) e ex-ministro da Educação

“Pode não parecer, mas esse corte tem relação com o mensalão. A crise ética que o governo e o PT vivem decorre da falta de causa. Eles não têm a educação como causa. Briguei muito por isso, dentro e fora do governo.”

Oswaldo Batista Duarte Filho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)

“Sem mais dinheiro para as federais, a situação ficará muito delicada. As nossas grandes despesas sobem mais que a inflação. Ainda acreditamos na sensibilidade do presidente Lula, mas caso o corte aconteça, será uma grande decepção.”

Fonte: Site da Andifes : www.andifes.org.br / Notícia publicada no Correio Braziliense de 12/8/2005 Por ErikaKlingl, da Equipe do Correio