Brasileiros têm pouco conforto acústico

15/06/2005 14:54

Passos, conversas, telefone, música, televisão. Quem nunca se sentiu incomodado com o barulho feito pelo vizinho? Embora a queixa seja mais comum a quem mora em apartamento, a falta de isolamento acústico atinge também moradores de casas. De acordo com pesquisas realizadas na Unidade de Acústica do Laboratório de Conforto Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (Labcon-UFSC), esse incômodo sonoro é causado, principalmente, por transformações ocorridas ao longo dos séculos nos tipos de construções e nos materiais empregados. A evolução tecnológica e as mudanças de costumes da população também contribuíram para o aumento dos ruídos, dentro e fora de casa. Outro aspecto a ser considerado é a falta de leis específicas.

Uma pesquisa recente da Unidade de Acústica do Labcon fez um levantamento do nível de isolamento acústico das residências brasileiras do século XVII ao XX com base em plantas baixas e técnicas construtivas utilizadas em casas de diferentes épocas. A mestranda Elisabeth Duarte calculou o grau de isolamento das paredes a partir da espessura e densidade dos materiais usados nas construções analisadas. Sua pesquisa concluiu que houve uma queda de 35 decibéis (dB) no isolamento acústico residencial brasileiro naquele período. “Para se ter uma idéia dessa perda, diminuir o isolamento significa aumentar o nível sonoro do outro lado da parede; e um acréscimo de 20 dB em um nível sonoro, por exemplo, significa uma sensação sonora quatro vezes maior”, explica a professora do departamento de Arquitetura e Urbanismo Elvira Barros Viveiros, orientadora de Elisabeth e coordenadora das pesquisas da área de acústica do Labcon.

Modernidade – Com o surgimento do concreto armado e a disseminação do uso de blocos cerâmicos e de lajes pré-moldadas, as edificações foram ficando mais leves e permeáveis ao ruído, ao mesmo tempo em que a poluição sonora nos centros urbanos aumentou muito. De acordo com a professora Elvira, o uso de materiais mais leves nas construções é uma tendência da arquitetura em todo mundo, mas no Brasil a queda no isolamento acústico se agrava porque não existe o que ela chama de “cultura da qualidade” em edificações. “Como aqui não há nem cultura, nem legislação que exija um desempenho mínimo, a edificação foi ficando cada vez mais leve e o isolamento cada vez mais pobre, pois, de um modo geral, é preciso massa – que os leigos chamam de `peso` – para que haja qualidade de isolamento.” Nas construções antigas as paredes eram mais `pesadas`. “Nosso estudo concluiu que se nossas residências fossem submetidas às normas internacionais, estariam todas abaixo do mínimo exigido em qualquer dos países europeus”, disse a professora.

Uma das formas de garantir bom isolamento acústico, mesmo utilizando elementos mais leves, seria a construção de paredes duplas. “No entanto, como o uso dos blocos de cerâmica é disseminado, eles deveriam mesmo ter mais massa, o que melhora não só a qualidade acústica do isolamento, mas também o conforto térmico da edificação.” Além do uso inadequado de materiais, outro fator que contribui para a deficiência das construções brasileiras nesse sentido é a carência de pesquisas sobre o tema no Brasil, o que dificulta a criação de parâmetros de qualidade. “O traçado da evolução da edificação, tendo em vista o desempenho acústico, é inédito no Brasil. O estudo sobre isolamento está iniciando no país, mas ainda é muito incipiente”, afirma Elvira.

Segundo a professora, a preocupação com o desempenho térmico de edificações na Europa e nos Estados Unidos possibilita que as construções sejam de melhor qualidade em relação às brasileiras, também no que se refere ao isolamento acústico. “Nesses países, há a preocupação de que as casas tenham um bom isolamento térmico para que haja economia de energia. Acontece que o que é bom para o isolamento térmico, por exemplo, paredes grossas, também é muito bom para o isolamento acústico.”

No Brasil, as leis sobre poluição sonora são baseadas na norma 10.152 da ABNT, que determina os limites a serem observados para garantir conforto acústico em edificações. No caso de residências, esse limite varia entre 35 e 40 decibéis (dB), de forma que ruídos acima desse valor são considerados “excessivos às atividades domésticas”. Conforme a professora Elvira Viveiros, as legislações municipais deveriam fixar um nível de isolamento mínimo conforme o ambiente e a região onde se encontra uma determinada construção. Isso garantiria condições de conforto acústico.

Os especialistas em acústica conseguem prever o nível de ruído do local ainda na planta e assim indicar o material e a espessura mais adequados para o isolamento acústico ideal. Em algumas cidades brasileiras, prédios comerciais e industriais que produzem ruídos precisam apresentar um projeto acústico que garanta o conforto da vizinhança para serem aprovados.

Outra pesquisa desenvolvida no Labcon vai comparar apartamentos pertencentes a moradores de classes sociais distintas para tentar comprovar que o baixo nível de isolamento acústico é uma constante, independente do “luxo” da edificação. “Como o que determina o desempenho de isolamento de uma edificação é seu sistema construtivo e os materiais utilizados, como o tipo de tijolo empregado – elementos `invisíveis` da construção -, os usos inadequados são encontradas em qualquer lugar”, destaca a professora Elvira.

Equipe do Nucom, em 09/06/2005

Informações com a professora Elvira Viveiros 331- 9550 ou elvira@arq.ufsc.br

Visite o site do Laboratório de Conforto Ambiental www.labcon.ufsc.br.

Conheça os sites do Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo em www.posarq.ufsc.br e do departamento de Arquitetura e Urbanismo em www.arq.ufsc.br.

Por Débora Horn/bolsista de jornalismo do Núcleo de Comunicação do CTC