Historiadora revela “guerra” contra alemães e italianos em SC
Tempos de delação, censura, perseguição, cadeia, tortura e medo.
São fatos muito ouvidos, mas “silenciados”, isto é, raramente escritos sobre a ditadura Vargas durante a Segunda Guerra Mundial. Falamos do tratamento imposto aos descendentes de imigrantes alemães e italianos em SC principalmente por não dominarem o idioma Português. Tudo está narrado e documentado no livro Memórias de uma (outra) guerra – Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina, publicado em co-edição pela Editora da UFSC (EdUFSC) e Univali Editora, de autoria da historiadora Marlene de Fáveri. Doutora pela UFSC, ela leciona na UDESC, em Florianópolis, e na Univali, em Itajaí.
O lançamento da obra, considerada a mais completa e ousada sobre o
tema, está marcado para o dia 24, quarta-feira, às 20 horas, na
Faculdade de Educação (Faed), da UDESC, na Capital.
Utilizando uma linguagem literária, próxima da ficção, a autora consegue narrar a realidade dramática vivenciada pelas vítimas do Governo brasileiro que abusou dos imigrantes para fortalecer o nacionalismo, tendo como desculpas o Nazismo e a falsa suposição de que estaria surgindo um Estado alemão no Sul do Brasil. Marlene ensina, através dos fatos, que “a intolerância, o preconceito e os abusos de poder devem ser extirpados”. E a melhor forma, conforme demonstra o livro, é exibir o passado sem retoques, rompendo o silêncio, exibindo as feridas, refrescando a memória, enfim, denunciando as atrocidades para que não se repitam. Não fosse a dureza de quem viveu os fatos, o livro “seria um romance tecido com fragmentos da guerra, cadenciado nos detalhes, estratégias e táticas o tempo todo interferindo no viver das pessoas”, lembra o historiador José Roberto Severino, reportando-se à própria autora.
Ilustrada, rica em documentos e depoimentos, a obra está dividida em
seis capítulos, cada qual praticamente um livro por si só. A autora, em síntese, tenta “compreender” como a população civil de SC viveu esta “outra” guerra, observando, nas franjas do cotidiano, os enfrentamentos e possibilidades de resistência, os múltiplos papéis sociais vividos por homens e mulheres, nacionais e estrangeiros, percebendo diferenças com relação à repressão, tendo como fio condutor o medo, construído para o controle e normatização da sociedade. A pesquisadora procura ainda “perceber sujeitos que se constroem, quer através de narrativas, quer através de ofícios, cartas, leis, jornais, processos crime, numa luta de interpretações que aparece o tempo todo, interferindo decisivamente nas relações cotidianas e que fizeram por instalar redes de intriga,
delatos, revanches, ganhos, perdas, e muito medo de tudo isso”.
Juntando tudo, a autora prova, efetivamente, que ocorreu em SC uma
“outra” guerra, bem diversa da que vem sendo divulgada até hoje.
No primeiro capítulo ela disseca “o medo revirando o passado”. Aqui
denuncia os esforços institucionais na “produção do medo” e na
formação de “patriotas” e “bons brasileiros”. No segundo capítulo
enfoca “a língua no Tribunal de Segurança”. Fala da “língua alemã”
denunciada e observa episódios nas escolas, igrejas, casas e nas ruas,
ou seja, o medo tomando conta das famílias e comunidades.
No capítulo seguinte descreve “denúncias e revanches no calor da
hora”. Enfatiza o clima de tensões entre a Igreja Católica e a Igreja
Evangélica. Aponta os “enfrentamentos” nas esferas do poder público
em meio a intrigas, delações, denúncias e oportunismo. Ou seja,
escancara uma “rede de intrigas” sem limites. No capítulo quarto a
autora ousa abordar as “cicatrizes desta guerra paralela”, expondo uma “face até então submersa”, escondida no silêncio ditado pelo medo. No quinto capítulo desvenda as “estratégias de controle do Estado”. São perseguições, invasões, demissões, prisões, delações. É o terrorismo do Estado de Getúlio transformando em inferno a vida dos descendentes de alemães e italianos. O último capítulo consiste no que chama de “retalhos de dramas cotidianos”. Aqui, por exemplo, “as mulheres tiveram que inventar subterfúgios no trato com crianças, os racionamentos, os esconderijos”. A narrativa é rica, detalhada, emocionante, praticamente “revivenciada” pela pesquisadora.
A obra inclui farta documentação (nos anexos e em cada capítulo),
apresenta um epílogo e abre com um prefácio primoroso da professora
Joana Maria Pedro, orientadora da pesquisa. “Na pesquisa, Marlene
focaliza de um lado a construção de heróis e dos patriotas, imaginários comuns nos regimes nacionalistas e autoritários; e, de outro lado, o aparecimento do estranho, dos chamados de nazistas, de quinta-colunas, de inimigos”, sintetiza Joana Pedro.
Memórias de uma (outra) guerra – Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina
Marlene de Fáveri
Editora da UFSC (EdUFSC) e Univali Editora
533 p.; R$49,00
Fones da autora:
(47) 9982-5158 / 349-1771 / 341-7536
e-mail: mfaveri@terra.com.br
Fonte: editora da UFSC