História da Diáspora Africana nas Américas é oferecida pela primeira vez na UFSC
O Departamento de História da UFSC oferece, pela primeira vez, a disciplina optativa História da Diáspora Africana nas Américas. A disciplina vem para suprir a carência de conteúdo referente à história dos africanos e seus descendentes e é lecionada toda a sexta-feira, a partir das 8h20, na sala 314 do prédio do Centro de Filosofia e Ciências Humana (CFH).
Há mais de quatro anos, a disciplina era uma demanda por parte dos alunos do curso de graduação para que se oferecesse História da África. Na graduação de História da UFSC os temas ligados à África, escravidão e diáspora africana eram tratados apenas tangencialmente nas disciplinas obrigatórias (História do Brasil, História Moderna e Contemporânea e História da América). Pois o departamento não dispõe ainda de um especialista em História da África.
A professora Beatriz Gallotti Mamigonian desde de que foi contratada, em 2002, procura suprir parte desta demanda, oferecendo disciplinas sobre a história da escravidão no Brasil e agora a história da diáspora africana, orientando trabalhos de conclusão de curso de graduação e mestrado nestas áreas.
O principal objetivo da disciplina é apresentar aos alunos os principais debates relativos à História da Diáspora Africana nas Américas, ou seja da dispersão dos povos africanos para o continente americano na condição de escravos, a fim de que esses adquiram uma perspectiva comparativa. Para isso, relaciona-se, através de aulas expositivas, seminários, apresentação de vídeos e discussão de documentos históricos a história dos africanos em diferentes regiões das Américas (Brasil, Caribe e Estados Unidos principalmente). Outro ponto importante é discutir os vários tipos de documentos e métodos utilizados para escrever a história da Diáspora Africana. Com isso o curso poderá formar professores e pesquisadores habilitados a produzir e transmitir conhecimentos nesta área.
O conteúdo da disciplina cobre aproximadamente cinco séculos, já que começa com o período do início da colonização européia nas Américas e de construção de sistemas escravistas nos séculos XV e XVI e vai até o movimento pelos direitos civis no século XX.
A procura pelo curso é grande. Além de alunos de História, Letras e Jornalismo que fazem a disciplina como optativa, o curso tem alunos estrangeiros e pessoas da comunidade que a fazem como disciplina isolada.
A maioria dos alunos declarou ter procurado o curso porque sentiu falta desta formação nas disciplinas obrigatórias. Muitos têm interesse e curiosidade por este tema e buscam formação de base para seus trabalhos de conclusão de curso. Como História da África e da Cultura Afro-Brasileira constituem conteúdo obrigatório no Ensino Médio e Fundamental desde a promulgação da lei n. 10.639 de 9/01/2003, os alunos sabem que vão precisar desta formação específica no mercado de trabalho.
A professora Beatriz possui mestrado e doutorado na Universidade de Waterloo, no Canadá com área de especialização na história da escravidão comparada e na história da diáspora africana. “Fico contente de poder estar passando para os alunos a experiência em pesquisa e os conhecimentos que adquiri nos últimos 10 anos”, diz a professora.
Sobre a estrutura do Departamento de História para oferecer a disciplina, a professora afirma que do ponto de vista logístico o curso possui salas, equipamentos, etc. Mas há um grave problema quanto ao acervo bibliográfico. O acervo da Biblioteca Universitária e das Bibliotecas Setoriais está muito defasado na área das Ciências Humanas. “Precisaríamos de importante investimento na compra de livros para dar aos alunos a oportunidade de fazer parte dos debates atuais nesta área. Acho estranho que uma universidade como a nossa, que se quer tão moderna e eficiente não priorize as bibliotecas. Faltam funcionários, falta espaço físico e falta principalmente acervo”, desabafa a professora Beatriz.
Como perspectiva de abertura de novas disciplinas que contemplem conteúdos referentes à história dos africanos e seus descendentes. A professora Beatriz, que já lecionou anteriormente a disciplina HST 5880 (Tópico Especial: História da escravidão no Brasil), vai tentar continuar oferecendo regularmente estas duas disciplinas e batalhar para que se contrate um professor africanista. Há também a possibilidade, discutida pelo Departamento, de abrir convênios para intercâmbio de alunos de graduação de países que estudem o tema, o que reforçaria a formação dos alunos na área de Diáspora Africana do Brasil e de outros países.
Além das disciplinas, há outros caminhos em que os acadêmicos e interessados podem buscar este tipo de conteúdo. No Laboratório de História Social do Trabalho e da Cultura, do qual a professora faz parte, existe um grupo de estudos sobre a sociedade escravista. O grupo envolve alunos de pós-graduação e graduação da UFSC e de outras universidades interessados no tema. Nas reuniões quinzenais há discussão de textos importantes e a produção de pesquisas feita pelos alunos ao longo do semestre. O grupo é aberto a todos os interessados.
Em recentes encontros acadêmicos pesquisas atuais sobre o tema foram apresentadas. No ano passado, a professora Beatriz foi a co-organizadora do primeiro encontro a reunir pesquisadores de escravidão na região sul, Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, I Encontro de Castro, que aconteceu de 23 a 26 de setembro do ano passado, em Castro, Paraná. Este ano ela vai coordenar um simpósio temático dentro da Jornada de História do Trabalho, durante o Encontro Estadual de História, que vai ser realizado de 30 2 de setembro, aqui na UFSC.
A história social da escravidão é uma das principais temas de pesquisa na área das Ciências Humanas, no Brasil de hoje, fato atestado pelo número de dissertações e teses defendidas e também pelo número de publicações que chegam às livrarias. Uma geração de historiadores (do fim da década de 1980 para cá) procurou novas fontes de pesquisa, desmentiu a idéia de que Rui Barbosa teria queimado os documentos sobre a escravidão e hoje investiga, através de inventários, registros eclesiásticos, processos civis e criminais, relatórios administrativos, os detalhes do funcionamento do sistema escravista e os mecanismos de reprodução das desigualdades sociais e econômicas. Estas pesquisas recentes contam uma história do Brasil bem diferente da que é senso comum e da que se aprendeu na escola até há pouco tempo.
“Vemos os africanos e seus descendentes como agentes da História e não mais como vítimas dela. Hoje em dia se reconhece que a pressão escrava teve influência sobre grandes decisões políticas que conduziram à abolição do tráfico de escravos em 1850 e à abolição da escravidão em 1888. É importante que os nossos alunos de graduação tomem contato com este novo paradigma para a história brasileira a fim de evitar reproduzir, quando professores e pesquisadores, o discurso que vitimiza os descendentes de africanos”, conclui a professora Beatriz.
Por Alexandra Alencar/bolsista de jornalismo da Agência de Comunicação da UFSC