Pesquisadores da UFSC obtêm desova de peixe de água doce ameaçado de extinção
O Laboratório de Biologia e Cultivo de Peixes de Água Doce (LAPAD) da UFSC obteve sucesso na desova de uma espécie de peixe de água doce apontada como criticamente em perigo de extinção na Lista Vermelha da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul. A espécie é a piracanjuba e a desova foi obtida no mês de janeiro, na Estação de Piscicultura de São Carlos (EPISCar), em Santa Catarina. A estação foi implantada por meio de uma parceria entre a UFSC, a Prefeitura municipal de São Carlos e a Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), com recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Localizada nas proximidades das margens do rio Uruguai, no município catarinense de São Carlos, a Estação dá suporte ao desenvolvimento das pesquisas direcionadas aos estudos de peixes de água doce.
De acordo com o professor Evoy Zaniboni Filho, coordenador do LAPAD, integrado ao Departamento de Aqüicultura, do Centro de Ciências Agrárias da UFSC, esta é a primeira desova em laboratório da piracanjuba nativa do rio Uruguai e seu impacto deverá ser de grande importância para preservação da espécie. “Esta desova representa uma possibilidade de garantir a manutenção dos estoques naturais da piracanjuba”, comemora. Ele explica que em Santa Catarina não há um documento que liste as espécies de peixes de água doce ameaçadas de extinção. No Rio Grande do Sul a ´Lista Vermelha´ foi organizada em 2002. “Mas certamente a espécie está igualmente ameaçada em Santa Catarina, simplesmente não houve ainda uma mobilização no estado para registrar as espécies com problemas”, avalia.
A piracanjuba (que tem nome cientifico Brycon orbignyanus e é popularmente conhecida como bracanjuva, no Rio Grande do Sul) é uma das espécies de peixes com população mais reduzida na bacia do rio Uruguai. O desaparecimento em grandes trechos do rio revela sua intolerância às alterações introduzidas no ambiente. O desmatamento da vegetação ao longo do rio e a conseqüente redução de suas fontes de alimento (esse peixe se alimenta principalmente de frutas e sementes), além da degradação da qualidade da água em função da poluição, estão entre as causas de seu desaparecimento. A pesca intensiva desse peixe, considerado um dos mais saborosos na água doce e apreciado na pesca esportiva, também colaborou com a redução drástica de seus estoques naturais.
Diante destes problemas, a espécie vem recebendo atenção especial dos pesquisadores da UFSC. Os trabalhos na região do rio Uruguai foram iniciados em 1995 e vêm recebendo o apoio financeiro da Tractebel Energia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Um dos maiores entraves para andamento dos trabalhos é a dificuldade de coleta dos exemplares na natureza. Além disso, a piracanjuba é altamente sensível ao manejo de captura e transporte do rio até a Estação de Piscicultura de São Carlos (EPISCar).
No entanto, em 2003 oito novos exemplares foram capturados na natureza e estão bem adaptados à vida em cativeiro. Este ano, no dia 12 de janeiro, foi observada na Estação uma fêmea e dois machos que apresentavam características indicadas para serem submetidos ao processo de indução hormonal, necessário para induzir a maturação final e a desova. No dia 14 ocorreu a desova, com uma produção de 268 gramas de ovos, o que representa em torno de 322.000 ovos. Desta desova foi obtida uma taxa de fertilização de 96,8%, valor considerado muito alto para esta espécie, o que permitiu a produção aproximada de 311.000 larvas. A expectativa dos pesquisadores é de que esta desova produza mais de 15 mil exemplares adultos.
O sucesso na desova deve fortalecer as pesquisas com a piracanjuba, com foco em dois objetivos centrais. Um deles é o desenvolvimento de técnicas de cultivo e manejo da espécie. O outro objetivo é utilizar a espécie em programas futuros de repovoamento, depois que estudos permitam o reconhecimento dos melhores locais para soltura.
Mais informações com professor Evoy Zaniboni Filho, fone 48 389 5216, e-mail: zaniboni@cca.ufsc.br
SAIBA MAIS
Banco Regional de Sêmen de Peixes do Alto Uruguai
Além da criação de um Banco Vivo de Reprodutores, através de convênio com uma organização não governamental canadense e financiamento da Canadian International Development Agency (CIDA), o LAPAD implantou um Banco Regional de Sêmen de Peixes do Alto Uruguai junto à EPISCar. Os pesquisadores adaptaram a técnica de congelamento e conservação in vitro (criopreservação) para os peixes brasileiros. Essa técnica permite que o sêmen seja recolhido em espécies capturadas no ambiente natural e conservado em nitrogênio líquido a menos 186° C.
A Estação de Piscicultura de São Carlos (EPISCar)
Localizada no município catarinense de São Carlos, a 1380 km da foz do rio Uruguai, é uma estação que trabalha exclusivamente com espécies de peixes nativos do rio Uruguai. Foram montados plantéis de reprodutores de várias espécies, entre elas dourado, piava, curimatã, mandi-pintado, piracanjuba e suruvi. Na estação são desenvolvidos estudos de reprodução, larvicultura e alevinagem e engorda, possibilitando a produção maciça de peixes, tanto para suportar futuros programas de repovoamento dos rios como para possibilitar o desenvolvimento do cultivo dessas espécies na região, em substituição ao sistema de piscicultura utilizado. Outra atividade importante da estação está relacionada à educação ambiental. Foram desenvolvidos módulos explicativos sobre a ictiofauna e a importância da preservação do rio Uruguai, de modo a atender aos interesses dos diferentes grupos visitantes.
Peixes de Água Doce/Piscicultura
A América do Sul conta com a maior diversidade de peixes de água doce do mundo. Só o Brasil possui mais de três mil espécies classificadas. Em Santa Catarina, mais de 250 já foram descritas e outras continuam a ser cadastradas. A criação de peixes de água doce em Santa Catarina também apresenta números expressivos. Essa atividade corresponde por 19% da produção brasileira, gerando incremento na renda de mais de 20 mil famílias. No entanto, devido ao sistema de policultivo (cultivo de diversas espécies no mesmo açude) consorciado com a suinocultura, a piscicultura apresenta baixa produtividade e tem sido associada á degradação ambiental em algumas regiões. Uma outra característica é a prevalência de espécies exóticas, especialmente tilápia e carpa, nestes cultivos. O desenvolvimento de tecnologia para o cultivo de espécies nativas com potencial para a piscicultura, tais como a piracanjuba, se apresenta como uma alternativa para a ampliação dessa atividade.