Engenharia Química estuda plástico biodegradável
Carregar compras, embalar alimentos, tomar cafezinho, armazenar o lixo: o plástico se tornou algo indispensável na vida das pessoas, presente em todos os momentos e utilizado das mais diversas formas. Suas características físicas e econômicas ajudaram a popularizar sua aplicação, inclusive substituindo, em alguns casos, materiais como o vidro ou a madeira. Em 2002, o consumo per capita de plástico pelos brasileiros foi de 21,7 Kg, ou seja, cerca de 3 milhões e 700 mil toneladas. A praticidade deste produto, porém, é proporcional ao problema ambiental que o seu uso acarreta, já que o plástico petroquímico demora entre 100 e 400 anos para se decompor.
Na busca de alternativas mais ecológicas e economicamente viáveis, o Laboratório de Engenharia Bioquímica, do Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos da UFSC, estuda a produção de dois tipos de plásticos biodegradáveis: o homopolímero Poli(3-hidroxibutirato) e o copolímero Poli(3-hidroxibutirato-co-3 hidroxivalerato). A pesquisa, coordenada pela professora Gláucia Maria Falcão de Aragão, experimenta diversas estratégias de cultura para a bactéria Raltonia eutropha, a espécie escolhida pelo Laboratório para produzir os polímeros. Esta bactéria consegue produzir o equivalente a até 80% do seu peso biopolímero.
Como outras espécies, a Raltonia eutropha só produz esta substância em condições especiais. Primeiro, é necessário “adaptar” os microorganismos ao substrato de interesse por cerca de 24 horas. Hoje, a UFSC utiliza como substrato uma substância preparada a partir do bagaço da maçã, mas já utilizou também o soro do leite, a água de arroz e concentrados de glicose e frutose comerciais. “Estamos testando várias alternativas, para depois selecionar as melhores”, diz a professora Gláucia.
O próximo passo é colocar os microorganismos adaptados em um biorreator, onde recebe oxigênio, nitrogênio, fosfato e outros sais essenciais ao seu crescimento. Inicia-se a fase de crescimento, que dura cerca de 12 horas, período em que a bactéria se multiplica. A etapa seguinte inicia com a limitação de algum elemento essencial – no caso desta pesquisa, o fósforo ou o nitrogênio. Esta limitação é justamente o que “obriga” a bactéria a produzir as moléculas do polímero para acumular carbono como reserva de energia – assim como o corpo humano armazena gordura. Diferente do que é feito na indústria, no entanto, a equipe da UFSC mantém a liberação de uma pequena quantidade de fosfato na solução. “Assim, os organismos mantêm a atividade celular por mais tempo, aumentando o período de produção”, justifica a professora.
Esta é a fase em que as bactérias efetivamente produzem o polímero – o
homopolímero, mais rígido e quebradiço, ou o copolímero, um pouco mais
flexível e resistente aos impactos. Para produzir o segundo, no entanto, é necessário o acréscimo de ácido propiônico na solução. Esta fase pode durar de 20 a 38 horas, variando a porcentagem final de polímero obtido no interior da célula. Ao final da fase de produção, a produtividade cai.
Além disso, são retiradas amostras a cada duas horas para análise. O Laboratório faz a extração do plástico apenas para a caracterização do polímero e não para a confecção de produtos. “O objetivo desta pesquisa é otimizar as condições de cultura das bactérias. Além de avaliar os diferentes substratos para ver qual é mais economicamente viável, também analisamos o melhor tempo de cada fase, quando é melhor limitar o fosfato, enfim, todos os aspectos que interferem no processo”, diz a professora.
Para que as empresas se interessem em produzir industrialmente, é necessário que o plástico biodegradável torne-se mais barato, por isso a preocupação em otimizar as condições de cultura. Hoje, esta alternativa é cinco vezes mais cara do que a produção de plástico petroquímico. “No Brasil e mesmo no mundo, não há ainda uma forte consciência ambiental, a ponto de as pessoas pagarem mais caro por um produto apenas por saber que é menos poluente”, destaca a professora. Mas ela acredita que os impactos ambientais farão com que o plástico biodegradável ganhe força, e as pesquisas só têm a contribuir para isso. “Não há uma previsão de quando o plástico biodegradável irá se popularizar, mas tenho certeza que sempre, e cada vez mais, haverá uma necessidade de se pesquisar soluções mais viáveis”, confia.
A utilização deste tipo de plástico ainda é mínima, e ocorre principalmente em produtos pequenos e de alto valor agregado, como materiais cirúrgicos e odontológicos. “A vantagem para estes casos é de que as linhas cirúrgicas usadas em pontos, por exemplo, são absorvidas pelo organismo, enquanto aquelas feitas de outro material precisam ser retiradas”, explica a professora. Apesar de ainda ser pouco utilizado, por causa do alto custo de produção, a professora garante que o plástico biodegradável pode substituir o petroquímico em praticamente todos os produtos em que é utilizado. A empresa brasileira PHB Industrial S.A., de Serrana (SP), já se prepara para iniciar a produção em escala comercial deste tipo de material em 2004. A empresa é a única no mundo que produz resinas biodegradáveis usando como substrato a cana-de-açúcar, importante fonte de glicose.
Material se decompõe em semanas
“Já me perguntaram se o copinho de plástico biodegradável para cafezinho não iria se desmanchar na mão”, conta a professora Gláucia. A falta de informação sobre o uso deste material faz as pessoas pensarem que, por ser mais facilmente decomposto, o plástico biodegradável tenha uma qualidade inferior. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que este material não é hidrossolúvel, ou seja, não se dissolve em água. A única forma de desmanchar um copinho destes seria enchê-lo de clorofórmio, uma substância que tem aplicações limitadas e é usada basicamente em laboratórios. Além disso, este plástico é, sim, mais fácil de ser decomposto, mas, para que isto aconteça, são necessárias algumas condições especiais, como a presença e o livre desenvolvimento de microorganismos. Tais condições são encontradas apenas em aterros ou em locais com muita umidade.
Enquanto o plástico petroquímico leva até 400 anos para se decompor, a
versão biodegradável leva semanas (veja quadro). O plástico petroquímico, além de não se decompor, quando jogado em lixões e aterros, cria uma camada impermeável que prejudica a decomposição dos materiais biologicamente degradáveis, impedindo a circulação de líquidos e gases. As resinas biodegradáveis também não deixam resíduos: transformam-se totalmente em gás carbônico e água.
SAIBA MAIS sobre as pesquisas na área com a Professora Gláucia Maria Falcão de Aragão, pelo telefone (48) 3319448 ou por e-mail glaucia@enq.ufsc.br
CONHEÇA o Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos no endereço http://www.enq.ufsc.br/