Pesquisa analisa os processos de ocupação de Florianópolis

09/07/2003 16:11

Estímulo: alto índice de crescimento e fragilidade da ilha

Estímulo: alto índice de crescimento e fragilidade da ilha

O conhecimento sobre a história da ocupação de Florianópolis é também estratégico para o planejamento futuro da cidade. Com base nessa premissa, o professor Almir Francisco Reis, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, voltou seu doutorado ao estudo do processo de crescimento e urbanização da Ilha de Santa Catarina. De acordo com o estudo, em grande parte a cidade turística ainda mantém o desenho da Ilha rural. “As antigas estruturas coloniais estão presentes tanto nas qualidades quanto nos problemas que Florianópolis enfrenta”, avalia o professor que, entre diferentes métodos, utilizou sobreposições de fotos aéreas para interpretação de ecossistemas naturais e estruturas territoriais criadas sobre a Ilha em diferentes momentos históricos. Trabalhou também com pesquisa em fontes bibliográficas, visitação dos lugares analisados, coleta de informações em órgãos de planejamento urbano e de turismo, além de entrevistas com moradores e outros pesquisadores.

A beleza e a fragilidade da Ilha (cerca de 59% de território são definidos como áreas de preservação) e seus altos índices de crescimento são alguns dos aspectos que estimularam a escolha de Florianópolis como objeto de estudo. A tese de doutorado foi desenvolvida junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e ganhou o título de ´Permanências e transformações no espaço costeiro: formas e processo de crescimento urbano-turístico na Ilha de Santa Catarina´. Focada no território insular de Florianópolis, a pesquisa foi realizada a partir de dois recortes no tempo – o estudo da ocupação na época colonial e o estudo da ocupação a partir do desenvolvimento urbano-turístico da Ilha, iniciado principalmente a partir da década de 70. Para cada um destes períodos o trabalho analisa o impacto do processo de crescimento sobre os ecossistemas naturais e o tipo de ambientes urbanos que vêm sendo criados na cidade.

O estudo destaca dois principais processos de crescimento na Ilha, que são chamados de parcelamento simples e parcelamento ordenado. Reunindo situações diferenciadas, estas categorias mostram de maneira sintética o modo como Florianópolis vem crescendo e se transformando.

Divisão rural da terra ainda permanece na estrutura da ilha

Divisão rural da terra ainda permanece na estrutura da ilha

O parcelamento simples parte da divisão da terra em pequenas áreas para a agricultura, característica existente em grandes porções do território insular. Essa forma de organização territorial tem origem na antiga Desterro, e é baseada na estrutura agrária da pequena propriedade e no trabalho familiar. Com o crescimento da cidade, as glebas (porções de terra que abrigavam plantações de cana-de-açúcar, café e mandioca) foram parceladas e se transformaram em pequenos loteamentos. As localidades assim transformadas caracterizam hoje áreas de crescimento espontâneo onde, em sua maioria, não ocorre a participação do poder municipal em sua estruturação e planejamento. Os loteamentos são implantados pelo proprietário da terra e mais tarde recebem equipamentos de infra-estrutura. “O território da Ilha tem sido consideravelmente modificado dessa forma, principalmente a partir dos anos 70”, explica o professor.

Na visão do arquiteto urbanista, o parcelamento simples deixou sobre o solo da Ilha desenhos no formato de espinha de peixe: a partir de uma via de acesso (a popular “estrada geral” da Ilha) partem ruas estreitas e longas, sem transversais (as “servidões”). Com o crescimento populacional, esse processo gerou vias congestionadas por trânsito de veículos pessoas e aglomeração de comércio e serviços – a rua Lauro Linhares é exemplo típico desse processo de crescimento. Também foram ocupadas a partir do parcelamento simples as encostas do Morro da Cruz, os bairros Córrego Grande, Pantanal e Itacorubi. No interior da Ilha, o parcelamento simples é responsável pela maior parte das transformações do presente, em especial nas grandes planícies do Rio Vermelho e do Campeche. Em termos de crescimento da orla, o parcelamento simples pode ser observado na Cachoeira, em Ponta das Canas, na Lagoinha e em Ingleses. “Enraizado ambiental e historicamente, os maiores problemas dessa forma de crescimento encontram-se na falta de planejamento e articulação de conjunto”, avalia o professor.

Em Florianópolis o parcelamento ordenado aconteceu nas áreas não parceladas pela agricultura. Isso porque além da divisão em pequenos lotes para abrigar as famílias de colonizadores, o período agrícola deixou sua marca no solo da Ilha em grandes áreas impróprias para os cultivos, que foram mantidas como áreas de uso comum, chamadas de terras comunais. Localizadas em áreas de encostas, banhados e dunas, eram usadas para pastagem, corte de lenha e madeira e também plantio por pequenos agricultores sem terra. Os levantamentos mostram que chegaram a mais de 30 na Ilha e têm reflexos até hoje na organização espacial da cidade.

Com o desenvolvimento da atividade turística, a partir da década de 70, as áreas comunais tiveram valorização máxima, pois propiciaram amplas porções de terras não parceladas. Diferente do caso do parcelamento simples, as áreas ocupadas a partir do parcelamento ordenado aconteceram, muitas vezes, de forma unitária – um único empreendimento coordenado por capital de porte, que compra e subdivide a terra. Em geral têm caráter legal e projeto aprovado por órgãos de planejamento e meio ambiente. Jardim Anchieta, Jardim Santa Mônica, Parque São Jorge e Jardim Germânia são bairros que resultam dessa forma de crescimento.

A partir dessa forma de parcelamento do solo surgiram também alguns dos principais empreendimentos turísticos da Ilha, como Canasvieiras, Jurerê e Daniela e, mais recentemente os grandes empreendimentos Jurerê Internacional e Praia Brava. Os primeiros crescimentos sob a forma do parcelamento ordenado geraram estruturas urbanas com sistema viário organizado em malhas regulares, em xadrez. Os empreendimentos mais recentes têm incorporado descontinuidades viárias, gerando malhas mais complexas. De acordo com o professor, a denominação de “ordenado” diz respeito somente ao modo como é realizado o parcelamento da terra. Essa forma de crescimento também tem apresentado sérios problemas ambientais e urbanísticos na Ilha. Do ponto de vista urbanístico, forma áreas pouco articuladas com as comunidades locais e com o todo da estrutura da cidade. Do ponto de vista ambiental, em diversos casos os empreendimentos foram construídos sobre áreas de preservação, infringindo a legislação ambiental existente.

Segundo o professor, Florianópolis é resultado em grande parte de processos espontâneos de crescimento, caracterizados pelo parcelamento simples. Quando existem projetos para ocupação do solo, caso do parcelamento ordenado, permanece como problemática a falta de uma visão geral para articulação de seu crescimento. “Os padrões não são articulados numa proposta global para o município, não sendo explicitado em momento algum as estratégias de ação para o conjunto do território municipal. O planejamento das partes tem sido realizado sem que exista uma proposta para o todo”, preocupa-se o arquiteto urbanista.

Para o professor, qualificar o planejamento urbano e territorial da Ilha é um grande desafio. “Compatibilizar os benefícios sociais e econômicos do parcelamento simples com efeitos ambientais menos impactantes do planejamento ordenado, estabelecendo limites aos grandes empreendimentos e garantindo uma integração mais harmoniosa com os ambientes naturais e com o sistema urbano preexistente são questões que precisam ser levadas em conta pelo poder público municipal. Essa postura certamente levaria a uma cidade ambientalmente mais adaptada e socialmente menos excludente”, defende o pesquisador.

Mais informações com o professor Almir Francisco Reis, fone 48 331 9393, 234 16 73, email: almir@arq.ufsc.br

SAIBA MAIS

– Impactos causados pelo parcelamento simples:

O parcelamento simples é responsável por ocupações nocivas tanto aos ecossistemas naturais quanto ao ambiente urbano. A retirada da cobertura vegetal, a impermeabilização dos terrenos por construções e a conseqüente aceleração da velocidade das águas têm provocado acidentes extremamente graves, com escorregamento de material das encostas. Exemplo são as ocupações nas encostas do Morro da Cruz e na Costeira do Pirajubaé, onde a ocupação mais antiga é mais densa. No Ribeirão da Ilha, o parcelamento simples avança sobre as áreas de encostas e Mata Atlântica. No Rio Vermelho e no Campeche, o parcelamento simples avança sobre a restinga, as lagoas e as dunas. O parcelamento simples levou também à ocupação de frentes de mar em diversos pontos da ilha. Em muitos casos, entre elas Ponta das Canas, e Ingleses, esta ocupação levou à obstrução do acesso à orla. O fato desses impactos serem diluídos no tempo, já que o crescimento é bastante gradual, diminui a percepção de seus impactos, permitindo também a adaptação gradual dos ambientes naturais à nova situação.

– Impacto ambiental do parcelamento ordenado

No parcelamento ordenado, as transformações ambientais costumam ser bastante rápidas. Exemplo são os grandes empreendimentos, como Jurerê Internacional, Praia Brava, com a retirada de toda a cobertura vegetal original, retificação de córregos, aterros e movimentos de topografia. Na Ilha, esses crescimentos urbanos, muitas vezes, desrespeitaram critérios de preservação ambiental básicos, invadindo áreas protegidas por legislação federal, estadual e municipal. Como ponto positivo, destaca-se que a existência de projeto, e a necessidade de sua aprovação junto a órgãos públicos e comunitários permitem a visualização de seus impactos antes da efetiva realização dos empreendimentos, viabilizando a possibilidade de controle pelo poder público e comunidades afetadas.