Animais marinhos que podem causar acidentes para o homem
Voce já se colocou no lugar de um surfista australiano ansioso para cair no mar, em dia de swell clássico, que deseja pegar ondas em mar infestado de tubarões brancos? Tudo bem! Surfistas são menos numerosos que os banhistas e deixemos pra lá o estresse deles. Mas e os nativos e banhistas normais aqui das nossas praias? Será que só os tubarões podem se tornar perigosos para o homem? Com o que os nativos e banhistas devem se prevenir para não sofrer acidentes com animais marinhos venenosos?
Esta questão surgiu durante um belo encontro social quando alguém relatou alguns fatos de acidentes com seres marinhos que “queimam”. Foi um relato bem honesto e preocupado pois vinha de pessoa engajada com causas sociais. As notícias ou as informações circulam e quanto mais socializam, mais se especializam! Foi assim que aconteceu, para descobrir que bicho era o responsável pelos acidentes. Ouvi falarem em alga e minha curiosidade de biólogo me levou à roda do papo. Logo percebi que se tratava de um animal do grupo das caravelas, medusas ou água vivas, cujo nome é Velella.
A Velella tem tamanho em torno de 2 cm de diâmetro, cor azul forte e com tentáculos no entorno. Pertence ao grupo de animais celenterados (parentes das anêmonas e corais) que flutuam sobre ou próximo à superfície do mar. Velella é considerada um animal colonial, suspenso por uma câmara achatada (oval a esférica) de flutuação. Na parte central da colônia existe um gastrozoóide que é a parte do animal ou indivíduo responsável pela alimentação da colônia. Existem gonozoóides que são os indivíduos da colônia responsáveis pela reprodução e mais perifericamente existem tentáculos de caça. Estes animais são predadores e se alimentam de pequenos animais do plâncton e até de peixes, como é o caso das caravelas, que são as “primas” grandes das velelas. Para capturar suas presas utilizam células venenosas, chamadas de nematocistos, que estão presentes nestes tentáculos de caça. O veneno tem propriedades para imobilizar e posteriormente ingerir a presa, através do gastrozoóide.
No caso dos acidentes com pessoas na região litoral, a presença de riscos para nossa saúde merece reflexão. Considerando que somos bichos produzidos pela natureza, frutos de uma evolução orgânica, então vivemos dentro dela e nela estão todos os riscos de acidentes. Muitos riscos estão sob nosso controle, são visíveis! Mas muitos agentes de risco para a nossa saúde não são tão aparentes. Neste caso, quando entramos em contato com estes elementos os acidentes acontecem, as pessoas sentem muita dor, gera um certo pânico e constrangimento geral para familiares e espectadores.
Mas vejam que nossa participação na natureza é determinada como nós sendo os dominadores de tudo, o tal do antropocentrismo. Isto quer dizer que a natureza está aí apenas para servir a nossos caprichos. Triste engano. E quando acontecem acidentes? Então temos que refletir e perceber que a máxima do antropocentrismo é absolutamente furada. Temos que respeitar a natureza e principalmente o oceano, que é o real berço da vida. Isto não significa ficar bajulando bichos bonitinhos como carangueijinhos ou botos. Significa abrir os olhos e adotar medidas de prevenção. Conduzir nossas vidas inseridos no contexto real do nosso cotidiano.
Qual é o contexto do nosso cotidiano? Vivemos numa ilha oceânica! Temos oportunidades de trabalho direto e indireto, lazer excepcional nas águas das lagoas, baías e marzão afora. O mar é desabitado? Claro que não! Já aconteceram acidentes antes? É claro que sim. Então a fórmula básica é manter a atenção ao que está acontecendo à nossa volta sem preconceitos. Assim, uma rápida olhada nos materiais depositados pelas marés na praia já nos ajuda a diagnosticar o que está vindo com as ondas e marés! Isto porque a aproximação destes animais na região costeira é consequência dos ventos e correntes oceânicos que os empurram para a zona costeira. Em caso de surgirem estes animais apenas quando já estamos mergulhando é bom sair da água e avisar a vizinhança.
Mesmo assim, continuarão acontecendo acidentes por que muitos destes seres perigosos podem estar mimetizados na natureza. Inadvertidamente podemos colocar a mão sobre uma serpente ou aranha em muitos locais que frequentamos. Quanto às águas-vivas ou medusas e a própria Velella existe um conhecimento para o tratamento imediato: use vinagre sobre a área da lesão. O vinagre é um ácido que neutraliza fortemente os efeitos da urticária; não elimina mas reduz bastante a dor e não deixa que mais células urticantes façam o efeito doloroso. Após esse primeiro procedimento é bom lavar a área com água fresca ou gelada para aliviar a dor. Acidentes graves quando a pessoa é enlaçada pelos tentáculos e sofre lesões múltiplas pelo corpo, devem ser imediatamente encaminhados para atendimento médico. Já existem casos de óbito com acidentes com águas vivas por que em grandes quantidades o veneno provoca várias complicações que podem levar ao afogamento devido ao choque.
Quando estes animais estão presentes nas nossas praias? Na Austrália, por exemplo, existe uma espécie de medusa que causa acidentes o ano todo. Como medida preventiva, as autoridades produziram informativos e espalharam-nos pelas praias com objetivo de esclarecer os banhistas e assim diminuir a chance de acidentes. Em caso de acidentes, nestes avisos espalhados pelas praias, existem disponíveis pequenos frascos com vinagre para o tratamento imediato da vítima.
Um livro recentemente publicado aqui no Brasil (Seres Marinhos Perigosos de M. Szpilman, 1998) mostra a importância das caravelas. Estes animais de cores vivas e com um flutuador azulado é parente muito próximo da Velella. O autor descreve a caravela e registra que a ocorrência deste animal é maior no verão. A chegada nas praias é conseqüência de uma combinação de fatores, como ventos e quantidade de indivíduos da população numa certa área. As caravelas não querem dar na praia, tampouco a Velella. Elas são predadoras de peixes no mar aberto e realmente não acredito que elas queiram correr o risco vindo “pescar”em águas rasas. Elas são, isso sim, lançadas pelo vento nas praias (o flutuador da caravela fica para fora da superfície da água e a Velella também tem uma pequena dobra do corpo que se assemelha a uma vela de veleiro, que as auxilia a deslocarem-se por grandes extensões oceânicas). Mas, por infelicidade delas e de nós, quando acontece de os ventos predominantes empurrarem estes bichos para a praia, as chances de ocorrerem acidentes são grandes.
Na praia seca estes animais morrem desidratados. Algumas pessoas atraídas pela beleza colocam estes bichos em sacos plásticos e levam pra casa. No caminho escorre um pouco daquela água pelas pernas e imediatamente surge a queimadura por que a água está cheia de células urticantes! No trabalho do Szpilman está registrado, então, que ainda não se trata de um problema de saúde pública: elas podem atingir algumas praias em grandes quantidades mas as caravelas são as responsáveis pelos principais acidentes com este grupo de animais no Brasil.
A seguir, algumas medidas de atendimento a pessoas acidentadas: lavar bastante com água para remover todos os tentáculos ou fragmentos de tentáculos aderidos à pele; além do vinagre (que segundo o autor pode ser eficiente apenas para neutralizar os nematocistos já inoculados na pele e não elimina o efeito dos contatos seguintes) sugere-se o uso de bolsas de gelo para diminuir a dor; pasta de bicarbonato com talco e água do mar deixando secar sobre as lesões eliminam os remanescentes de tentáculos; mais compressas geladas caso a dor continue e caso surjam alergias e reações inflamatórias buscar um médico para orientação e tratamento mais adequado.
Prof. Arno Blankensteyn – arno@ccb.ufsc.br
Departamento de Ecologia e Zoologia/ UFSC