Como parte do ciclo O Pensamento no Século XXI, será realizado na UFSC a partir dessa segunda-feira o seminário ´Carl Einstein, pensador da Modernidade`, ministrado pela professora da Universidade de Bourgogne, Liliane Meffre.
Sob consultoria do crítico, teórico e professor da Pós-Graduação em Literatura da UFSC Raul Antelo, o seminário acontece nos dias 12, 13 e 15 abril, às 18 horas, no auditório do Centro de Comunicação e Expressão, e no dia 14, às 18 horas, na sala Drummond, no prédio B do CCE. Nos dois últimos dias haverá debate em torno da projeção do filme Toni, de Einstein e Jean Renoir, que será exibido sem legendas.
Promovido pela Secretaria de Cultura e Arte (SeCArte) com apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, o seminário faz parte das comemorações do aniversário de meio-século da UFSC. E se inscreve na proposta de fazer da UFSC um cenário da discussão internacional contemporânea sobre arte, filosofia e literatura. Colaborando também com a divulgação do encontro, o professor do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas, Raul Antelo, apresenta Carl Einstein em artigo enviado para editorias de cultura da mídia local.
Quem é Carl Einstein?
Por Raul Antelo / Professor do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC
O crítico e escritor alemão Carl Einstein (1885-1940) é quase um desconhecido no Brasil. E, no entanto, ele esteve ligado a duas revistas decisivas no debate internacional sobre a modernidade. Na primeira delas, a figura visível era Georges Bataille, cujo nome ficou assim associado a Documents. Na segunda, James Joyce levou a fama, ao publicar, nas páginas de transition, o Finnegans´s Wake. Mas Carl Einstein foi, sob todos os aspectos, uma figura singular, em nada inferior a Bataille ou Joyce.
Educado numa família religiosa judia, Einstein, que nunca chegou a obter um título de doutor, foi aluno, no início do século, de Georg Simmel, na Universidade de Berlim, onde acompanhou também os cursos de história da arte de Heinrich Wölfflin. Em 1907 viajou a Paris, onde descobriu a obra de Picasso, Braque, Juan Gris e outros modernistas. Vincula-se, então, ao círculo radical de seu sogro, Franz Pfemfert, que publicava o jornal anarquista Die Aktion, onde Einstein passa a colaborar. Em 1912, publica seu relato Bebuquin e, três anos mais tarde, em 1915, Einstein se notabiliza por um estudo sobre a escultura negra, Negerplastik, que abriria o debate seguido, logo mais, por Marius de Zayas e Guillaume Apollinaire. É o início dos estudos sobre arte africana.
Colabora em revistas dadaistas, como Die Pleite ou Der blutige Ernst (1919), sempre com ilustrações de George Grosz. Em 1921, frequentando o círculo de Picasso (cujo marchand, Daniel Henry Kahnweiler, se tornaria amigo próximo de Einstein) o escritor adapta a teoria tátil-quadridimensional, que vinha desenvolvendo, a partir dos estudos combinados de vanguarda e arte africana, para o verbete sobre arte absoluta e política absoluta, que redige para a Grande Enciclopédia Soviética, texto, infelizmente, nunca publicado, mas cujas idéias básicas focalizam a arte que ousa destruir a convenção pictórica, em favor da criação do espaço como “estrutura imaginativa”, na linguagem da arte cubista. Einstein entendia como arte revolucionária aquela que busca a destruição do objeto, que é mero sinônimo de tradição, mito, memória e propriedade. A revolução, a seu ver, supõe a instauração da ditadura do homem contra o objeto, uma “ditadura sem objetos”, visando a função subjetiva, em que o eu desaparece na ação.
Esses postulados desenvolvem-se em artigos posteriores para a revista Documents. Nos “Aforismos metodológicos”, estampados, à maneira de manifesto, logo no primeiro número da revista, em 1929, Einstein parte da idéia de que “a história da arte é a luta de todas as experiências visuais, os espaços inventados, e a as figurações” para defender a idéia de transformar o espaço em uma função psicológica móvel, o que pedia, de cara, eliminar os objetos rígidos, meros recipientes passivos de convenções históricas, questionando, assim, a própria visão como fiadora última do conhecimento.
“O quadro é uma contração, uma parada dos processos psicológicos, uma defesa contra a fugacidade do tempo e, portanto, um anteparo diante da morte”. Para Einstein, os objetos, simples obstáculos à imaginação alucinatória, eram um limite, a seu ver, efetivamente ultrapassado por vanguardistas como Picasso ou André Masson.
Nesse sentido, toda obra moderna, como condensação e suspensão de processos psicológicos, faz com que a imagem funcione, na verdade, como uma defesa contra a passagem do tempo e contra a morte. E, assim, caberia pensar que a função da imagem seria a de garantir a sobrevivência imemorial da experiência. Surgem, em consequência, duas representações da morte. A representação naturalista, pautada pelo medo da morte, tentaria eternizar o precursor e manter a sobrevivência da família em seu próprio âmbito doméstico.
A representação metafísica, porém, defendida por Einstein, a partir dos estudos de arte primitiva, buscaria, pelo contrário, uma interpretação tectônica, tátil, da arte, onde conta mais o contato do que a vista. Ambas, porém, propõem a imagem como memória fixada, em que o duradouro deixa de estar naturalmente sujeito à morte e a imagem passa a ser mais poderosa do que os próprios viventes.
Nas páginas da revista Documents, o grupo de leitores de Nietzsche, que a editava, deixou importantes contribuições para um pensamento pós-fundacional. Junto com o artigo, redigido por Einstein, sobre o absoluto, que aqui transcrevemos, em tradução de Maria José Werner Salles, lia-se também a definição de Bataille para o materialismo do grupo, um baixo materialismo. Para Bataille e seu grupo, o materialismo seria tão somente um idealismo caquético na medida em que não fosse fundamentado sobre fatos psicológicos ou sociais, por isso julgavam caber a Freud, antes do que aos físicos, uma nova representação da matéria.
Daí afirmarem que a palavra materialismo era, há tempo, empregada, nas ciências humanas, para designar a interpretação direta, excluindo todo materialismo, dos fenômenos brutos e não mais para designar um sistema fundamentado sobre os elementos fragmentários de uma análise ideológica elaborada sob o signo das relações religiosas. Da mesma forma, a seguir, se exprimia Michel Leiris (genro, aliás, do marchand Kahnweiler), a respeito da metáfora, conceito que Leiris levaria adiante, epistemológicamente, como antropólogo na Africa.
A metáfora, dizia Leiris, é uma figura pela qual a mente aplica o nome de um objeto a um outro, graças a um caráter comum que os faz aproximar e comparar, mas há aí um paradoxo porque não se sabe nunca onde começa e onde termina uma metáfora. Uma palavra abstrata forma-se pela sublimação de uma palavra concreta. Mas uma palavra concreta, que só designa o objeto por uma de suas qualidades, não é ela mesma uma metáfora? “Não apenas a linguagem, mas toda a vida intelectual repousa num jogo de transposições, de símbolos, que se pode qualificar de metáfora”, a tal ponto que esse verbete sobre a metáfora é, ele próprio, metafórico. Dessa constatação viria mais tarde uma outra: a dos espelhos da África de Leiris. O antropólogo que estuda a cultura africana está se estudando ele mesmo. Ve-se, vendo.
Por isso, diríamos que, nessa desconstrução da metafísica, o próprio Carl Einstein foi o primeiro a ser por ele mesmo desconstruído. Numa carta de 1932, confessa: “Tornamo-nos aos poucos no nosso espetáculo uma star sem concorrência e nos aborrecemos. Temos amigos dentre os grandes, somos entrevistados, fotografados e sinto, se continuar este blefe por ainda alguns anos, que me tornarei uma espécie de Caruso na minha especialidade”.
Einstein não era cínico. Desiludido com os rumos adotados pelo estalinismo, ele lutou, corajosamente, na Coluna Durruti, na Guerra Civil Espanhola, entre 1936-37. Após a derrota, ele retorna a Paris, mas foi preso, em 1940, pelos oficiais de Vichy, que o deportaram ao campo de concentração de Lager Gurs, onde, finalmente, suicidou-se, há exatamente setenta anos, em julho de 1940. A liberdade indispensável em relação a si próprio e à sociedade, é o que torna Carl Einstein ainda necessário hoje em dia.
Quando Liliane Meffre publicou sua biografia, Itinéraires d’une pensée moderne, em 2002, o crítico e escritor Philippe Dagen disse, no Le Monde, que Einstein compreendeu, imediatamente, que o pensador o mais brilhante, o escritor o mais talentoso, o crítico o mais influente, era ameaçado pela sociedade moderna com o mais ridículo dos comprometimentos: aquele que o metamorfoseia em ator satisfeito com seu próprio papel. Como imitador de sua glória, dizia Picabia.
“Pouco importa o que o escritor faça, daí em diante. Ele está no seu lugar. Ele ocupa-se. Portanto, nada muda. Portanto, a ordem é mantida. Os exemplos de tais destinos confortáveis pululam hoje em dia. A lição de Einstein, no entanto, está viva na sua inflexível e feroz honestidade. Carl Einstein é aquele que nunca escreveu senão o que pensava. Aquele que não mentiu aos seus semelhantes, nem a si próprio”.
Serviço:
Seminário :
– Carl Einstein, pensador da modernidade
Dias : 12 , 13 e 15 abril, às 18h Auditório do CCE.
Dia 14 abril, 18h, sala Drummond do CCE
Em francês, tradução sucessiva. Será projetado o filme Toni de Einstein e Jean Renoir no sessão do dia 15.
Palestra no ciclo Pensamento do século XXI: Carl Einstein (1885-1940), na vanguarda das vanguardas
Dia : 16 abril, 10h, Auditório da Reitoria.
Em francês, tradução simultânea.
Exposição Carl Einstein
No saguão da Reitoria e no hall do CCE
Leia também:
Quem é Liliane Meffre?
É professora na Universidade de Bourgogne. Docteur d’Etat em estudos germânicos e doutora em História da Arte-Estética, especializou-se nas relações entre arte e antropologia, primitivismo, psicanálise e arte moderna, notadamente, no espaço franco-alemão. Durante muitos anos dedicou seus esforços à obra de Carl Einstein, escritor e crítico polifacético, de quem editou vários volumes, na França, Alemanha, Bélgica e na Espanha, traduzindo ao francês obras essenciais como Negerplastik, o ensaio fundador, em 1915, dos estudos sobre arte africana (La sculpture nègre. Trad e introd. de L. Meffre. L’Harmattan, Paris, 1998).
Seu livro Carl Einstein (1885-1940). Itinéraires d’une pensée moderne (Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 2002) sintetiza essas pesquisas. Editou também a correspondência entre Carl Einstein e o grande marchand das vanguardas, Daniel-Henry Kahnweiler (Marselha, 1993), obra traduzida, em 2008, ao espanhol. Colaborou em catálogos de exposição para o Centre Pompidou de Paris, com textos sobre Carl Einstein, Fernand Léger, Michel Leiris ou Yvan Goll, entre outros.
Há ainda textos de sua autoria em muitíssimos volumes coletivos como a Encyclopaedia Universalis, Art Press, Cahiers du Musée National de Art Moderne, Critique. Editou, em 2008, Carl Einstein e Benjamin Fondane: vanguardas e emigração na Paris dos anos 1920-1930. Liliane Meffre tem uma farta atividade como palestrante, em Louvain la Neuve (Bélgica), na Galeria Nacional de Praga, na Académie royale des Beaux-Arts, em Bruxelas, na Universidade de São Petersburgo, em Paris, Dijon, Strasbourg, Göttingen, ou nas Universidades de Florência e Milão.
Na semana passada, falou, em Milão, a respeito de « Kunstreligion », i.e. a religião da arte, sobre o artista como demiurgo. A professora Meffre visita o Brasil pela primeira vez.
Leia também:
– Liliane Meffre discute Carl Einstein, o crítico da liberdade artística
Mais informações:
– Raul Antelo, professor titular do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC / antelo@iaccess.com.br