Sendo o Brasil o país escolhido como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e também como sede das Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, está certo que muitas construções terão que ser realizadas. O país terá que preparar a infra-estrutura necessária, tanto a direta, como a indiretamente relacionada com esses eventos.
É evidente que essas obras já estão sendo pensadas, planejadas e até mesmo projetos já vêm sendo preparados. Muitas dessas obras tradicionalmente terão suas construções com estruturas previstas
em concreto armado, metálicas, ou até mesmo utilizando materiais compósitos, de ligas leves. Enfim, são algumas das opções que os projetistas poderão adotar.
No entanto, há que se pensar também que o país tem aí a oportunidade de se destacar no cenário mundial, dando uma demonstração clara de potencial para a adoção das diversas soluções, contemplando a funcionalidade, eficiência, beleza, conforto, etc, mas também, deixando claro o entendimento de ser este um momento importantíssimo para se mostrar ao mundo o nosso comprometimento com as preocupações e valores
ambientais, tão em evidência no cenário mundial e tão necessários para a sustentabilidade do planeta onde vivemos.
Neste sentido, é preciso considerar as possibilidades de uso dos diversos materiais disponíveis e a melhor adequação dos mesmos a determinadas soluções estruturais, ou a determinados conceitos de projetos. De qualquer forma, é oportuno e desejável que as decisões de projeto evidenciem soluções ligadas às questões ambientais. Portanto, essa componente deve ter lugar nessa
tomada de decisão por parte dos projetistas e, quiçá, ser assumida de forma abrangente, pelos setores públicos e privados, visando indicar o resultado esperado para essa vitrine mundial.
Considerando a extensão territorial e clima propícios ao desenvolvimento de árvores, como é o caso do Brasil, observa-se a oportunidade de se lançar um projeto ambicioso, visando a transformação e aplicação do material madeira,
em construções com tecnologias adequadas, desde as mais simples, até as mais arrojadas, mas indistintamente, pela adoção de soluções modernas no que diz respeito a suas aplicações. Ações a serem realizadas com base no conhecimento científico, tecnológico e respaldadas pela consciência ambiental.
É preciso aproveitar o que a natureza pode nos proporcionar com menor impacto possível, dando ênfase a soluções que utilizem energia renovável e tendo como fonte de inspiração as plantas, o vento, o sol, a terra, a água, etc. No que diz respeito ao emprego das madeiras, alguns menos afinados com o tema podem estar imaginando haver uma certa contradição na afirmação de que as
construções empregando este material sejam favoravelmente aliadas das questões ambientais. Mas não há contradição, pois é preciso se fazer uma análise baseada no conhecimento desse material, para se observar a extensão do resultado ambiental
advindo da simples opção por sua aplicação.
Mais adiante, serão apresentados indicativos de uso da madeira em elementos estruturais industrializados para as construções, mas antes é preciso evidenciar a sua importância no contexto da consciência ambiental. Portanto, inicialmente é preciso observar que a madeira é o único material de fonte prontamente renovável e cuja fábrica é a árvore. Logo, verifica-se um processo natural
de produção de um material, que na Análise do seu Ciclo de Vida (ACV) fecha o ciclo do carbono, demonstrando perfeito equilíbrio com o meio ambiente.
Sabe-se que para a formação do tecido lenhoso, a natureza se encarrega de capturar o carbono poluente da atmosfera, o qual, em composição com a água da umidade do solo absorvida pelas raízes, produz de forma natural os polímeros complexos que dão origem à madeira.
Por outro lado, é preciso observar também que no processo de produção dos demais materiais empregados nas construções existe uma carga negativa de poluição liberada para o ambiente, além do elevado consumo de energia necessária ser empregada na
produção e transformação de alguns deles.
Já no caso da madeira, desde o início de sua formação, verifica-se uma carga ambiental positiva. A árvore se utiliza da poluição presente na atmosfera, na forma de CO2, para produzir esse “eco-material” de fonte renovável.
O Canadian Wood Council indica que produtos em madeira armazenam mais CO2 do que emitem durante o processo de extração, transporte e beneficiamento. Além do que,
para o processo de beneficiamento das toras, se requer baixo consumo de energia e equipamentos considerados simples. O Canadian Wood Council exemplifica ainda que uma casa de porte médio, construída no sistema “woodframe” (sistema comum de construção em madeira nos países do hemisfério norte, mas que começa a ganhar destaque também no Brasil) armazena em suas peças o equivalente ao que um carro emite em CO2 num período de 5 anos, consumindo 12.500 litros de gasolina. Isto sem contabilizar as emissões ocorridas durante o processo de fabricação, nem da manutenção desse carro.
Focando um pouco mais na quantificação do carbono estocado no tecido lenhoso, sabe-se que dependendo da espécie de madeira e de suas características físicas ligadas à anatomia vegetal é possível afirmar que quando a árvore produz um metro cúbico de
madeira, são incorporados ao tecido lenhoso entre 250 quilogramas a uma tonelada de carbono.
Tomando como exemplo uma floresta plantada de Pinus, com uma produtividade chegando hoje à casa dos 50m3/ha/ano, e sabendo-se que, no mínimo, são estocados 250kg de carbono para cada metro cúbico de madeira formada, observa-se que ao serem formados 50m3 estarão sendo retidos 12.500kg de carbono. Isto quer dizer que uma floresta plantada de Pinus, numa estimativa feita por baixo, pode reter 12,5 toneladas de carbono/ha/ano.
Por outro lado, pensando-se na viabilidade comercial dessa madeira, considera-se uma rotatividade de 20 anos, ou seja, a cada período desses as árvores são comercializadas, para novas mudas serem plantadas. Conclui-se, então, que a cada período de 20 anos são estocadas 250 toneladas de carbono por hectare
plantado.
É preciso ainda evidenciar nessa análise que a madeira vem do carbono e que após cumprir a sua função como material transformado em objetos, bens das mais variadas
formas, inclusive elementos estruturais, ao chegar ao final do período de sua utilização (final do ciclo de vida), o carbono é simplesmente devolvido para o ambiente, em um
processo marcado pelo equilíbrio ambiental.
É evidente que nessa análise a ênfase maior está sendo dada à utilização de madeiras provenientes de regiões de manejo sustentável, principalmente às provenientes de florestas plantadas. Neste último caso, é necessária a compreensão de que essa produção deve ser entendida como pertencente ao setor do agronegócio: cultiva-se árvores para a produção de madeira a ser comercializada, assim como cultiva-se grãos, cana-de-açúcar, etc.
É diferente dos reflorestamentos, pois estes são entendidos como necessários para a recuperação de áreas degradadas e não para fins de comercialização da madeira.
Outro ponto importante a ser destacado é que ao se utilizar madeiras de florestas plantadas contribui-se para minimizar a busca por aquelas provenientes da mata nativa, preservando-se assim toda a questão ligada à biodiversidade dessas florestas. Também é preciso levar em conta que ao utilizar a madeira deixa-se de utilizar algum outro material, que poderia produzir impactos ambientais de grandes proporções.
Outro dado importante é que as floretas plantadas têm capacidade de capturar e estocar carbono em volume que chega a ser dez vezes superior, se comparado com a capacidade de uma floresta centenária da mata nativa. Isto porque o grande potencial de capturar carbono para a formação do tecido lenhoso está nas
árvores ainda jovens, como as encontradas nas florestas plantadas.
Nesse estágio, o lenho existente no tronco encontra-se em grande proporção, na forma de alburno (tecido lenhoso com poros livres). Como o alburno tem seus elementos anatômicos com o interior
livre, e nas árvores ainda jovens o lenho é composto praticamente só de alburno, o fluxo da seiva bruta (ascendente), que vai das raízes às folhas, se dá em abundância, tendo em vista a grande quantidade de vias livres para o seu transporte e ocorrência da
fotossíntese.
Só depois de algum tempo é que o alburno passa a ter seus elementos anatômicos preenchidos com os substratos advindos do excesso de seiva elaborada (descendente). Esses substratos em excesso vão sendo então depositados, através dos raios medulares, no interior dos elementos anatômicos que compõem o lenho, propiciando a passagem da condição de alburno para a de cerne. Portanto, o cerne tem os elementos anatômicos com o interior preenchido, o que impede a passagem da seiva.
Desta forma, uma árvore já centenária apresenta grande parte de seu lenho formado por cerne, restando uma camada de alburno, que vai diminuindo com o passar do tempo e ficando restrita à parte periférica do lenho. Em árvores centenárias a proporção de alburno (faixa clara) vai ficando pequena em relação ao cerne (faixa escura)
Ora, como o transporte da seiva bruta (ascendente) se dá pelo alburno e este vai ficando com uma porção cada vez menor do lenho, fica fácil concluir que as árvores centenárias pouca capacidade têm de transportar a seiva bruta até as folhas, para que ocorra na fotossíntese a captura do carbono.
Nesse estágio, o acréscimo de lenho aos troncos e galhos se dá lentamente e em pequenas proporções. Diz-se, então, que a árvore já atingiu o seu pico de crescimento. Com base nesse conhecimento do processo fisiológico do crescimento das árvores e
conseqüente formação do tecido lenhoso (madeira), é possível fazer uma estimativa de carbono capturado e transformado em madeira, nas florestas plantadas.
Para isto, é necessário observar que dos 187,5 milhões de ha de florestas plantadas no mundo, apenas 2,9% encontram-se no Brasil. Portanto, estima-se cerca de 5,44 milhões de hectare de florestas plantadas em nosso país. Logo, tomando por base um potencial
médio de captura de carbono, entre as diversas espécies plantadas, da ordem de 20 toneladas de CO2 por hectare, por ano, fica fácil concluir que só para a formação de madeira em nossas florestas plantadas são capturados cerca de 100 milhões de toneladas de carbono por ano.
Isto, constatando que no Brasil essas florestas representam apenas 1% da floresta nacional. Portanto, existe um potencial enorme a ser
considerado para o futuro, quando se prevê uma demanda crescente de madeira e a necessidade de grande quantidade a ser produzida. É preciso observar ainda que enquanto alguns países vêm planejando o plantio de árvores com fins comerciais, no Brasil o setor da cadeia produtiva da madeira tem sofrido críticas e as conseqüências de estar ligado ao Ministério do Meio
Ambiente. Felizmente, isso vem mudando e já existe a percepção de que o setor das florestas plantadas deveria estar ligado ao Ministério da Agricultura, e estar sendo incentivado como um promissor setor do agronegócio.
É preciso observar também que no Brasil essas florestas ocupam pouco mais de 5 milhões de hectares, enquanto o setor agrícola ocupa cerca de 600 milhões de hectares e a pecuária cerca de 150
milhões de hectares. Esses dados demonstram que esse setor não pode ser considerado como vilão. Merece ser analisado sob o ponto de vista científico, tecnológico, social, econômico e ambiental, além de apresentar-se como alternativa a outros materiais cuja produção e aplicação implicariam em grande carga negativa para o meio
ambiente.
Observa-se que no setor da produção de madeiras o Brasil tem dado bons exemplos quanto a iniciativas de um desenvolvimento responsável e que vem ganhando o devido respeito no cenário mundial. A empresa Klabin, por exemplo, acaba de ter o seu modelo de gestão das florestas reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO-ONU) e considerado entre os “Casos Exemplares de Manejo Florestal Sustentável”.
A empresa foi pioneira na adoção do conceito de formação de corredores ecológicos que respeitam a biodiversidade, onde em
áreas de florestas plantadas de Pínus e Eucalíptus são deixados corredores de florestas naturais na proporção de 80 hectares de matas naturais para cada 100 hectares de florestas plantadas.
Outro dado importante está ligado ao fato da empresa manter um
Programa de Monitoramento da Biodiversidade, onde tem catalogadas mais de 1.464 espécies de plantas em suas florestas de Santa Catarina e Paraná, das quais 27 estão na lista das consideradas em extinção pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Vendo exemplos dessa natureza, observa-se que em termos de planejamento para o futuro fica cada vez mais evidente a necessidade de se pensar em uma política que considere a preocupação de se ter um inventário territorial, com o qual se possa orientar o plantio de árvores, com manejo adequado a cada finalidade de uso e em regiões demarcadas a esse tipo de produção. Quem sabe até, além de se preocupar com a
certificação florestal, se possa pensar na adoção de um selo de qualidade regional, como alguns países o fazem com seus vinhos, queijos, azeitonas, etc.
É preciso pensar em uma política para o setor, de forma ampla, que possa fazer o diferencial no mercado globalizado. É necessário estar atento à importância que as madeiras vêm ganhando no cenário internacional, inclusive por questões ambientais, e fazer um planejamento para o futuro da produção e aplicação das madeiras em nosso país.
Ainda em termos de planejamento a médio e a longo prazo, é também preciso estar atento à possibilidade de investimentos na transformação desse material em bens duráveis, com valor agregado, tanto para o mercado interno como para o mercado
exportador. O Brasil tem um potencial enorme para ser muito mais do que um simples produtor de madeira, assumindo o papel de um grande transformador desse ecomaterial em bens duráveis.
A curto prazo, tendo em vista os eventos de 2014 e de 2016, há uma grande oportunidade para organização e estabelecimento de diretrizes a serem seguidas, para preparação dessa vitrine no cenário mundial. Nela certamente terão que estar presentes manifestações de consciência ambiental, seja nas manifestações artísticas das seções de abertura, ou na forma de se conceber a infra-estrutura necessária. Neste sentido, para os próximos sete anos, a madeira apresenta-se como um dos materiais a ser considerado nos projetos destinados à infra-estrutura.
Dentre as possibilidades de aplicação estrutural das madeiras provenientes de florestas plantadas está a associada à técnica da madeira reconstituída na forma de Madeira Laminada Colada (MLC). Neste processo, entende-se por lâminas, as camadas
produzidas por tábuas retiradas de troncos de árvores consideradas ainda jovens (idade entre 20 e 30 anos). Essa forma de aplicação da madeira em elementos estruturais permite aos projetistas vencer grandes vãos, sob as mais variadas formas retas ou curvas,
projetando peças de grande porte, e tendo como base peças de pequenas dimensões, como são as tábuas obtidas de árvores produzidas em florestas plantadas.
O efeito final é de uma estrutura imponente, eficiente, com grande destaque estético e enorme valor ambiental. Há vários exemplos de construções projetadas em MLC pelo mundo, principalmente em países onde a consciência ambiental é levada em consideração já na decisão do projeto.
Um belo exemplo de aplicação da madeira na forma de estrutura em MLC é o caso do aeroporto de Oslo, na Noruega. Inaugurado em 1998, foi pensado para ser o mais moderno aeroporto do mundo em estruturas de madeira. Ao conceberem a estrutura de cobertura dos 24.500m2 do aeroporto Gardermoen, os projetistas consideraram o interesse de impressionar os visitantes com a capacidade tecnológica norueguesa. Foram projetadas peças curvas com comprimento de 136m, produzidas em “White pine”. O objetivo foi impressionar também pela componente ecológica embarcada na solução, que adota material com grande capacidade de depósito de carbono. Além disso, os projetistas deram a demonstração de perfeita harmonia entre os materiais empregados, ao fazerem uma composição da MLC com colunas de concreto e hastes metálicas.
Na América Latina, o Chile é o país com maior tradição no uso da MLC nas construções, contando com centros comerciais, hotéis, passarelas, escolas e outras. No Brasil são poucos os exemplos e isto se deve também ao fato de que são poucas as escolas de engenharia e de arquitetura que tratam da aplicação das madeiras sob a técnica da MLC. Com raras exceções, o que se tem são currículos escolares voltados para as construções em concreto armado e metálicas.
Mesmo assim, podem ser encontradas algumas obras onde a MLC foi adotada. Em algumas mais antigas, observa-se inclusive a utilização de madeira proveniente da mata nativa, quando na verdade a técnica da MLC surgiu da necessidade de se utilizar as madeiras produzidas em florestas plantadas. Como no Brasil até bem pouco tempo existia madeira da mata nativa com grande disponibilidade comercial e baixo custo, foi mais cômodo e até
viável adotar algumas espécies com características físicas que fossem adequadas a essa técnica.
Atualmente, o Brasil conta com pelo menos duas empresas capacitadas a produzirem elementos estruturais em MLC. Uma delas trabalha com o Pinus taeda e a outra com o Eucaliptus grandis. No entanto, para atender a um projeto ambicioso de construções que comporiam a infra-estrutura voltada para os eventos de 2014 e de 2016, essas empresas teriam que se adequar a uma demanda de projetos prevendo grandes estruturas. Isto é perfeitamente viável, desde que haja uma decisão clara no sentido de se adotar uma posição inequívoca de compromisso com as questões ambientais e de se incluir a madeira na concepção desses projetos.
Por: Carlos Alberto Szücs
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Professor desde 1976
Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – 1976
Mestre em Engenharia de Estruturas em Madeira pela Escola de Engenharia de São Carlos da
Universidade de São Paulo (EESC/USP) – 1979
Doutor em Ciências da Madeira pela Université de Metz/França – 1991
Pós-doutorado de curta duração na Université de Metz/França – 1996
Professor convidado da Université de Metz – 1998
Coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos das Madeiras (GIEM/UFSC)
Diretor Regional para Santa Catarina, do IBRAMEM-Instituto Brasileiro das Madeiras e das Estruturas de Madeira
e-mail: caszucs@gmail.com – fone: (48) 9981-0010