
Professora Lia Colomé
A professora Lia Colomé, de Videira, é a convidada da 48ª. edição do Círculo de Leitura, evento realizado mensalmente na Universidade Federal de Santa Catarina. Idealizadora do premiado projeto Encontro Marcado, que leva autores catarinenses para as escolas do Estado, ela falará sobre livros, suas leituras e escritores prediletos e sobre o projeto que desenvolve nesta quinta-feira, dia 26, a partir das 17h, na Sala Harry Laus da Biblioteca Universitária.
O Encontro Marcado já permitiu o contato de alunos do ensino fundamental e médio com escritores como Flávio José Cardozo, Maria de Lourdes Ramos Krieger, Jorge Jacó, Francisco Karam, Urda Alice Krueger, Maicon Tenfen, Heloísa Dallanhol, Donaldo Schüler, Silveira de Souza, Artêmio Zanon, Amílcar Neves e Júlio de Queiroz. Este ano, quem está participando das visitas e conversas com os estudantes é o poeta e contista Fábio Brüggemann. O projeto tem o patrocínio da Federação das Unimeds do Estado e alcançou, até agora, escolas de 20 municípios catarinenses.
Para 2010, a professora Lia Colomé programou a participação de três escritores, que ainda serão definidos. A dinâmica é a mesma desde o início: uma vez aceito o convite pelo autor, a Unimed e a Gerência Regional de Educação elegem as escolas onde haverá o encontro. Ali, Lia promove uma capacitação com os professores, estimulando-os a envolver os alunos no projeto, lendo os livros recomendados e preparando-os para o diálogo com o convidado.
As bibliotecas das escolas recebem os livros dos escritores e as escolas programam atividades artísticas como exposições, recitais de poesia e apresentações de música e teatro. Na unidade onde trabalha – a E. E. B. Profª. Adelina Régis, em Videira –, Lia Colomé desenvolve o projeto desde 2002, atingindo cerca de 1.500 alunos, com resultados surpreendentes. “Queremos formar leitores críticos e estimular e incrementar a produção de leitura reflexiva, além de massificar o livro entre os jovens no ambiente escolar”, diz ela.
O CÍRCULO
Criado pelo poeta Alcides Buss, o Círculo de Leitura é um projeto que permite ao convidado e aos presentes discutirem informalmente sobre os livros que estejam lendo, as leituras do passado e as influências de outros autores sobre o seu trabalho. Escritores e jornalistas como Salim Miguel, Oldemar Olsen Jr., Fábio Brüggemann, Inês Mafra, Mário Pereira, Maicon Tenfen, Cleber Teixeira, Dennis Radünz, Rubens da Cunha, Renato Tapado, Raimundo Caruso, Nei Duclós, Lauro Junkes, Zahidé Muzart, João Carlos Mosimann e Mário Prata foram alguns dos participantes das etapas anteriores do projeto.
BREVE ENTREVISTA
Como a leitura entrou em sua vida? Como era o contato com os livros na sua infância? Sua família tinha o hábito de ler e de estimular a leitura em casa?
Lia – Essa pergunta oportuniza-me boas lembranças! Entrou de uma maneira gostosa, na infância. Como sou gaúcha, vivi numa fazenda até os seis anos, e lá ouvia muitos causos de assombração em roda de fogo de chão. A peonada campereava e trazia causos de gado morto no campo, de lobisomem. Após o almoço, a cozinheira da casa lavava a louça ouvindo radionovela. Lembro de minha mãe lendo a Bíblia de capa preta, com as bordas das páginas douradas, na época da Páscoa.
Apesar de morarmos no campo, minha mãe assinava a revista Burda. Aos oito anos adoeci e ganhei o Cinquentenário Disney. Havia os discos de historinhas infantis, de vinil colorido, da minha prima Jane. Meu pai trouxe-me mais discos de uma viagem, além da Delta Larousse, Conhecer e Barsa, enciclopédias que ele comprou de um viajante e que até hoje mantenho em minha casa. Nos livros “Nossas crianças” conheci as tirinhas da Mafalda. Minha avó adormecia, o rádio ficava ligado e chamava-me a atenção que de madrugada ouviam-se os programas em castelhano.
Meus pais liam jornais e revistas de agropecuária, minha tia fazia muita palavra-cruzada, mas não havia um discurso em prol da leitura. Como era filha única, uma menina foi morar conosco para me fazer companhia. Como ela já tinha seis anos, precisava ir à escola. Eu, com três, a acompanhava. Íamos de trator, sentadas num pelego. Meu marido brinca que fui alfabetizada numa escola do Brizola. Li muito cedo “O mágico de Oz”, “As mil e uma noites”…
Quais foram os livros e autores que marcaram sua vida e sua trajetória de professora?
Lia – Minha universidade, a FIC, em Santa Maria (RS), teve o mérito de me aproximar de grandes autores gaúchos e nacionais, por ocasião das Semanas de Letras, que também aconteciam na Universidade Federal de Santa Maria. Durante a graduação conheci Moacyr Scliar, Lya Luft e Ignácio Loyola Brandão; dos teóricos, Ezequiel Theodoro da Silva, Samir Curi Messerani, entre outros. Acompanhava diretamente a organização dos eventos junto a professoras que me introduziram em leituras que mantenho até hoje: Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Lya Luft.
Na pós- graduação fui apresentada à literatura infantil pela dra. Vera Teixeira de Aguiar, da PUC-Porto Alegre, que sinalizou-me outra paixão, caminho que trilho até hoje. O livro “Fadas no divã” é maravilhoso! Tenho dificuldade de perambular pela literatura estrangeira e, por trabalhar com alunos de ensino médio, vestibulandos, acabo enveredando cada vez mais pelas nossas letras.
Quais são seus autores e gêneros prediletos de leitura?
Lia – São muitos. Adoro Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana, Lya Luft, Clarice Lispector, Martha Medeiros, Rubem Braga, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan. Conheci Miguel Sanches Neto através do “Herdando uma biblioteca”. Esse livro disse-me muito! E todos os escritores catarinenses que abrilhantaram o projeto Encontro Marcado no Estado. Todos são donos de uma prosa e uma poesia maravilhosas. Gosto do romance, mas o conto é minha preferência. Poesia pode até ser sorvida num gole único, mas só a paciência revela o íntimo das palavras.
Acompanho e recorto do jornal as crônicas de Luiz Carlos Prates e Sergio da Costa Ramos para realizar aula de leitura com os alunos. Há na biblioteca da nossa escola uma caixa com recortes de crônicas de todos os escritores que já nos visitaram: Amílcar Neves, Maicon Tenfen, Fabio Brüggemann; qualquer reportagem sobre eles é recortada.
O que está lendo atualmente?
Lia – Por causa do vestibular, leio sempre os das listas dos autores recomendados pelas universidades. De acordo com a disciplina que estou ministrando, leio sobre linguistica, metodologia da língua portuguesa e literatura infantil. E li crônicas, contos e romances de todos os escritores que participaram do nosso projeto, como Flávio José Cardozo, Urda Alice Klueger, Maicon Tenfen, Donaldo Schüler, Artêmio Zanon, Silveira de Souza, Amilcar Neves e Júlio de Queiroz. Este ano conheci os livros do escritor Fábio Brüggemann. No momento, “Família alta performance”, de Içami Tiba, “Leitores para sempre”, de Pedro Demo, “Saber não saber”, do professor Alcides Buss, e “Política de formação de leitores”.
Como vê o avanço das tecnologias de informação (internet, livros eletrônicos) e sua influência sobre os hábitos das novas gerações? Essas tecnologias estimulam ou inibem o contato com os livros?
Lia – Vejo este avanço todo com bons olhos e acredito que a influência somente não é positiva quando o livro não conquistou o devido espaço e respeito no coração de cada leitor. Antes deve haver uma atitude de leitura de pais e professores que estimulem precocemente o contato dos filhos, dos alunos, do cidadão com o livro. Lugar de livro é na estante da nossa casa e sou otimista em perceber que o livro tem sido cada vez mais objeto de desejo das pessoas. Agora é “chic” presentear livros, e ser encontrado, encontrada com um belo e grosso livro dá ibope. As pessoas quando se encontram acabam dividindo o que estão lendo no momento. Ser leitor, leitora agora é uma boa referência. Quando frequento as livrarias das grandes cidades fico impressionada em ver como elas estão cheias. Precisamos agora trabalhar para disseminar essa atitude nas pequenas cidades – que contam, às vezes, com uma única livraria.
Não questionando as intervenções feitas nas grandes obras da literatura brasileira, ainda penso que é uma forma de socializar ao grande público os grandes textos, os grandes autores. A internet, se devidamente orientada, é porta aberta para leituras únicas também.
Agora, cheiro de livro novo só há em livro novo. O ritual de abrir páginas só há quando se abrem páginas e não há como negar as tecnologias invasivas. Eu mesma utilizo em sala de aula audiolivros do Affonso Romano de Sant`Ana, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Marina Colassanti e Manuel Bandeira como recurso didático para apresentar, na voz de bons intérpretes, um texto ou um poema que chegará até o leitor de uma forma diferente.
Penso que bons hábitos são adquiridos na família, na escola e pelo exemplo. Por isso, cabe a estas duas grandes instituições retomarem seus papéis de formadores de leitores para que quando a tecnologia for apresentada aos nossos filhos, livro e tecnologia, cada um ocupe o seu devido lugar. Não é momento de acusações mútuas e brigas por espaço. Há que haver um rico diálogo de consenso, que brade pela aquisição, construção e socialização de conhecimentos indistintamente entre a população. Até porque a internet ainda não está em todos os lares. Há escolas que ainda não têm biblioteca.
Contatos com a professora Lia Colomé podem ser feitos pelos fones (49) 3533-0821 (residencial), 3566-1049 (escola) e 8828-9613 (celular), ou pelo e-mail colome@formatto.com.br.
Por Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista na Agecom