O sucesso dos editais de pesquisa regionalizados, que atraíram mais de 400 projetos de todo o Estado, tornou ainda mais eloquentes os debates da III Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada nos dias 26 e 27 nas dependências da Unoesc, em Joaçaba. Uma das críticas à produção atual de pesquisa – também reforçada no evento – é a sua concentração nas universidades, onde nem sempre produzem resultados práticos consistentes. Por isso, o fato de 312 projetos terem sido selecionados, habilitando-se a dividir os R$ 18 milhões destinados pelo governo do Estado ao setor, foi saudado como uma indicação de que a interiorização do apoio à pesquisa é um avanço em Santa Catarina. As 36 Secretarias de Desenvolvimento Regional enviaram projetos, e 81 deles eram oriundos do Sistema Acafe, que congrega instituições superiores de caráter comunitário.
O encontro de Joaçaba, que preparou os subsídios catarinenses à IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, programada para maio de 2010 em Brasília, teve as presenças do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antônio Raupp, e do presidente da comissão organizadora da conferência nacional do próximo ano, Carlos Alberto Aragão. Também compareceram o governador Luiz Henrique da Silveira, o presidente da Fapesc, Antônio Diomário de Queiroz, e a representante do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ana Lúcia Gabas, além de parlamentares da região, prefeitos e líderes de órgãos representativos das classes empresariais.
O governador do Estado fez um balanço positivo da evolução dos programas e investimentos em ciência e tecnologia de 2003 para cá e participou do lançamento do Prêmio Professor Caspar Erich Stemmer da Inovação Catarinense, cujas inscrições vão de 7 de dezembro deste ano a 8 de fevereiro de 2010, e da entrega do prêmio Mérito Universitário. Também foi distribuído o documento Política Catarinense de Ciência, Tecnologia e Inovação, aprovado pelo Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Conciti) em setembro deste ano e que consolida as políticas de Estado para esta área, apresentando um diagnóstico e estabelecendo diretrizes para a pesquisa e inovação em Santa Catarina.
Segundo Estado a realizar sua reunião preparatória, Santa Catarina também está desburocratizando os procedimentos de movimentação dos recursos pelos profissionais da pesquisa, por meio do Cartão Pesquisador, criado durante a conferência de Joaçaba. Isso elimina o uso de cheques, agiliza a prestação de contas Junto à Fapesc e transfere integralmente para o pesquisador a responsabilidade pela movimentação da verba recebida para desenvolver seu trabalho.
Os desafios do clima – Em seu pronunciamento, o governador Luiz Henrique informou que 1,3 milhão de jovens estão conectados à Rede Catarinense de Ciência e Tecnologia (RCT) e que, graças à expansão da cobertura da rede de energia elétrica, mais 39.500 propriedades rurais foram incluídas no rol das famílias que têm acesso às informações e aos recursos do mundo moderno. “A telemedicina permite a realização de 100 mil exames em todas as regiões do Estado, em tempo real, e houve um grande avanço das incubadoras e programas tecnológicos em Santa Catarina”, afirmou.
Ele falou também da necessidade de enfrentar a nova realidade do clima e instigou os cientistas e pesquisadores a encontrar soluções para problemas como as secas constantes, a mudança das temperaturas, as catástrofes climáticas e os desmoronamentos em regiões protegidas por mata nativa. E defendeu um grande plano de capacitação e uma rede de estações meteorológicas para prevenir fenômenos naturais que possam ameaçar a população catarinense.
Avanços no Estado – O presidente da Fapesc, Antônio Diomário de Queiroz, falou do desenvolvimento local facultado pela pesquisa, da interiorização dos investimentos e do fortalecimento do sistema de ciência e tecnologia em Santa Catarina. “Estamos aproximando as universidades, o setor produtivo e o governo e provocando as mudanças necessárias para melhorar a qualidade de vida, sempre apostando na inovação e no empreendedorismo”, disse ele.
A demanda pelos recursos dos editais regionais indica que os R$ 16 milhões previstos este ano são insuficientes para atender às necessidades da comunidade científica, cujas ações são cada vez mais capilarizadas no Estado (os projetos apresentados somam R$ 18 milhões). Em sua palestra, a representante do MCT, Ana Lúcia Gabas, fez uma avaliação das políticas federais para a área de ciência e tecnologia, do trabalho feito em conjunto com os governos estaduais e da importância dos investimentos em setores estratégicos, da promoção da inovação nas empresas e da formação e capacitação de recursos humanos no setor.
Ações mais urgentes – O presidente da SBPC, Marco Antônio Raupp, disse que, diante da nova conjuntura global, o momento é de buscar novos paradigmas de sustentabilidade econômica e ambiental – o que requer capacidade permanente de inovação. “Os desafios devem ser encarados acima das questões ideológicas”, alertou ele, advertindo que “a certificação ambiental é vital para a sobrevivência das empresas”.
Raupp elencou cinco desafios que precisam ser superados no país: vencer os desequilíbrios regionais (70% da ciência, tecnologia e inovação são desenvolvidas na Região Sudeste), reduzir o fosso entre o conhecimento acadêmico e as necessidades do setor produtivo (relacionado ao uso inadequado da ciência acumulada na academia), investir na educação fundamental (por meio da formação de melhores professores), revisar as legislações (marcos regulatórios) que paralisam o desenvolvimento do país e priorizar as políticas públicas de ciência e tecnologia (que devem deixar de ser uma questão de governo para se transformar em política de Estado).
Desconcentração geográfica – O presidente da comissão organizadora da IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, Carlos Alberto Aragão, também defendeu a adoção de políticas de Estado para a área de CT&I, visando à busca da sustentabilidade. Ele prega maior atenção à inovação e tecnologia nas empresas e o investimento em áreas estratégicas, além de melhorias na distribuição geográfica da ciência, hoje concentrada em poucos estados da Federação.
Ao mesmo tempo, quer aprimorar o ensino da ciência nas escolas e a transformação desta em elemento que conduza ao desenvolvimento sustentável das empresas. Na Conferência Regional Sul, programada para Porto Alegre, os temas das sessões plenárias são inovação, sustentabilidade, educação e ciência e o novo papel da CT&I no cenário internacional.
Dependência estrangeira – Uma das palestras mais instigantes da conferência de Joaçaba foi feita pelo professor João Batista Calixto, da Coordenaria Especial de Farmacologia da UFSC, que está liderando a estruturação do Centro de Referência em Farmacologia Pré-clínica, no Sapiens Parque, em Florianópolis. Ele afirmou que o setor farmacêutico é “altamente deficitário” no Brasil, que é dependente da indústria estrangeira e não domina a cadeia produtiva de medicamentos.
“O país depende 100% da importação nesta área, porque as patentes são concentradas em praticamente cinco países do mundo”, disse ele. “Investir alto é prioritário nos países desenvolvidos, porque o mercado de medicamentos movimenta US$ 800 bilhões por ano”. Só o mercado brasileiro projeta um faturamento de US$ 12 bilhões em 2009.
O monopólio das patentes de medicamentos não é apenas uma estratégica econômica, mas também política, dos países desenvolvidos, lembra o professor. “Dez empresas concentram praticamente todo o mercado mundial do setor”. Por aqui, há 250 empresas trabalhando na área, mas elas vêm sendo incorporadas pelas multinacionais de remédios. Outra distorção é que 15% da população brasileira responde pela metade dos RS$ 12 bilhões que movimenta o mercado brasileiro. “Por isso, a tendência é o aumento no preço dos medicamentos consumidos por portadores de doenças crônicas”, alertou o professor Calixto.
O que agrava a situação é a ausência de pesquisas por parte das empresas. “Não há possibilidade de desenvolvimento tecnológico de ponta sem ciência básica de igual qualidade”, advertiu o professor. “O sistema de ciência e tecnologia é muito voltado para a universidade, que é uma indústria de papers”, alfinetou. Ele diz que na UFSC, por exemplo, são feitas algumas patentes, mas elas deveriam envolver mais as empresas. No Brasil, à exceção das estatais, poucas corporações têm desenvolvido patentes. Ao contrário da Coréia, por exemplo, onde a grande maioria das pesquisas está nas empresas, aqui 95% delas se encontram nas universidades, onde “os pesquisadores fazem clones deles mesmos”.
Segundo Calixto, do déficit de US$ de 95 bilhões da balança comercial brasileira, US$ 25 bilhões devem-se à importação de produtos químicos e remédios. “Precisamos exportar toneladas e toneladas de soja e café para importar chips e medicamentos”, denuncia. “É preciso mais comprometimento dos pesquisadores, que devem sair da zona de conforto dos departamentos das universidades e se envolver mais com as demandas do país”, dispara. “A ciência não tem pátria, mas o pesquisador sim”.
Os resultados das comissões e grupos de trabalho da III Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação, com documentos e sugestões, serão disponibilizados no site da Fapesc (www.fapesc.sc.gov.br) durante esta semana.