
Cortesia do Museu Fritz Müller
Integrada à
Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que este ano tem como tema ´Ciência no Brasil`, a Universidade Federal de Santa Catarina fará no período uma homenagem ao naturalista Fritz Müller. No dia 22 de outubro, durante sua
Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Sepex), a UFSC concede o título de Doutor Honoris Causa ao ´parceiro` de Charles Darwin no Brasil. Fritz Müller morou em Santa Catarina de 1852 até a sua morte, no ano de 1897, e a partir de seu trabalho concedeu ao evolucionismo provas factuais, colhidas em minuciosas observações e experimentações com crustáceos coletados no litoral de Santa Catarina, estudos posteriormente ampliados com outras espécies de invertebrados e plantas.
A homenagem inclui também a realização de uma mesa-redonda com a
participação de especialistas em Charles Darwin e Fritz Müller. Aberto ao público, o encontro será realizado na tarde do dia 22 de outubro, às 16h, no principal auditório da UFSC, o Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos. Para falar sobre Charles Darwin a universidade receberá o biólogo evolutivo Mario Cesar Cardoso de Pinna, professor titular e vice-diretor do Museu de Zoologia da USP, pesquisador associado do American Museum of Natural History.
Para falar sobre Fritz Müller, a universidade convidou outros dois especialistas: Luiz Roberto Fontes (médico do IML de São Paulo, biólogo que atua na área de zoologia e tem entre suas ações o projeto ´Nosso Fritz Muller`, direcionado ao resgate da memória do naturalista) e Cezar Zillig (médico neurocirurgião em Blumenau, autor de várias obras sobre Fritz Müller. Entre elas, ´Dear Mr. Darwin: a intimidade da correspondência entre Fritz Müller e Charles Darwin`.). O encontro vai contar também com a presença de Sueli Maria Vanzuita Petry, diretora do Arquivo Histórico de Blumenau, que vai falar no encontro sobre os “tesouros” deste acervo, especialmente sobre as obras relacionadas a Fritz Müller.
A Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSC terá ainda um estande para exposição de materiais biológicos, gavetas entomológicas, orquídeas, bromélias, painéis interativos e pôsteres sobre mimetismo mulleriano. A programação prevista para o período da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia leva em conta que apesar de ser considerado um dos maiores naturalistas do século XIX (assim como Charles Darwin, Ernst Haeckel, e Thomas Huxley), Fritz Müller permanece ainda muito pouco conhecido.
Herdamos dele um legado naturalístico de inestimável valor, tanto na área da evolução quanto da ecologia, zoologia e botânica, resultado de décadas de observações e estudos realizados na Mata Atlântica e no litoral catarinense”, destacam pesquisadores da UFSC no pedido de concessão do título de doutor honoris causa.
Considerando a grande importância das contribuições de Fritz Müller para a ciência mundial e que grande parte de seu trabalho foi desenvolvido na Ilha de Santa Catarina, acreditamos que a concessão dessa honraria, mesmo que tardia, é uma forma de reconhecimento da UFSC ao relevante trabalho deste eminente naturalista que colocou o Brasil e Santa Catarina no panorama científico do primeiro mundo no século XIX.”, ressaltam na exposição de motivos encaminhada ao Conselho Universitário os professores Margherita Anna Barracco, Josefina Steiner, Alberto Lindner e Mário Steindel, todos
integrantes de laboratórios do Centro de Ciências Biológicas da UFSC.
Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão na UFSC
A Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSC será realizado este ano de 21 a 24 de outubro, integrada à Semana Nacional de C&T. Como já é tradicional, o grande “circo” da Sepex será montado na Praça da Cidadania, em frente à Reitoria da UFSC. Estão previstos 200 estandes para apresentação das atividades da universidade, realização de dezenas de minicursos gratuitos e eventos paralelos, como o 19º Seminário de Iniciação Científica, a I Feira de Inventores-UFSC e uma programação de palestras.
Além de abordar o tema Darwin-Fritz Müller, a agenda prevê encontros
relacionados ao Ano Internacional da Astronomia e ao envelhecimento
saudável, já que outubro é Mês do Idoso. A UFSC vai ainda inaugurar durante a Sepex o novo projetor digital de seu Planetário. O equipamento proporciona imagens em uma área de cerca de 13 metros quadrados e possui uma lente “olho de peixe”, que distribui a imagem sobre a cúpula hemisférica do Planetário, o que oferece a quem assiste sensação de imersão na imagem. O digital dispõe de um software especializado, com banco de dados sobre posições e luminosidade de estrelas, imagens de planetas, asteróides, galáxias, nebulosas, naves e satélites. Os ‘objetos’ são programáveis e o sistema oferece vários recursos de animação e efeitos especiais.
Mais informações:
Sobre a Sepex: com a diretora do Departamento de Projetos de Extensão,
Mônica Aparecida Aguiar dos Santos, e-mail: monica@cca.ufsc.br / Fone: 48 3721-9344
Sobre o título honoris causa: Com Mário Steindel (ccb1mst@ccb.ufsc.br) ou Margherita Barracco (barracco@mbox1.ufsc.br)
Por Arley Reis / Jornalista da Agecom
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– Parceiro de Charles Darwin: professora da UFSC assina artigo sobre Fritz Müller na revista Scientific American Brasil
Saiba Mais:
Quem foi Fritz Müller (texto encaminhado ao Conselho Universitário da UFSC para solicitação da concessão do título de Doutor Honoris Causa)
Filho de pastor evangélico e de família de forte tradição intelectual, desde cedo, Fritz Müller desenvolveu seu interesse pela natureza. Aos 22 anos obteve o diploma de Doutor em Filosofia na Universidade de Berlim, Alemanha. Formou-se também em Medicina. Sua extraordinária veia naturalística permaneceu uma constante ao longo de toda sua vida.
Empolgado com as descrições do Brasil feitas por Hermann Blumenau (fundador da colônia que leva o mesmo nome, no Vale do Itajaí), Fritz Müller, que já nutria desejos de expatriar-se, decidiu fazê-lo em 1852, saindo da Europa civilizada e vindo para a mata virgem aos 30 anos de idade.
Em 1856 começou o seu intenso intercâmbio científico com a Europa. Em 1857 foi recomendado por Hermann Blumenau para o cargo de professor de Matemática (e depois também de História Natural) no Liceu Provincial do Desterro (atual Florianópolis), onde permaneceu por 11 anos.
A transferência de Fritz Müller para o litoral beneficiou enormemente a ciência, uma vez que a maioria das observações e grande parte da obra deste verdadeiro “biólogo” foram realizadas nas praias de Santa Catarina. Estudou vários organismos marinhos, com destaque para os crustáceos, dando uma especial contribuição à carcinologia.
Além de representar um dos naturalistas mais importantes de sua época, Fritz Müller foi o primeiro a testar em campo as idéias de Darwin. Utilizou como objetos de estudo crustáceos marinhos, o que resultou em estudos comparativos de embriologia, ontogenia, ecologia, fisiologia e morfologia.
Estes estudos foram realizados no litoral de Santa Catarina, mais especificamente na “Praia de Fora”, em Florianópolis (antiga Desterro), praia esta hoje tomada pela Avenida Beira Mar Norte. Em seu estudo pioneiro com crustáceos, Fritz Müller realizou uma série de observações extraordinárias, que culminaram com o descobrimento de muitos fatos novos, principalmente no que se refere ao seu desenvolvimento.
O fruto deste longo e minucioso estudo resultou num livro de excepcional riqueza de observações originais, intitulado Für Darwin (Pró-Darwin). O livro foi publicado em Leipzig, Alemanha, em 1864 (por W. Engelmann), cinco anos apenas após a publicação da “Origem das Espécies“ de Darwin e ajudou a propagar e defender a teoria darwiniana, que tinha suscitado forte reação contrária neste país.
Este denso e original ensaio inclui um número extraordinário de observações sobre crustáceos, abrangendo as diferentes adaptações das espécies de ambiente marinho que migraram para água-doce e ambiente terrestre. O livro ainda faz alusão à evolução convergente, a importância do compartilhamento dos caracteres adquiridos para os sistemas de classificação, o significado da variação ao longo da vida de cada grupo e por fim a história evolutiva dos crustáceos.
Tudo isto, entremeado por inúmeras ilustrações, feitas a mão livre, de incrível detalhamento. Com seus 12 capítulos, o livro Für Darwin trouxe subsídios preciosos e decisivos a favor da Teoria da Evolução de Darwin.
Darwin teve acesso ao livro de Fritz Müller em 1865, um ano após sua publicação, e percebeu imediatamente o inestimável suporte que esta obra representava às suas idéias e ele próprio providencia (com autorização de Fritz Müller) sua tradução para o inglês (por W.S. Dallas), sendo este publicado integralmente em 1869, sob o título de Facts and Arguments for Darwin. Inicia-se então uma intensa correspondência entre os dois grandes naturalistas, durando 17 anos, até a morte de Darwin em 1882, embora ambos nunca tenham se conhecido pessoalmente (apenas por cartas e fotos).
Darwin recorreu ao naturalista inúmeras vezes para elucidar pontos importantes e controvertidos. Fritz Müller supriu Darwin com incontáveis evidências nas áreas de zoologia e botânica, que fundamentaram e enriqueceram a teoria da evolução e da seleção natural. Ele era chamado carinhosamente por Darwin de “Príncipe dos Observadores” e considerado por Ernst Haeckel (o pai do termo Ecologia) como um “Herói da Ciência”.
Fritz Müller deixou um gigantesco legado naturalístico, abrangendo tanto a flora como a fauna da região Sul do Brasil. Identificou e descreveu, pela primeira vez, com notável perfeição, um número enorme de espécies de invertebrados marinhos, de água doce e terrestres, além de plantas da região subtropical, sempre enriquecendo suas descrições com magníficas ilustrações de incrível detalhamento.
Dentre o legado faunístico, destacam-se crustáceos, abelhas brasileiras (principalmente as sem ferrão), insetos tricópteros, mosquitos, cupins, formigas, borboletas e hemicordados entre outros. Em seu legado florístico, dedicou-se em especial às orquídeas e bromélias (estudando ainda as interações inseto-planta), plantas trepadeiras, com seus ramos modificados em gavinhas, movimentos de plantas e folhas.
Deixou cerca de 250 trabalhos científicos publicados em renomadas revistas científicas do século XIX. A quase totalidade das publicações de Fritz Müller foi reunida e organizada por seu primo-sobrinho, o micologista alemão Alfred Möller, abrangendo ensaios, artigos científicos, memórias e monografias, envolvendo tanto a zoologia quanto a botânica. Trata-se de uma obra monumental, publicada em três grandes volumes (Alfred Möller, Fritz Müller: Werke, Briefe und Leben, 1815-1821), que garantiram que seu legado não fosse perdido. Cópia desta obra está hoje disponível no Arquivo Histórico de Blumenau e na Biblioteca do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.
Fritz Müller recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Bonn (1868) e pela Universidade de Tübingen (1874), na Alemanha e foi Membro Honorário da Entomological Society de Londres (1884).
Este verdadeiro gigante das Ciências Biológicas brasileiras faleceu aos 75 anos de idade. Seus despojos repousam em Blumenau, cidade que vem realizando vários esforços no sentido de resgatar a memória do eminente naturalista.
Em 1996, a Câmara Municipal de Blumenau instituiu uma Comenda Honorífica em prol da medicina, educação, ciência e ecologia, denominada Comenda Municipal de Mérito Fritz Müller. Em 21 de maio de 1997, no aniversário do centenário de sua morte, Fritz Müller (in memoriam) foi contemplado com a primeira edição desta Comenda.
Em 1982, a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA) instituiu o troféu Fritz Müller que passou a ser dado à Instituições e personalidades que protegem o meio ambiente.