A UFSC assina um artigo na ediçäo de março do Astrophysical Journal Letters, o periódico em astrofísica mais conceituado no mundo. O trabalho apresenta mapas de eclipse de sistemas formados por duas estrelas, em uma qualidade até então nunca obtida. A partir de técnicas indiretas de obtenção de imagens (tipo tomografia), o estudo traz respostas a questões que há décadas intrigavam os astrônomos sobre as chamadas estrelas variáveis cataclísmicas ─ sistemas binários onde existe transferência de matéria de um corpo celeste para o outro.
Com dados coletados por um telescópio de cinco metros de diâmetro em Monte Palomar, na Califórnia (EUA), o estudo da UFSC permitiu a construção de mapas de eclipse de DQ Herculis. Nessa binária a estrela que doa matéria passa na frente da anã branca e do seu disco de gás uma vez a cada 4h38m. Graças aos eclipses, é possível medir a velocidade do movimento das estrelas, determinar suas massas e dimensões, entre outros parâmetros.
“O trabalho foi chamado de estado da arte para técnicas de mapeamento indireto pelo revisor dessa importante revista científica, e demonstra a qualidade da pesquisa em astrofísica realizada na UFSC”, comemora o físico Roberto Saito, que divide a autoria do artigo com seu orientador no doutorado, o professor Raymundo Baptista, integrante do Grupo de Astrofísica, ligado ao Departamento de Física da UFSC.
O artigo publicado no periódico americano apresenta parte da tese de Saito, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Física da UFSC. “Os resultados permitem entender muitas coisas acerca de DQ Herculis e, ao mesmo tempo, nos livram de muitas explicações pouco convincentes e incompatíveis”, complementa o professor Raymundo Baptista, um especialista em imageamento indireto para estrelas, líder de um grupo de pesquisa que coleciona vasta lista de resultados obtidos com essas técnicas.
O estudo das binárias próximas é importante pois a interação entre elas permite extrair uma grande quantidade de informações e aplicar as leis de Newton e de Kepler, para determinação das massas e raios das estrelas. Os resultados obtidos por Saito servem para testar modelos e teorias e auxiliam numa maior compreensão da física dos discos de acréscimo (que levam matéria para uma das estrelas no sistema binário), colaborando com investigações sobre como estes astros se comportam.
“Justificando a designação, as estrelas variáveis cataclísmicas são palco de eventos cataclísmicos, como explosões de Novas e Novas anãs”, lembra o professor Raymundo Baptista, exemplificando a contribuição do estudo para a astronomia e o avanço do conhecimento sobre o Universo.
A primeira geração de doutores formada pelo professor Baptista está em instituições como Universidade de São Paulo (USP) e Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Roberto Saito terminou o doutorado na UFSC em março de 2008 e após um ano no LNA mudou-se para o Chile, onde faz pós-doutorado na Pontificia Universidad Católica do Chile (PUC-Chile). Seu supervisor é Dante Minniti, um entusiasta na busca e caracterização de planetas fora do sistema solar.
Trabalho da UFSC decifra pulsação da estrela binária DQ Herculis
DQ Herculis é um corpo celeste que apresenta brilho peculiar. Além da variaçäo causada pelo movimento das duas estrelas que a formam, com período 4h38m, existe uma outra variação de brilho, com período de 71 segundos. O trabalho da UFSC tornou possível a obtenção de mapas de eclipse ao longo dos períodos de pulsação, com precisão significativa, desvendando detalhes de seu comportamento.
Em um sistema desse tipo, uma estrela tipo solar transfere matéria para uma estrela compacta do tipo anã branca (objeto cósmico remanescentes de estrelas mortas). A matéria afunila em direção à anã branca via um disco de matéria (o chamado disco de acréscimo). É então capturada pelas linhas de campo magnético, formando um “chuveiro de matéria”, até chocar-se com os pólos magnéticos na superfície da anã branca (veja concepção artística ao lado). O choque desse material sobre os pólos magnéticos da anã branca cria duas grandes manchas brilhantes e causa um efeito de “farol” enquanto a estrela rotaciona.
Os mapas obtidos a partir do trabalho da UFSC mostram duas regiões de brilho. Uma mais interna, que gira no sentido anti-horário, coerente com os chuveiros de matéria previstos pelos modelos de acréscimo com campo magnético. Além disso, uma região que pulsa com o período de 71s, que pode ser facilmente interpretada como a iluminação do disco externo pelo “farol” que gira junto com a estrela central, levando à pulsação que há meio século intrigava os astrônomos.
“Apesar da pulsação de 71 segundos ser conhecida há 50 anos, havia uma dúvida se o que víamos era um farol com feixe único, girando com 71s, ou um farol com dois feixes opostos, girando com 142 segundos, pois o efeito é o mesmo: pulsos a cada 71 segundos. Nossos resultados mostram que existem mesmo dois feixes, mas girando com 71 segundos. Resolvemos uma dúvida de mais de 30 anos.”, comemora o professor Raymundo Baptista.
Os mapas revelam também que a principal fonte da pulsação é a luz refletida na borda externa e espessa que existe na frente do disco de acréscimo (algo não considerado nos modelos anteriores). Segundo Baptista, ninguém havia imaginado (ou propôs em artigo) que essa região poderia ser uma fonte de pulsação do sistema. Até porque ninguém tinha visto que ela é espessa, conforme o trabalho da UFSC mostra.
Outra questão que intrigava os astrônomos é que o período da pulsação de 71 segundos tem mudado ao longo dos anos (às vezes é um pouco menor). As explicações propostas até então requeriam freiar ou acelerar o giro da anã branca com uma rapidez incrível, demandando uma quantidade de energia acima da esperada para esse objeto celeste. Os resultados da tese de Roberto Saito permitem entender essas mudanças de período de forma muito mais simples, sem necessidade de quantidades absurdas de energia.
“Não é a anã branca que freia ou acelera. É uma simples questão de brilho relativo. Quando a transferência de matéria é maior, a borda do disco fica mais espessa, e a pulsação produzida ali domina o brilho do objeto. O período do pulso é mais longo. Quando a transferência de matéria é menor, o disco fica mais fino, a borda diminui e a pulsação gerada ali quase desaparece. O período do pulso fica mais curto”, explica o professor Raymundo Baptista.
São as mudanças na transferência de matéria entre as estrelas que modulam a pulsação observada, esclarecem os mapas produzidos pela tese da UFSC. “E estas mudanças ocorrem porque a estrela que doa matéria é uma estrela magnética como o sol, que “respira” inchando e encolhendo (uma mízera parte em 10.000) mais ou menos uma vez por década (no caso do sol o ciclo é de 11 anos). As mudanças de período observadas em HD Herculis também ocorrem em escala de décadas. Cheque mate!”, comemora o pesquisador.
Mais informações: Raymundo Baptista, e-mail: raybap@gmail.com, fone (48) 3721-9234 Ramal: 237 / Roberto Saito: robsaito@gmail.com
Por Arley Reis / Jornalista da Agecom
Saiba Mais:
(Com informações do texto ´Imageamento indireto para estrelas: o interessante caso da pulsação em DQ Herculis`, de Roberto Saito)
– Estrelas não são como a Terra, que possui uma superfície sólida. São um fluído mantido coeso pelo equilíbrio entre a gravidade, que exerce uma força de fora para dentro, na tentativa de comprimir a estrela; e a fornalha nuclear em seu interior, que exerce uma pressão pra fora.
– Quando contemplarmos o céu noturno e somos questionados sobre o que são os pontinhos brilhantes, a resposta imediata e que parece óbvia é: “cada pontinho é uma estrela!”. Mas essa resposta é só parcialmente verdadeira, pois para boa parte dos pontos (alguns astrônomos diriam que para metade deles) a resposta mais correta é: “aquele pontinho brilhante é um par de estrelas muito próximas”.
– Estrelas duplas são bastante comuns no Universo, podendo inclusive ser mais comuns do que as isoladas, como é o caso de nossa estrela, o Sol. Entretanto, não conseguimos enxergar estas estrelas separadas, devido à limitação de nossa visão.
– Existem estrelas binárias que conseguem ser separadas visualmente com o auxilio de telescópios potentes, mas a visualização de muitos sistemas está além de nossa tecnologia. Não é possível separá-los nem com a nova geração de grandes telescópios em Terra, nem com os modernos telescópios espaciais.
– Quando estrelas estão muito próximas podem ocorrer efeitos interessantes, como as estrelas se tornarem ovais pela atração gravitacional entre elas, ou até mesmo uma estrela sugar o material da outra, formando um disco de acréscimo sobre a estrela que recebe o material, análogo ao redemoinho formado pela água ao escoar pelo ralo da pia.