A professora e escritora Zahide Lupinacci Muzart é a convidada da próxima edição do Círculo de Leitura de Florianópolis, que acontece às 17h do dia 6 de novembro, quinta-feira, na Sala Adelmo Genro Filho, no novo prédio do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC. Aposentada após lecionar por mais de 20 anos nos cursos de graduação e pós-graduação em Literatura da Universidade, ela continua orientando dissertações e teses na mesma instituição e não abriu mão de sua vocação de pesquisadora. Ao longo da carreira, concentrou seus estudos sobre as relações entre literatura e memória e, em especial, mulheres e literatura, além de haver escrito textos sobre Cruz e Sousa, João Cabral de Melo Neto, Machado de Assis, Clarice Lispector, Delminda Silveira e Harry Laus, entre outros.
Zahide Muzart graduou-se em Letras Neolatinas pela PUC/RS, fez doutorado na Faculte des Lettres et Sciences da Université de Toulouse-Le Mirail e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales, ambas em Paris. Em dois volumes, seu livro Escritoras brasileiras do século XIX resgata nomes que não foram devidamente reconhecidos, entre eles os de Júlia Lopes de Almeida e Ana Luísa de Azevedo e Castro – esta, autora do primeiro romance catarinense, D. Narcisa de Vilar, cuja reedição ajudou a organizar.
Além de suas leituras prediletas, Zahide falará, no evento de quinta-feira, sobre a literatura catarinense, que figura entre suas linhas de pesquisa. Ela destaca temáticas ligadas à terra, como as das imigrações alemã (Urda Klueger e Lausimar Laus), libanesa (Salim Miguel em Nur) e açoriana (Almiro Caldeira). E há ainda o fantástico de Franklin Cascaes e Péricles Prade. “Mas”, ressalva, “para ser escritor do mundo, como queria ser considerado Harry Laus, não é necessário sair de sua terra. Veja-se o exemplo de Miguel Torga: embora preso à sua aldeia portuguesa, é um grande autor”.
O CÍRCULO
O Círculo de Leitura é um projeto que permite ao convidado e aos presentes discutirem informalmente sobre os livros que estejam lendo, as leituras do passado e as influências de outros autores sobre o seu trabalho. Escritores e jornalistas como Oldemar Olsen Jr., Fábio Bruggemann, Inês Mafra, Mário Pereira, Maicon Tenfen, Cleber Teixeira, Dennis Radünz, Rubens da Cunha, Renato Tapado, Raimundo Caruso, Nei Duclós, Marco Vasques e Mário Prata foram alguns dos participantes das etapas anteriores do projeto.
BREVE ENTREVISTA
Como foram seus primeiros contatos com a leitura? Seus pais tinham o hábito de ler e a estimularam ao convívio precoce com os livros?
Zahide – Meus pais tinham uma boa biblioteca e desde a idade de quatro anos, nos aniversários e natais, recebíamos livros de presente. Meu pai viajava muito e nos trazia livros. Por isso, sempre associo presente a livro! Alegria a livro! Felicidade a livro! Os livros na casa de meus pais estavam em posição de honra, já que na minha infância não existia televisão…
Que leituras foram mais marcantes até a adolescência? E depois, que livros e autores mais a conquistaram? Cite alguns deles.
Zahide – Até a adolescência, Monteiro Lobato, a partir de Reinações de Narizinho, a coleção Menina e Moça, de autores franceses, publicada pela José Olympio, romances como os da sra. Leandro Dupré, os da série de aventuras da editora Globo de Porto Alegre, os volumes do Tesouro da Juventude, Alice no país das maravilhas, contos de fadas de Andersen (edição da Globo com maravilhosas ilustrações de Nelson Boeira Faedrich), Grimm e Perrault. Aventuras: Gulliver em Lilliput, Simbad, o marujo, Dom Quixote, Robinson Crusoé adaptados, romances da coleção Rosa, o Antigo Testamento, além de Shakespeare. Uma salada!
Depois, lê-se muito em função dos cursos que se faz. Muita literatura francesa: Camus, Sartre, românticos como Victor Hugo e Musset. Mas, ao lado dos escritores estudados na faculdade, lia muito as inglesas Jane Austen e Charlotte Brontë e por aqui Jorge Amado, O tempo e o vento de Erico Veríssimo, os contos de Clarice Lispector, os contos de Lygia Fagundes Telles e muito Machado de Assis, além de alguns portugueses como Eça de Queiroz e os russos Dostoievski e Guerra e paz de Tolstoi.
Em que medida a leitura influenciou sua opção pelo magistério e pelo mundo da literatura?
Zahide – Pouca influência. Na verdade, eu queria seguir outros caminhos – um delas era a medicina, e o outro, a carreira de pianista. Esta gorou por defeito ósseo nos polegares, a de medicina porque não havia curso científico em minha cidade natal e fiz a escola Normal. O meu amor pelas línguas estrangeiras e pelas viagens decidiu-me pelo curso de Letras Neolatinas e, uma vez formada, não havia outras opções na época…
As escolhas na vida são estranhas e, muitas vezes, ditadas por circunstâncias. No entanto, ao fazer o estágio de docência da escola Normal, apaixonei-me pelo ensino e nunca mais deixei de lecionar, embora a paixão real tenha sido pelo ensino médio, em um curso noturno onde lecionei cinco anos, em que as alunas eram todas empregadas domésticas, empregadas em lojas, todas ganhando muito pouco e sacrificando-se muitíssimo para estudar. Então o professor também era obrigado a fazer um grande esforço para interessá-las e para motivá-las à leitura.
O resgate da literatura feita por mulheres no Brasil ocupou boa parte de seus anos de pesquisa. Essa produção ainda está por ser melhor avaliada e valorizada?
Zahide – Ocupou e ocupa. Tanto na editora Mulheres, com a republicação de obras de mulheres do passado, como na pesquisa apoiada pelo CNPq, continuamos na tarefa de resgatar escritoras esquecidas.
Essa produção está em alta nos cursos de pós-graduação, com dissertações de mestrado e teses de doutorado que analisam dezenas de escritoras brasileiras do século XIX. Os dois primeiros romances escritos por brasileiras entraram em vestibulares: Ursula, no Maranhão e no Piauí, pois a autora é maranhense, e D. Narcisa de Villar, no vestibular da UFSC, já que Ana Luísa de Azevedo Castro é autora do primeiro romance de catarinense.
No periódico Rascunho, do Paraná, o jornalista Luiz Ruffato publica uma série de artigos sobre Júlia Lopes de Almeida. O reconhecimento crítico é mais lento, mas cresce, sem dúvida.
O que está lendo no momento?
Zahide – Nunca leio um livro somente… Estou lendo Os sobreviventes, de Luiz Ruffato, A louca da casa, de Rosa Montero, e relendo A família Medeiros, de Júlia Lopes de Almeida, para reeditar, além de Poemas de António Machado (por prazer), sonetos de Luiz Delfino (por imposição do ofício) e um romance interessante de Jean Rhis, Ancho Mar de los Sargazos.
Mais informações com a professora Zahide Muzart pelo fone (48) 3233-2164 ou pelo e-mail zahide@floripa.com.br.
Por Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista na Agecom