Diretor de 10 filmes, entre documentários, curtas e longas-metragens, o cineasta Zeca Pires é o convidado da 30ª edição do Círculo de Leitura, evento realizado mensalmente no auditório Cruz e Sousa da Editora da UFSC, no campus da Trindade. Professor de cinema e funcionário do Departamento Artístico Cultural (DAC) da universidade, ele é filho do escritor Aníbal Nunes Pires, um dos mentores do movimento cultural que resultou na criação do Grupo Sul, no final dos anos 40, em Florianópolis.
Nesta edição do Círculo, dia 6, quinta-feira, às 17h, ele vai falar de sua admiração por Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Machado de Assis, José Saramago, Vinícius de Moraes, Jean-Claude Carriére e Salim Miguel.
Zeca Pires é um dos pioneiros do moderno cinema de Santa Catarina, pois está envolvido com a produção e direção desde os anos 80. Em 1987, foi assistente de direção de Cacá Diegues em “Um Trem para as Estrelas”. Quatro anos depois, realizou seu primeiro curta-metragem, “Manhã”, e de lá para cá foram mais nove filmes, incluindo os longas “Procuradas” (2004) e “A Antropóloga” (2006).
“Sou um pouco indisciplinado em relação à leitura”, admite Zeca, que costuma seguir sugestões de amigos e procura temas que o atraem, como a ligação entre os avanços tecnológicos e a criação artística, sobretudo na área do audiovisual, na qual está concentrado no momento. Ele é formado em Jornalismo pela UFSC (depois de desistir da faculdade de Engenharia Mecânica) e em Administração pela Esag/Udesc, fez mestrado em História e tenta concluir o doutorado em Engenharia de Produção e Sistemas. Fala com carinho de Cacá Diegues, de quem é amigo, e de Salim Miguel (“quase um pai para mim”), com quem trabalhou na Editora da UFSC. E não se considera um intelectual, mas “um artista, um realizador/empreendedor”.
O projeto
O Círculo de Leitura é um projeto que permite ao convidado e aos presentes discutirem informalmente sobre os livros que estejam lendo, as leituras do passado e as influências de outros autores sobre o seu trabalho. Escritores e jornalistas como Oldemar Olsen Jr., Fábio Bruggemann, Inês Mafra, Mário Pereira, Maicon Tenfen, Cleber Teixeira, Dennis Radünz, Rubens da Cunha, Renato Tapado, Raimundo Caruso, Nei Duclós, Marco Vasques, Mário Prata e Sérgio Medeiros foram alguns dos participantes das etapas anteriores do projeto.
Breve entrevista
Filho de escritor e membro de uma família familiarizada com a literatura, como se deu sua iniciação e seu convívio com os livros na infância e como isso se desenvolveu na adolescência e ao longo da vida?
Zeca Pires – Sou filho de dois educadores, pois minha mãe também foi uma professora muito dedicada. Meu pai mantinha uma biblioteca particular muito boa e tinha a mania de interpretar poemas e textos de teatro em casa. Lembro dele declamando “As cinco em punto de la tarde”, do Lorca, representando o “Édipo Rei”, espetáculo que dirigiu, e o “José”, de Drummond. Era criança e acabei achando que aquele José era eu ou que o poema tivesse sido escrito para mim. À noite fazia minhas irmãs lerem o poema do Drummond, senão eu não dormia. No casarão da rua Almirante Alvin, 16, onde morávamos, tinha também as reuniões do meu pai com seus amigos intelectuais e artistas no salão grande e fechado, onde eles iam até altas horas com serenatas e discussões. Depois, no Colégio de Aplicação da UFSC, meu pai procurava me estimular para a leitura. Eu fazia tudo pra não atrapalhar o futebol, pois jogava no Figueirense (futebol de campo) e no BESC (futebol de salão) – era o capitão do infantil nas duas equipes. Ele não chegava a me obrigar a ler, para que não tivesse um efeito contrário à intenção dele. Se comentasse com ele uma música, logo pedia para que eu transcrevesse a letra e dizia que ia mostrar para os seus alunos. Com 15 anos perdi meu pai, e um pouco do meu referencial.
Quais são seus gêneros e autores prediletos?
Zeca Pires – Procuro não ter preconceitos. A nossa própria formação cultural induz a vários preconceitos dos quais a gente nem se dá conta, então sempre que reconheço algum em mim procuro demovê-lo. Também por isso não sei identificar um gênero predileto, nem mesmo posso dizer se prefiro o romance à poesia ou ao conto. Gosto de Saramago, de Machado de Assis, de Nietzsche, de Drummond, de Fernando Pessoa, da literatura catarinense, e reconheço que tenho um grande interesse pela cultura popular e pela questão da memória, que sempre expresso em meus filmes.
Que leituras considera terem sido mais marcantes em sua vida?
Zeca Pires – A poesia de Drummond, de Vinícius, de Fernando Pessoa. E a obra de Machado de Assis, de quem no colégio alguns amigos e professores falavam muito e que eu conhecia pouco. Um dia olhei para a coleção de meu pai e li todos: “Memorial de Aires”, “Esaú e Jacó”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba”, “Helena”, “Dom Casmurro”. Imaginava então como devia ser maravilhoso o Rio antigo. Apesar da violência, até hoje adoro o Rio de Janeiro, gosto de circular no centro da cidade e lembrar dessas leituras… Também me impressionou muito a primeira leitura de Nietzsche e de Erasmo de Roterdã. Não tenho vergonha de dizer que, numa determinada fase da minha vida, li e reli “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupery. Tenho muita vontade de levar para o cinema a relação de Exupéry com a Ilha de Santa Catarina e também a louca solidão dele. Meus alunos de cinema fizeram um documentário muito sensível sobre o autor do “Pequeno Príncipe”.
Que elos existem entre cinema e leitura? No seu caso, em que medida uma coisa influenciou ou interferiu na outra?
Zeca Pires – Existem muitas pontes entre cinema e literatura. Meu primeiro curta-metragem, “Manhã”, que dirigi junto com Norberto Depizzolatti, foi inspirado no maravilhoso poema “Morte do Leiteiro”, de Drummond. Curiosamente, Cacá Diegues me confidenciou que esse era também um dos seus primeiros projetos de curta. Não o fez pelo fato de que filmavam muito em PxB e era impossível representar esteticamente o final exuberante, quando o sangue e o leite se misturam (“duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom, a que chamamos de aurora”). Mais tarde, em 2001, fiz “Ilha”, levemente inspirado em “O Naufrágio do Black Ship”, de Guido Wilmar Sassi. Em 2003, fiz para TVi e a RBS, com José Frazão, “Perto do Mar”, baseado em “O Velho da Praia Vermelha”, de Salomão Ribas. Gosto muito desses três curtas, dois deles roteirizados pelo escritor, cineasta e amigo Tabajara Ruas e o último por Marcelo Esteves. Os três foram estrelados pelo grande ator catarinense Waldir Brazil.
Contatos com Zeca Pires podem ser feitos pelos telefones (48) 3721-9348 e 9971-7951 ou pelo e-mail zecapires@dac.ufsc.br.
Paulo Clóvis Schmitz/Jornalista da Agecom