Departamento de Engenharia Sanitária desenvolve sistemas para controle da qualidade da água de abastecimento
Num momento em que diversos países sofrem com a crescente escassez de água potável, a maioria dos brasileiros vive sem preocupações com a maior reserva de água doce do mundo. Mas a situação não é tão tranqüila quanto parece, pois nem sempre água doce é sinônimo de água em condições para o consumo humano. Na Lagoa do Peri, que abastece diversos bairros das regiões sul e leste de Florianópolis, por exemplo, há uma quantidade cada vez maior de algas microscópicas presentes na água. Uma pesquisa do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC em parceria com a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) visa a eliminar os microrganismos na água que é servida a quase 60 mil habitantes da capital catarinense.
O sistema utilizado na Estação de Tratamento de Água (ETA) da Lagoa do Peri é a Filtração Direta Descendente (FDD), uma tecnologia mais simples e com custo menor que o tratamento completo. Isso porque, das cinco etapas do tratamento completo, a FDD só utiliza três. Mas esse sistema apresenta uma limitação: se a qualidade da água bruta piorar, como aconteceu no manancial do sul da ilha, o processo deixa de ser eficiente.
A pesquisa começou logo após a implantação da ETA, no fim de 2000. O grupo de pesquisadores da UFSC, coordenado pelo professor Maurício Luis Sens, projetou uma estação piloto para verificar a eficácia do tratamento. O primeiro problema encontrado foi com a carreira de filtração – o tempo de utilização do filtro antes que ele precise ser lavado. A expectativa inicial era que essa carreira fosse de 24 horas, mas nos verões de 2002 e 2003 as lavações chegaram a ser feitas até três vezes por dia.
Com os testes paralelos, os cientistas descobriram que o principal motivo para essa carreira de filtração reduzida é que o material granular está mal distribuído. O filtro tem 1,1 metro de antracito – um tipo de carvão mineral –, pedras e areia de diferentes tamanhos, e as impurezas da água ficam todas retidas nos primeiros 18 centímetros – ou seja, abaixo disso o material granular não tem função alguma. Além de identificar esse problema, os cientistas fizeram experiências modificando o meio granular. Eles conseguiram assim distribuir as partículas suspensas na água por todo o meio filtrante, diminuindo a quantidade de água utilizada na lavagem para 5%, além de possibilitar que a ETA funcione continuamente com uma única lavagem para cada filtro.
Além da má distribuição do material granular, um ano e meio após o começo do projeto, em agosto de 2002, o número de algas cianofíceas na lagoa aumentou mais de três vezes em relação à média dos primeiros meses de pesquisas. “A gente olha para a lagoa e não enxerga as algas porque elas são microscópicas, mas é nítido que a água está esverdeada”, mostra Sens. Os pesquisadores tiveram então de buscar uma solução alternativa e emergencial para o excesso dos microorganismos, que podem liberar toxinas ao morrer. A solução mais eficiente encontrada foi a pré-oxidação, uma adição de ozônio na água antes da filtração. A substância mata a maior parte dos organismos, o que facilita a retenção deles no filtro.
Pirâmide – A Fundação Nacional da Saúde (Funasa) tinha um problema: fornecer água potável para consumo de pessoas que vivem em locais isolados ou de difícil acesso. Como montar toda uma estrutura de abastecimento para locais como esses é muito trabalhoso e caro – principalmente no caso de populações indígenas flutuantes, que freqüentemente mudam de lugar –, o órgão do Ministério da Saúde lançou um edital solicitando que se apresentassem soluções para o impasse. O Laboratório de Potabilização de Águas (Lapoá), do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, foi o vencedor da licitação, e recebeu R$ 52 mil para pôr em prática o projeto de produção de água potável através de destilação solar natural.
“O que nós fizemos foi montar um aparelho compacto que utilizasse melhor a luz do sol”, afirma a pesquisadora em engenharia ambiental Clarissa Soares, que desenvolveu o destilador sob a orientação do professor Maurício Sens. Uma das inovações do projeto foi fazer o destilador em forma de pirâmide fechada, para que ele receba luz o tempo todo, independentemente da posição do sol e do próprio aparelho, e conserve o calor como numa estufa. Um fator essencial para que o destilador solar possa ser utilizado é que ele funciona sem problemas com qualquer tipo de água. A pesquisadora testou o aparelho com água salgada, salobra e até mesmo contaminada com ovos de ascaris lumbricoides – um verme parasita do intestino humano –, fornecida pelo Laboratório de Protozoologia da UFSC. Em todos os casos após o processo de destilação, a água coletada foi testada e apresentou-se totalmente purificada para beber.
O destilador solar será disponibilizado pela Funasa principalmente para populações indígenas e comunidades do sertão nordestino. Por isso os testes foram feitos em Florianópolis e Natal, no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A quantidade de água produzida varia com a temperatura e a quantidade de sol, mas mesmo os piores resultados obtidos foram satisfatórios para o Ministério da Saúde. “O mínimo que eles conseguiram em Florianópolis foi 3,6 litros por dia. Isso já é suficiente para o consumo de uma família de três a quatro pessoas”, diz Anderson Truppel, engenheiro da Funasa e responsável pelo acompanhamento do projeto.
O destilador solar fabricado na UFSC tem a base, a calha e o reservatório de água feitos de fibra de vidro, cobertos pela pirâmide de vidro. Uma garrafa com 5 litros de água fica virada em um recipiente, o qual é ligado ao destilador por uma mangueira. O próprio peso do líquido faz com que ele escorra para o aparelho. A base onde a água fica armazenada tem um metro quadrado e é pintada de preto para absorver mais calor. À medida que recebe luz, a água evapora naturalmente. Quanto maior a radiação solar, mais rápido é o processo. O vapor d’água sobe, para em seguida condensar no vidro da pirâmide e virar água novamente, mas dessa vez purificada. As gotas destiladas escorrem aos pouco6s até a calha, que leva toda a água até o reservatório no fundo do destilador solar.
Por Maycon Stähelin
Revista Tecnologia e Sociedade – Seção Vida – setembro de 2004.