No livro Pragmatismo e Sociologia o eminente sociólogo Émile Durkheim, reconhecido como fundador da escola francesa de Sociologia, faz uma revisão teórica e critica o excessivo individualismo do Pragmatismo clássico, apontando como caminho a valorização do indivíduo no coletivo.
A obra, resultado de um curso ministrado por ele na Sorbonne, de dezembro de 1913 a maio de 1914, acaba de ser traduzida pelo antropólogo Aldo Litaiff, PhD em Antropologia pela Universidade de Montreal, Canadá, saindo com os selos de duas editoras universitárias: a Editora da UFSC (EdUFSC) e a Editora Unisul. Pouco conhecida na academia, a obra só teve duas edições no mundo, o que só foi possível graças às anotações feitas pelos alunos de Durkheim.
Litaiff baseou-se nestes trabalhos para o desafio da tradução em português.
O livro tem lançamento no dia 25, a partir das 14h30min, no Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Em março será lançado em Paris, durante a comemoração do ano da relação Brasil-França.
Composto de vinte lições, o curso é considerado uma espécie de coroamento do pensamento de Émile Durkheim, representando, segundo Litaiff, a renovação do racionalismo francês a partir das críticas lançadas pelo pragmatismo norte-americano. Num exercício de auto-crítica, Durkheim revê suas posições anteriores, “considerando que o papel do indivíduo é o de um verdadeiro criador e que o principal fator de renovação do social é a consciência”. Ele acredita que a ortodoxia que marca o antigo racionalismo deve ser substituído por um racionalismo que considera a verdade a partir de um quadro histórico e, necessariamente, social.
A lição da verdade
Fundamental para quem quer conhecer a filosofia de Durkheim em sua última forma, o livro desperta “interesse geral”, “interesse nacional” e “interesse filosófico”. Além disso, o conteúdo mostra-se atual diante dos debates filosóficos, políticos e sociológicos que vêm sendo travados no Brasil, sobretudo na universidade. O curso, que aponta para a revisão do pragmatismo, ocorreu logo após o lançamento do clássico As formas elementares da vida religiosa e um pouco antes de sua morte, em 1917.
Naquele livro, o autor desenvolveu uma teoria sociológica da verdade e do conhecimento, baseada na noção de “representação coletiva”. De acordo com Robert R. Crépeau, da Universidade de Montreal, que divide o texto de apresentação com o tradutor, o interesse de Durkheim pelo pragmatismo está claramente ligado a sua vontade de formular uma teoria das representações compatível com o racionalismo francês. O sociólogo lembra, por exemplo, que o pragmatismo é provavelmente a única teoria da verdade atualmente existente, acrescentando que há nesta filosofia um sentido da vida e da ação que é comum com a Sociologia. “As duas tendências são filhas de uma mesma época”.
No curso, Durkheim se aproxima da concepção pública da verdade através do uso da noção de representação coletiva. Sustenta ele que “a idéia é verdadeira quando esta representação mental corresponde bem ao objeto representado”. Defende que uma perspectiva individualista não pode dar conta dos conceitos como representações estabelecidas coletivamente. “Em definitivo, é o pensamento que cria o real, e o papel eminente das representações coletivas é o de realizar esta realidade superior que é a própria sociedade”.
Preocupação social
Conforme assinalam Litaiff e Crépeau, “Durkheim defendia explicitamente uma abordagem naturalista da sociedade humana”. Por aproximação naturalista entende-se que o sociólogo não queria deixar fora da pesquisa ou da descrição científica nenhum aspecto da sociedade. “O interesse das lições de Durkheim por uma reflexão sobre a antropologia e a sociedade contemporâneas é colocado em termos muito concretos, visto que a noção de representação é sempre tão central”, sublinha Litaiff.
O pensamento de Durkheim continua despertando grande interesse em todo mundo. O livro em questão complementa a teoria do conhecimento apresentada em As formas elementares da vida religiosa. Na tradução avança e critica o pragmatismo tradicional, recusando-se a admitir que a verdade possa se definir somente por sua eficácia prática e sem correspondência com o real. “A verdade não se realiza senão através dos indivíduos”, sentencia.
O professor A. Cuvillier, que assina o prefácio, sublinha que “essas lições sobre pragmatismo não só nos ajudam a melhor compreender Durkheim; elas apresentam um notável interesse atual, no sentido de que constituem uma crítica antecipada de certas posições filosóficas contemporâneas, que, sem se confundirem com o pragmatismo, têm, entretanto, com este, uma incontestável afinidade quanto à sua inspiração”.
Durkheim frisa que “é necessário renunciar ao farisaísmo científico e moral, pois é, doravante, impossível pretender pesar, em qualquer balança que seja, o valor das provas. Esta é a maneira pela qual a verdade faz crescer nossa vitalidade, a única capaz de nos fazer reconhecê-la”. E adverte ainda que “se o pensamento lógico for um tipo inferior do pensamento, será necessário encontrar uma outra forma capaz de preencher essa função”.
Segue breve entrevista com o tradutor Aldo Litaiff.
1) O que levou Aldo Litaiff a se lançar ao desafio de traduzir Émile Durkheim?
R – Pelas importantes questões abordadas no curso (verdade, conhecimento etc.) e pela nova postura tomada pelo autor com relação a posições anteriores (como o papel do indivíduo, etc.). É realmente surpreendente a proposta de Durkheim de renovar o racionalismo francês a partir das críticas lançadas pelo pragmatismo americano!
2) Qual a importância para a Universidade e a sociedade do livro Pragmatismo e sociologia?
R – É uma proposta bastante inovadora da questão da verdade e da relação entre indivíduo e sociedade.
3) Em poucas palavras, quais as lições essenciais do curso ministrado por Durkheim?
R –Durkheim recoloca o papel indivíduo em outras bases, ou seja, de simples resíduo do coletivo (conforme a posição que marca sua obra até então) a verdadeiro criador e renovador das categorias do pensamento. O autor acredita que a ortodoxia que marca o antigo racionalismo deve ser substituído por um racionalismo que considera a verdade a partir de um quadro histórico e, necessariamente, social.
4) O pragmatismo “revisado” por Durkheim é uma crítica ao individualismo? Pode, por exemplo, mudar o comportamento da academia?
R – Ao mesmo tempo que faz sérias e pertinentes críticas ao individualismo, que marca o pragmatismo clássico (e não caracteriza o pragmatismo atual), como já disse, ele mostra a importância do indivíduo no coletivo. É curioso que muitos sociólogos, mesmo na França, não conhecem este curso! Qual o motivo do ostracismo se o eminente sociólogo M. Mauss o considera “o coroamento da filosofia de Durkheim”!?
5) Durkheim influenciou o seu trabalho, a sua visão de mundo?
R – Certamente. Foi um importante ponto de referência para a minha tese.
O tradutor Aldo Litaiff é doutor em Antropologia, pesquisador do Museu Universitário da UFSC e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul. Sua tese de doutorado foi fundamentada principalmente na obra de Claude Lévi-Strauss, um dos sucessores mais importantes de Émile Durkheim.
Pragmatismo e sociologia
Autor: Émile Durkheim
Tradução: Aldo Litaiff
Editora da UFSC (EdUFSC) e Editora Unisul
221 p.
R$ 28,00
Informações e entrevistas com o tradutor podem ser obtidas pelos fones:(48) 331-9793 / 334-2384
ou pelo e-mail: litaiff@cfh.ufsc.br
Fonte: assessoria de imprensa da Edufsc