
Seres marinhos são primeiros a sentir impacto ambiental
Dois estudantes de Biologia da UFSC vão este ano para a Antártica participar de um projeto que estuda o ciclo de vida e a reprodução de invertebrados marinhos. Maurício Gil Viana, que vai em novembro, vai fazer mergulhos e Janayna Bouzon, que viaja em dezembro, vai trabalhar com coleta de larvas e experiências em laboratório. Os estudantes, orientados pela professora do Departamento de Ecologia e Zoologia (ECZ), Andréa Santarosa Freire, são os primeiros da UFSC a participar desse trabalho. Os invertebrados estudados são moluscos (laternula e yoldia, parecidos com marisco e berbigão), crustáceos (pulga-do-mar), equinodermos (ouriço e estrela-do-mar), poríferos (esponjas) e poliquetos (minhocas do mar). Os projetos, realizados em conjunto pela UFSC, UFRJ e UFPR, são financiados pelo CNPq, dentro do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
“As comunidades do fundo do mar são as primeiras a sofrer o impacto da presença humana, porque não podem fugir de um derramamento de óleo, por exemplo”, explica a professora. Além disso, a Antártica ainda é uma região sem impactos ambientais, por isso é importante saber o que pode acontecer com essas espécies antes do aumento da ocupação da região. “Esclarecer o ciclo de vida da fauna bêntica da Baía do Almirantado é um dos primeiros passos para determinar os fatores que contribuem ou perturbam o poder de recuperação e persistência dessas comunidades, e assim estabelecer programas de monitoramento.” Este ano, será realizada a última expedição dos projetos, que estão no terceiro ano.
O objetivo do projeto `Interação Plâncton-Bentos: estudo de diferentes ciclos de vida de invertebrados marinhos com larvas pelágicas, bênticas ou desenvolvimento direto` é verificar se os invertebrados que habitam o fundo da Baía do Almirantado, na Antártica, produzem larvas ou não. Esse projeto foi dividido em dois subprojetos. O primeiro estuda a ocorrência e a abundância de larvas planctônicas, ou seja, as que ficam à deriva na água.
Nesse estudo, os pesquisadores identificam as larvas e correlacionam a distribuição delas com parâmetros oceanográficos, como temperatura, salinidade, transparência da água, maré e profundidade. São realizadas amostragens a bordo da lancha Skua ou de botes infláveis em 12 estações distribuídas nas três enseadas da baía. Em cada estação, são coletadas amostras de plâncton e obtidos dados de temperatura, salinidade, transparência da água, intensidade e direção do vento e temperatura do ar. As amostras são conservadas em formolaldeido e trazidas para identificação no Laboratório de Crustáceos/Plâncton do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC.
No segundo subprojeto, são estudados os invertebrados bênticos (que vivem no fundo do mar) em estágio juvenil, ou seja, quando deixam de ser larvas e se sedimentam no fundo. Para capturar esses animais, são instalados no fundo do mar engradados de plástico com placas para que eles se alojem nessas estruturas. A cada 15 dias, as placas são retiradas e os organismos que ficam grudados são analisados em laboratórios no Brasil. Este ano, os engradados serão instalados com auxílio de mergulho autônomo. O estudante Maurício Gil Viana vai participar dessa parte do projeto.

Reprodução é também estudada em laboratório
No projeto `Reprodução de invertebrados marinhos bênticos da Baía do Almirantado, Ilha Rei George, Antártica` os pesquisadores descrevem a reprodução dos invertebrados marinhos e estudam o desenvolvimento dos embriões em laboratório. As coletas são realizadas com mergulho e rede de espera nas enseadas da Baía. Nos laboratórios, os óvulos e espermatozóides dos invertebrados são retirados e colocados em frascos com água do mar até que ocorra a fertilização. Após as fertilizações, os pesquisadores observam o desenvolvimento dos embriões e das larvas e retiram amostras diariamente para observar em microscópio de varredura no Brasil. Os animais adultos, óvulos, espermatozóides, ovos, embriões e larvas também são fotografados e filmados. A estudante Janayna Bouzon vai participar desse trabalho.
Um dos motivos para o desenvolvimento dos projetos é a falta de trabalhos sobre a ecologia dos plânctons em águas rasas costeiras ou em baías da Antártica. Em 1994, o SCAR (Scientific Committee for Antarctic Research) estabeleceu programas internacionais para melhorar o conhecimento de ecologia costeira e de plataforma. “O trabalho busca atender a essa recomendação internacional para estudar o ciclo de vida das comunidades do fundo marinho em águas rasas e compreender melhor a estrutura e a dinâmica das zonas costeiras e de plataforma”, justifica a professora.
“As primeiras expedições à Antártica, realizadas entre 1950 e 1980, mostraram escassez geral de larvas de invertebrados, e os resultados foram atribuídos à Lei de Thorson”, explica a professora. Segundo essa Lei, os invertebrados de altas latitudes (regiões polares) apresentam desenvolvimento direto, ou seja, não têm fase larval, para conseguirem se reproduzir em condições ambientais críticas e imprevisíveis. “A Lei de Thorson, estabelecida para o Ártico (pólo norte), foi atribuída também ao continente Antártico (pólo sul), mas os estudos estão provando que ela não é válida nesse caso.”
Até agora, foram encontradas larvas de invertebrados em todas as estações da Baía do Almirantado, principalmente de moluscos no final do verão e equinodermos e poliquetos no início da estação. Segundo a professora, isso se explica porque o Ártico é um conjunto de ilhas de gelo, e a Antártica é um continente. “As espécies, profundidades e correntes marinhas são diferentes, ocasionando desenvolvimentos diferentes nos invertebrados marinhos de cada pólo.” O projeto é o quarto do mundo que comprova que a Lei de Thorson não se aplica à Antártica e é o primeiro que envolve larvas de todos os grupos de invertebrados da região.
A professora Andréa Freire, que irá para a Antártica pela sexta vez em março do ano que vem, também estuda o ciclo de vida dos invertebrados marinhos na Reserva do Arvoredo e na Lagoa da Conceição. No projeto da Antártica, ela está encarregada da parte de triagem, processamento de dados e elaboração da parte escrita. Também trabalham nas pesquisas a professora Theresinha Monteiro Absger (UFPR) e o professor Paulo César Paiva (UFRJ). Mais informações sobre os projetos pelos telefones 331 9099 e 331 9884.