UFSC desenvolve método mais rápido e econômico para detecção de febre amarela em animais silvestres
O monitoramento de casos de febre amarela em primatas não humanos, como os macacos, é um sistema de alerta precoce para surtos silvestres da doença, ajudando a prevenir a ocorrência de casos em humanos. Contudo, os testes atuais para diagnóstico do vírus nesses animais possuem alta complexidade e custo financeiro. Com o objetivo de fortalecer as respostas de saúde pública à doença, pesquisadores do Laboratório Rona-Pitaluga do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética (BEG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES/SC) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), desenvolveram um método mais simples, rápido e econômico para o monitoramento e a detecção da febre amarela silvestre.
Segundo os autores da pesquisa, o novo método possibilita aprimorar a vigilância da doença no Brasil. Os resultados promissores do estudo desenvolvido na UFSC, nomeado Development and validation of RT-LAMP for detecting yellow fever virus in non-human primates samples from Brazil, ou Desenvolvimento e validação de RT-LAMP para detectar o vírus da febre amarela em amostras de primatas não humanos do Brasil em português, foram publicados em setembro deste ano na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature.
O estudo integra a tese de doutorado de Sabrina Fernandes Cardoso, estudante de Pós-Graduação em Biologia Celular e do Desenvolvimento da UFSC e bióloga da SES/SC, orientada pela professora Luísa Rona e pelo pesquisador da Fiocruz André Pitaluga, coordenadores do Laboratório Rona-Pitaluga. Participaram também os pesquisadores Maycon Neves e Dinair Couto-Lima, da Fiocruz, o professor Daniel Mansur e os pós-graduandos André Akira, Iara Pinheiro e Lucilene Granella, da UFSC.
Conforme o estudo, nos últimos anos, a reemergência da febre amarela impactou significativamente a saúde pública brasileira. Desde 2002, o vírus expandiu sua circulação, espalhando-se do Leste em direção ao Sul do país. Durante a expansão, foram registrados diversos surtos e milhares de mortes de primatas foram documentadas. Desde então, mais de 2.100 casos humanos foram relatados, com uma taxa de letalidade de aproximadamente 30% entre as pessoas que desenvolveram a doença em forma grave.
Para prevenir a disseminação do vírus, o foco da vigilância brasileira está centrado em três áreas-chave: o monitoramento de casos humanos, a análise de insetos transmissores (entomologia), como mosquitos, e a incidência em primatas não humanos — mortes ou adoecimentos —, conhecida como epizootia.
A análise de eventos envolvendo a febre amarela em primatas não humanos visa reduzir a morbidade e mortalidade associadas à doença, tendo um papel crucial na identificação da circulação do vírus e na prevenção de sua transmissão para humanos. “Os primatas são animais sentinelas, porque sempre que há a reemergência do vírus da febre amarela silvestre, ela vai acometer primeiramente esses animais. Epizootias que envolvem macacos são de extrema importância para a saúde pública”, afirma a bióloga e doutoranda Sabrina Cardoso.
Contudo, a detecção das epizootias é dificultada pela técnica de diagnóstico atual, realizada restritamente em laboratórios de referência nacional, que, por muitas vezes, são distantes dos locais de incidência do vírus, o que limita o rastreamento de focos da doença em diversas regiões brasileiras. No caso de Santa Catarina, local de aplicação do estudo, o laboratório de referência mais próximo é a Fiocruz Paraná, em Curitiba.
“Quando o vírus adentrou Santa Catarina em 2019, começamos a observar que demorava muito tempo para chegar o laudo dos laboratórios. Como eles [Fiocruz Paraná] atendem três estados e uma série de municípios, o laudo demorava quase um mês para chegar até nós”, relata Sabrina.
Tendo em vista as dificuldades no monitoramento local e nacional da febre amarela silvestre, os pesquisadores da UFSC, junto à SES/SC e à Fiocruz, desenvolveram e aplicaram um novo método de diagnóstico alternativo ao utilizado nos laboratórios. O método se baseia na técnica de amplificação isotérmica mediada por loop (RT-LAMP) e já havia sido aplicado em outras pesquisas do Laboratório Rona-Pitaluga, por exemplo, no kit de detecção molecular rápido do vírus da covid-19 durante a pandemia.
A técnica utilizada atualmente nos laboratórios de referência é a RT-qPCR (PCR de transcrição reversa quantitativa), que utiliza termocicladores, equipamentos que realizam diversas variações de temperatura durante o processo de triagem e, que para testagem em larga escala das amostras, podem chegar a R$ 100 mil.
Conforme os pesquisadores, o desenvolvimento do novo método possui três pontos positivos principais: o custo, o tempo e a confirmação. “No LAMP, todo esse processo acontece de maneira isotérmica, em uma única temperatura. Isso facilita muito o processo de detecção, porque, por exemplo, se eu tenho uma xícara térmica com água a 65°C, eu posso incubar a minha amostra por 40 minutos e eu vou ter um resultado que é colorimétrico: as amostras amarelas são positivas, e as amostras rosas são negativas”, explica a doutoranda.
Além disso, os equipamentos laboratoriais específicos utilizados na nova metodologia custam em torno de R$ 2 mil — valor consideravelmente menor em relação aos termocicladores.
Com a validação de resultados de amostras coletadas de primatas do Sul de Santa Catarina na Fiocruz Paraná, os cientistas demonstraram que a nova metodologia obteve 100% de eficácia e sensibilidade em comparação com o método utilizado atualmente nos laboratórios.
“Este diagnóstico específico auxilia na detecção precoce do vírus da febre amarela, especialmente em áreas que estão enfrentando surtos. Ele permite testes eficientes e descentralizados, possibilitando a realização dentro do estado de Santa Catarina e a implementação rápida de medidas preventivas”, resume a professora Luísa Rona.
Sintomas e ciclos da febre amarela no Brasil
Segundo o Ministério da Saúde, a febre amarela é uma doença infecciosa de evolução rápida, que tem como principal sintoma a febre alta e que, em suas formas mais graves, possui elevada letalidade em humanos. A doença é causada por um vírus transmitido por mosquitos, e possui dois ciclos de transmissão: urbano e silvestre.
No ciclo urbano, a transmissão ocorre a partir de mosquitos Aedes aegypti infectados. Porém, os últimos casos brasileiros de febre amarela urbana foram registrados em 1942.
No Brasil, o ciclo da doença atualmente é silvestre, com transmissão por meio dos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Os mosquitos silvestres serão os objetos de análise da segunda parte da pesquisa desenvolvida no Laboratório Rona-Pitaluga, que irá replicar e adaptar o método de detecção do vírus utilizado nos primatas.
No ciclo silvestre, os principais hospedeiros e disseminadores do vírus são os primatas não humanos, e as pessoas se apresentam como hospedeiros acidentais, sofrendo com grande intensidade o parasitismo. A relação humana não faz parte do ciclo vital do vírus, o que explica a falta de mecanismos adaptativos e defensivos.
De acordo com o Ministério da Saúde, a doença é endêmica apenas na região amazônica, podendo registrar surtos pontuais em outras regiões, principalmente entre dezembro e maio.
Os cientistas apontam que a vigilância da febre amarela na zona silvestre é essencial na prevenção à doença, uma vez que, com a morte da fauna de macacos, os mosquitos silvestres são capazes de voar quilômetros em busca de sangue de novos primatas, como os seres humanos.
Ações preventivas em SC
Na microrregião de Tubarão (SC), a detecção fácil e rápida das epizootias pela pesquisa permitiu a realização de ações preventivas junto à população próxima aos locais de surtos do vírus com vacinações, evitando a contração humana da febre amarela.
“Na microrregião em que fizemos as análises, não tivemos nenhum caso confirmado de febre amarela humana e isso é muito importante. Tivemos um grande surto de febre amarela silvestre, com mais de 90 animais acometidos”, destaca Sabrina sobre os resultados das ações de prevenção do estudo, realizadas em parceria com a SES/SC.
“Reforço também a parceria tão importante entre a instituição pública saúde, secretarias municipais e a universidade. Quando temos esse elo de ligação, universidade, trazendo o conhecimento científico, trabalhando juntamente com os órgãos públicos, a população só tende a ganhar”, acrescenta a bióloga.
Hoje, a principal ferramenta de prevenção da febre amarela é a vacinação. Desde 2017, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferta de forma gratuita a dose vitalícia contra a doença — medida que está de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Para saber mais sobre sintomas e formas de prevenção à febre amarela, acesse o site do Ministério da Saúde.