Liderado por pesquisadora da UFSC, grupo mundial alerta para recorde na temperatura oceânica

06/09/2023 16:56

Embranquecimento de corais é sinal de alerta. Foto: WMO/Divulgação

Um grupo de cientistas do Programa Mundial de Pesquisa Climática (WCRP) da Organização Mundial de Meteorologia (WMO) liderado pela professora Regina Rodrigues, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), redigiu uma declaração alertando para o recorde recente no aquecimento dos oceanos.  Os pesquisadores consideram que esses casos podem aumentar em frequência, duração e intensidade se não ocorrerem esforços dramáticos de mitigação e adaptação.

O documento indica que as temperaturas médias globais dos oceanos estão atualmente em um nível nunca registrado anteriormente, com 27% do oceano global com extremos de temperatura. Segundo a professora, com a previsão do fenômeno El Niño para o final do ano essa situação pode se agravar, pois o El Niño é um dos principais mecanismos de geração de ondas de calor marinhas globalmente.

“Além dos ecossistemas, o calor dos oceanos é uma importante fonte de energia que alimenta ciclones tropicais. As ondas de calor marinhas no Oceano Índico tropical contribuem para a rápida intensificação dos ciclones e das flutuações nas chuvas das monções da Índia”, explica. O texto da declaração menciona, ainda, outros impactos causados pelo fenômeno. “Sabemos que as ondas de calor marinhas resultam em milhares de milhões de dólares em danos aos ecossistemas marinhos e a indústrias da pesca e do turismo”, destaca a pesquisadora, que no ano passado participou da conferência do clima da Organização das Nações Unidas.

Grupo de pesquisadores está focado no problema

Series temporais de médias globais da temperatura da superfície do mar de todos os anos desde 1981 (quando começaram as medições por satélite), destacando 2022 e 2023.

O grupo que a professora da UFSC lidera foi estabelecido com o objetivo de estudar os extremos de temperatura nos oceanos, daí a necessidade de escrever a declaração para divulgar o que se sabe e o que não se sabe sobre as causas e impactos desses últimos acontecimentos. “A motivação não foi a publicação de um estudo específico, mas todo conhecimento que o grupo de especialistas tem sobre o assunto. Discutimos recentemente essa situação em uma reunião do grupo para estabelecer os pontos principais da declaração”, explica.

Regina é a única cientista brasileira a assinar a declaração, que menciona também outros impactos já identificados. “Os recifes de coral ao largo de Florida Keys já registaram um nível sem precedentes de branqueamento de corais este ano”. Este arquipélago está situado no estado da Flórida, nos Estados Unidos. O branqueamento dos corais causa problemas como a perda de habitat de animais marinhos, sendo um dos indicadores importantes para a análise do aquecimento.

O documento aponta, ainda, que o sistema de previsões de ondas de calor marinhas da NOAA nos EUA projeta uma probabilidade de 50-80% da área do Atlântico Tropical apresentar ondas de calor marinhas até o final do ano, o que pode intensificar os furacões na região. Na declaração, também é possível acessar links e relatórios que embasam o estudo. Para acessar sua versão original, clique aqui.

Leia a íntegra da declaração em sua versão traduzida:


Especialistas em ondas de calor marinhas avaliam o aquecimento recente dos oceanos e antecipam impactos futuros

Os principais cientistas oceanógrafos avaliam os impactos mais recentes do aquecimento do oceano

Tem havido muita discussão recentemente sobre as tendências recordes de aquecimento que foram observadas globalmente nos últimos meses. Isto inclui um aquecimento observado em várias partes dos oceanos e um aumento nas ondas de calor marinhas. As ondas de calor marinhas ocorrem quando as temperaturas dos oceanos numa determinada região estão bem acima da média durante um longo período de tempo. As temperaturas mais quentes dos oceanos têm impacto no ambiente marinho e nos ecossistemas associados, e o calor dos oceanos também pode alimentar o desenvolvimento de ciclones tropicais. Os principais cientistas especialistas no assunto fizeram uma avaliação coletiva das tendências globais recentes e relataram o que podemos esperar no futuro.

O que está por trás das recentes ondas de calor marinhas generalizadas globalmente?

As temperaturas médias mensais globais dos oceanos estão atualmente num nível mais alto em relação às temperaturas desde o início do registo instrumental e potencialmente de níveis pretéritos, com 27% do oceano global com onda de calor marinha (estimativa feita em 15 de agosto de 2023). A Organização Mundial de Meteorologia anunciou recentemente que as previsões são para o desenvolvimento do fenômeno El Niño forte pela primeira vez em sete anos. As temperaturas da superfície do Pacífico tropical são mais quentes durante os anos do El Niño, à medida que o conteúdo de calor da parte superior do oceano é redistribuído de oeste para leste, explicando o intenso aquecimento que se desenvolve no Pacífico equatorial oriental. Além do Pacífico tropical, um estudo recente mostrou que as ondas de calor marinhas mais generalizadas ocorreram durante grandes eventos de El Niño. Uma região particularmente afetada pelo El Niño é o Nordeste do Pacífico, que também atravessa atualmente condições extremamente quentes.

Mapa de anomalias de temperatura da superfície do mar para 04/09/2023.

Há outras razões que poderiam explicar o aquecimento recente em outras regiões. Por exemplo, o Atlântico Norte sofreu uma sequência de ondas de calor marinhas que se estenderam desde os trópicos até às latitudes médias. Este padrão de aquecimento é consistente com a fase negativa da Oscilação do Atlântico Norte, um padrão natural de variabilidade atmosférica que pode impactar os ventos de superfície e influenciar as temperaturas dos oceanos. A Oscilação do Atlântico Norte foi fortemente negativa de meados de Abril a meados de Maio de 2023 e durante a maior parte de Julho, consistente com o padrão de aquecimento do Atlântico observado. Durante esta fase negativa, menos poeira do Saara é espalhada sobre o Oceano Atlântico tropical, permitindo que mais luz solar alcance a superfície e aqueça ainda mais o oceano. É possível que existam fatores locais adicionais para o aquecimento dos oceanos. No entanto, são necessários mais dados e investigação para identificar definitivamente os mecanismos específicos das atuais ondas de calor marinhas em diferentes regiões.

Além dos mecanismos relacionados com a variabilidade natural do sistema climático, sabemos que cerca de 90% do excesso de calor associado ao aquecimento global é absorvido pelo oceano, fazendo com que a temperatura da superfície do oceano global aumentasse cerca de 0,9°C desde o período pré-industrial. Este aquecimento a longo prazo manifesta-se como uma intensificação e persistência de temperaturas extremas dos oceanos, ao exacerbar o impacto de variações climáticas naturais como o El Niño e a Oscilação do Atlântico Norte. Portanto, é muito provável que as mudanças climáticas tenham contribuído para a intensidade e extensão espacial generalizada das atuais ondas de calor marinhas.

Quanto tempo durarão essas ondas de calor marinhas?

As previsões sazonais de curto e longo prazo de ondas de calor marinhas indicam que esse aquecimento generalizado irá continuar nos próximos meses. A nível regional, as últimas previsões indicam que as ondas de calor marinhas no Atlântico tropical têm uma probabilidade de 50-80% de persistirem no inverno boreal de 2023, embora a confiança nestas previsões geralmente diminua quanto maior a antecedência da previsão. Além disso, os modelos preveem um risco elevado de condições de ondas de calor marinhas ao longo da costa oeste dos EUA na primavera boreal de 2024, à medida que o atual El Niño continua a se fortalecer, uma vez que os eventos geralmente atingem o pico no verão austral. Veja o relatório completo para uma análise de regiões adicionais.

Que impactos podemos esperar?

Todos os anos, as ondas de calor marinhas têm impacto nos ecossistemas marinhos em todo o mundo, resultando em milhares de milhões de dólares em danos aos ecossistemas marinhos e indústrias da pesca e do turismo. Durante o verão, as ondas de calor marinhas causam stress térmico numa grande variedade de espécies marinhas, incluindo espécies fundamentais como algas marinhas e corais, sendo as ondas de calor marinhas durante El Niño particularmente impactantes sobre estas espécies a nível global. Por exemplo, os recifes de coral ao largo de Florida Keys já registaram um nível sem precedentes de branqueamento de corais este ano. Além dos ecossistemas, o calor dos oceanos é uma importante fonte de energia que alimenta ciclones tropicais. As ondas de calor marinhas no Oceano Índico tropical contribuem para a rápida intensificação dos ciclones e das flutuações nas chuvas das monções. O aquecimento extremo no Atlântico tropical poderá contribuir para tempestades mais fortes, embora a influência do El Niño nos ventos de níveis superiores possa contrabalançar o efeito das temperaturas quentes da superfície.

Devido ao aquecimento global contínuo em resposta às emissões ininterruptas de gases do efeito estufa, prevê-se que os casos de aquecimento extremo dos oceanos aumentem ainda mais em frequência, duração e intensidade. Se não ocorrerem esforços dramáticos de mitigação e adaptação, então cada incremento do aquecimento futuro poderá levar a impactos graves na biodiversidade, na estrutura e na função dos ecossistemas marinhos.

Esta declaração foi feita pelo Grupo de Pesquisa em Ondas de Calor Marinhas do Programa Variabilidade, Previsibilidade e Mudança do Clima e dos Oceanos (CLIVAR) do Programa Mundial de Pesquisa Climática (WCRP) da Organização Mundial de Meteorologia (WMO). O objetivo do grupo de pesquisa é alcançar uma melhor compreensão das ondas de calor marinhas em todo o mundo, incluindo detecção, características de superfície e subsuperfície, mecanismos, conexão com mudanças climáticas e extremos biogeoquímicos, a fim de aumentar a preparação e promover um planejamento para adaptação eficiente, contribuindo ao mesmo tempo para a formação da próxima geração de cientistas e o fornecimento de informações para programas de observação.

 

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