Silvio Almeida na UFSC: destruir a universidade é destruir possibilidades de desenvolvimento econômico para o Brasil

01/08/2023 21:13
Silvio Almeida, ministro de direitos humanos em meio a centenas de pessoas no auditório Garapuvu da UFSC

Silvio Almeida proferiu palestra de cerca de 40 minutos na UFSC nesta terça-feira, 1º de agosto. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

“Eu sou um homem negro, de pele escura, cabelo raspado, sem barba, uso óculos. Estou usando um terno bege, eu acho, não tenho certeza, com colete, uma gravata marrom, camisa branca com abotoaduras. E com o coração cheio de esperança e de alegria por aqui estar”. Assim se autodescreveu o ministro Silvio Almeida, titular da pasta dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) nesta terça-feira, 1⁰ de agosto, na UFSC.

Assim como ele, todos aqueles que falaram durante o evento “Diálogos Transversais – Viver sem Limites 2”, no Auditório Garapuvu se autodescreveram – ação que promove a acessibilidade de pessoas cegas que podem então “visualizar” quem faz uso da palavra. Boa parte da audiência do ministro era formada por pessoas com deficiência, além de autoridades, e membros da comunidade universitária. 

A solenidade desta terça-feira integra uma agenda do MDHC na UFSC para buscar contribuições para a elaboração do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência “Viver sem Limite 2”, agenda já iniciada na segunda-feira com diálogos interseccionais promovidos pelo ministério com lideranças sociais e acadêmicas. 

“Destruir a universidade é destruir também as possibilidades do Brasil estabelecer um caminho de desenvolvimento econômico”, salientou Silvio Almeida nesta terça-feira, na UFSC. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

Em uma fala de cerca de 40 minutos, Silvio Almeida defendeu a universidade pública e uma política transversal de Direitos Humanos, presente em todas as áreas de governo. Além disso, falou sobre as dificuldades que as universidades brasileiras enfrentaram nos últimos anos, e sobre como podem resgatar as possibilidades futuras. 

Graduado e pós-graduado em Filosofia e Direito, o ministro falou sobre suas experiências lecionando em universidades nos Estados Unidos, como a Columbia University e Duke University, e salientou que o modelo de universidade pública brasileira é único. 

“O modelo brasileiro não existe em outros lugares do mundo. O que nós fomos capazes de criar não existe. Por isso, é muito importante que nós entendamos o papel social da universidade, como a universidade é importante para redefinição dos rumos do estado brasileiro. É a produção de tecnologia, as possibilidades de industrialização ou neo-industrialização do Brasil, de buscar soluções que nos coloquem numa posição de diálogo, debate ou até mesmo de embate com as transformações que o mundo hoje opera”, explicou. 

Almeida trouxe exemplos de ações nos últimos anos que buscaram desmoralizar as universidades, com orçamentos menores, salários congelados, cortes sistemáticos às bolsas e incentivos, assédios e processos de destruição da imagem institucional. “Destruir a universidade é destruir também as possibilidades do Brasil estabelecer um caminho de desenvolvimento econômico”, ressaltou.

“Fica uma lição. Esses tempos mostraram que a universidade não é nada se não estiver vinculada com a vida comunitária, com o povo brasileiro. Tem que se abrir, entender os problemas do povo brasileiro”. Segundo ele, existe uma “ligação intrínseca e umbilical da universidade com os interesses do povo brasileiro” e é essa iniciativa, de estar aberta e próxima, que irá sustentar a sobrevivência da universidade pública.

Mesa de autoridades formadas por membros da gestão da UFSC e do MDHC, além da Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

O papel da ciência também foi citado diversas vezes pelo ministro, que enfatizou que “a ciência já foi usada para o racismo, para o capacitismo, para a discriminação de gênero. Há que se tomar cuidado, e é por isso que a ciência tem que ser crítica da universidade. Tem que ser criticamente embasada, não há ciência sem boa filosofia”, enfatizou. 

Silvio Almeida reforçou a construção de um modelo de universidade com portas abertas, e que se resgate o olhar para o futuro do país. “O futuro tem que estar presente. Nós temos que fazer as coisas melhorarem a vida presente para que nós possamos lançar em direção ao futuro. Para ter futuro, nós precisamos ter ciência, filosofia, projetar, olhar para a realidade, por mais desgraçada que ela seja, e, a partir da ciência, do estudo, do diálogo permanente projetar possibilidades onde elas ainda não existem”.

Almeida salientou o trabalho de seu ministério com o programa Viver Sem Fronteiras 2, e anunciou seu lançamento para o mês de setembro. Defendeu a institucionalização dos Direitos Humanos como política de Estado e anunciou que pela primeira vez haverá concurso público para as carreiras do Ministério dos Direitos Humanos. 

Almeida relacionou Direitos Humanos a desenvolvimento econômico em diversos momentos de sua palestra, e destacou a transversalidade das políticas que estão sendo criadas com outras esferas de governo – o Plano Viver sem Limites conta com a participação de outros 10 ministérios da República, além do MDHC.

“Aqueles que estudam políticas de desenvolvimento sabem que implica também em uma expansão do mercado da cidadania, das possibilidades das pessoas participarem das relações econômicas na sua plenitude. Um país racista em que 56% da população se autodeclara negra, um país capacitista, que violenta as pessoas por conta da orientação sexual, que maltrata as pessoas idosas, que não cuida das crianças e adolescentes, certamente é um país que não tem a menor condição de ser desenvolvido. Então a gente precisa começar a juntar Direitos Humanos e as possibilidades concretas. Sem isso, o Brasil não tem condição de ser um país desenvolvido”, concluiu.

>> Assista ao discurso de Silvio Almeida na UFSC

Cancellier, presente!

Silvio Almeida e a secretária Nacional Anna Paula Feminella foram recebidos no Gabinete da Reitoria antes do evento no Auditório Garapuvu. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

A presença do ministro foi muito celebrada nas falas do reitor Irineu Manoel de Souza e da vice-reitora Joana Célia dos Passos. Ambos salientaram quão significativa é a visita do ministro a uma universidade que sofreu, além de cortes orçamentários e dificuldades, a perda de um reitor de forma trágica e devido à violência do Estado. Segundo Irineu, a UFSC vem crescendo e se ampliando apesar das dificuldades que enfrentou, “a começar pela tragédia da perda de Cancellier, vítima do abuso do Estado”. Joana salientou a relevância do momento, de falar de Direitos Humanos em uma comunidade “em luto desde 2017”, e reiterou que “precisamos falar dessa memória, do reitor ceifado de nossa convivência abruptamente por agentes públicos”.

Cancellier foi lembrado novamente pelo ministro Silvio Almeida, que o homenageou por sua vida, ensinamentos e exemplos. “Ao ter sua vida ceifada, ele fez com que nossa luta ganhasse novo significado. Nos ensinou como é importante que nós valorizemos a vida mas também respeitemos a morte. A morte nos lança em direção à vida. O luto é o que nos reorganiza, nos dignifica, nos faz lembrar daqueles que tombaram para que pudéssemos aqui estar. Este é o momento de ressignificação da Universidade Federal de Santa Catarina”.

Viver sem Limites 2

A programação do MDHC na UFSC teve a participação da secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do MDHC, Anna Paula Feminella, que esteve presente nos eventos desta segunda e terça-feira, além de outros membros do Ministério para a construção de um programa participativo junto às pessoas com deficiência e a academia.

Natural de Santa Catarina e com especialização na UFSC, Anna Paula Feminella ressaltou a relevância da participação social e contribuições da ciência para que o Plano “Viver Sem Limites 2” seja representativo da população brasileira com deficiência. Em sua fala nesta terça, citou a pesquisadora Anahi Guedes de Mello, da UFSC, que cunhou o termo “capacitismo” e estava presente no evento. 

Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do MDHC, Anna Paula Feminella. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

A secretária definiu o que é um sistema capacitista, que é estrutural, e que “se não estivermos atentos, fala por nós”. Por fim, pediu a participação da comunidade universitária na campanha de combate ao capacitismo criada pelo MDHC e lembrou aos presentes que a política será criada com representatividade: “É conosco e não sem nós que a roda da história vai girar. É conosco e é por nós que a vida irá melhorar”.

>> Veja como foi o evento no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania nesta segunda-feira, 31 de julho

A mesa de autoridades foi formada pelo ministro Silvio Almeida; pela secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do MDHC, Anna Paula Feminella; pelo reitor Irineu Manoel de Souza e pela vice-reitora Joana Célia dos Passos; pela pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade, Leslie Sedrez Chaves; pela juíza do Trabalho e coordenadora do comitê de acessibilidade e inclusão do TRT da 12ª Região, Maria Aparecida Ferreira Jeronimo; pela chefe da seção de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), Aline Fernandes Reis; pelo procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho Piero Rosa Menegazzi; e pelo presidente do Conselho Estadual de Direitos das Pessoas com Deficiência, Paulo Sérgio Suldovski.

A programação contou com a organização, participação e apoio da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), e foi também coordenada pela vice-reitora Joana Célia dos Passos.

Antes da solenidade, houve uma apresentação do grupo Bengalantes Cia de Dança, formado por pessoas com deficiência da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC). O grupo presenteou o ministro e a secretária do MDHC.

 >> Assista à performance da Cia de Dança Bengalantes

Reitor e vice-reitora da UFSC apresentam projetos ao ministro Silvio Almeida

Reitor Irineu e vice-reitora Joana apresentam propostas da UFSC para o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

Quando chegou à UFSC, na manhã desta terça, o ministro Silvio Almeida foi recebido no gabinete da Reitoria pelo reitor Irineu Manoel de Souza, a vice-reitora Joana Célia dos Passos, pró-reitores, secretários e membros da Administração Central. Também estavam na recepção a secretária nacional Anna Paula Feminella, autoridades políticas federais e estaduais e a ex-secretária estadual de Ação Social, da Mulher e da Família, Alice Kuerten.

O reitor Irineu Manoel de Souza disse ao ministro que era uma satisfação recebê-lo na UFSC e relatou o momento difícil vivido pela Universidade no ano passado, com as restrições orçamentárias enfrentadas. Afirmou que existe grande expectativa de que a situação melhore com o novo governo e disse esperar que o ministro seja “uma voz em Brasília” para ajudar as universidades em suas políticas voltadas à permanência estudantil e outros desafios.

A professora Joana Célia dos Passos, visivelmente emocionada, disse que era uma honra e uma alegria receber o ministro na UFSC. De acordo com ela, o MDHC é estratégico do ponto de vista da convivência humana e pode apoiar a sociedade catarinense no enfrentamento ao extremismo e ao neofascismo. 

Ela apresentou ao ministro quatro propostas de projetos de um edital interno para que mais mulheres possam acessar financiamentos de pesquisas; a Cátedra Antonieta de Barros, um dos instrumentos da política institucional de enfrentamento ao racismo; o projeto de construção de uma moradia estudantil indígena e a ideia de instalação de um escritório do MDHC em Santa Catarina. “Queremos transformar Santa Catarina em um território em que as pessoas possam viver com dignidade e sem medo”, disse a vice-reitora

Lutar, sonhar e esperançar

Equipe de gestão da UFSC reuniu-se com Silvio Almeida. (Foto: Lethicia Siqueira / Agecom / UFSC)

Após o evento no Auditório Garapuvu, o ministro participou de um encontro com organizações representativas do movimento negro de Santa Catarina e da comunidade LGBTQIA+. De acordo com Vanda Pinedo, do Movimento Negro Unificado (MNU), o propósito do encontro era o de apresentar ao ministro a luta do povo negro em SC e os desafios enfrentados. O ato também serviu para uma demonstração de apoio político à permanência de Silvio Almeida à frente do ministério: puxado por Vanda, o público presente entoou o coro “Ministro Silvio Almeida fica!”.

João Carlos Nogueira, da Coordenação Nacional de Entidades Negras, entregou ao ministro um dossiê elaborado por diversas entidades dos movimentos negros de Santa Catarina. Em sua fala, Silvio Almeida destacou sua emoção e alegria em participar do encontro. “São momentos como esse que nos fazem ver que vale a pena, apesar de todas as dificuldades, continuar lutando, sonhando e esperançando”.

O professor Prudente Melo, representando o Movimento Humaniza SC, entregou ao ministro um relatório com as ações e iniciativas do grupo. Ele afirmou que em Santa Catarina existe a disseminação de políticas armamentistas, discursos da violência e da intolerância, muitas vezes propagados por agentes políticos, além de casos de misoginia contra vereadoras de cidades catarinenses.

Depois deste encontro, o ministro participou de uma rápida entrevista coletiva de imprensa, encerrando a sua agenda na UFSC.

 

Saiba mais:
Conheça o Plano Viver sem Limites 2
Assista aos eventos do MDHC transmitidos ao vivo pela TV UFSC:

Mayra Cajueiro Warren / jornalista da Agecom / SECOM – UFSC
Luís Carlos Ferrari / assessor de Imprensa do Gabinete da Reitoria / SECOM – UFSC

 

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