Pesquisa da UFSC verifica relação entre hábitos alimentares de adolescentes e diabetes

30/06/2022 08:06

Uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) verificou a existência de relação entre hábitos alimentares de adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos de idade e marcadores bioquímicos relacionados ao diabetes. Biomarcadores ou marcadores bioquímicos são valores que podem ser medidos experimentalmente e indicam a ocorrência de uma determinada função normal ou patológica. Na pesquisa, foram utilizados marcadores relacionados ao controle do diabetes e resistência à insulina.

O trabalho desenvolvido por Bernardo Paz Barboza aplicou os dados do Estudo de Risco Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), realizado entre os anos de 2013 e 2014, em 273 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, incluindo Florianópolis. O estudo realizado na UFSC considerou a participação de 35.454 adolescentes, estudantes de escolas públicas e privadas. Os dados sobre alimentação foram obtidos por meio de um recordatório alimentar de 24 horas que, como o nome sugere, trata-se de um instrumento para a coleta de informações sobre a alimentação do dia anterior.

“Com essas informações conseguimos entender como funciona a alimentação de uma forma mais robusta do que simplesmente observar alimentos ou grupos de alimentos de forma isolada, o que condiz muito mais com a realidade de uma alimentação, em que todos os nutrientes/alimentos estão sujeitos a influenciar na biodisponibilidade de absorção de cada um, como podemos também observar tendências culturais da amostra”, destaca Bernardo.

O diabetes mellitus (DM) representa uma condição metabólica presente em cerca de 537 milhões de pessoas no mundo. Esta condição é caracterizada por um aumento constante das concentrações de glicose sanguínea, devido à alteração na produção ou ação do hormônio insulina, produzido nas células β-pancreáticas. Dados do Global Burden of Disease Study mostrou o avanço de DM na população global, sendo observado um aumento de 102,9% de casos entre 1990 a 2017. Desses valores, a diabetes tipo 2 (DM2) correspondia a 98,3% dos novos casos em 2017. Já dados da International Diabetes Federation evidenciam o impacto econômico desta condição: em 2021, os gastos mundiais para portadores deste tipo de diabetes corresponderam a US$ 966 milhões, apresentando um crescimento de 316% nos últimos 15 anos.

O aumento na prevalência de DM2, antes considerado como sendo exclusivo de adultos, também tem sido observado em adolescentes e crianças. Em estudo prévio com os dados do Erica, constatou-se 22% de prevalência de pré-diabetes (definida por valores de glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dL) e 3,3% de DM2 na população de adolescentes de 12 a 17 anos. Com base nestes dados, estimou-se que no Brasil existiam cerca de 213.830 adolescentes vivendo com DM2 e 1,46 milhões com pré-diabetes.

“Jovens diagnosticados com DM2 apresentam maior dificuldade no controle glicêmico, maiores taxas de falha na terapia com metformina e maior depleção de função das células β-pancreáticas do que adultos. Além disso, o desenvolvimento precoce dessa condição pode acarretar em risco maior de desenvolvimento de complicações relacionadas ao DM2, como, por exemplo, desfechos micro e macrovasculares”, ressalta o pesquisador.

Metodologia e resultados da pesquisa

O estudo identificou três diferentes hábitos alimentares na população pesquisada. Crédito: Jimmy Dean | Unsplash

Durante suas análises, Bernardo identificou três diferentes hábitos alimentares na população pesquisada: 1) padrão tradicional: caracterizado por consumo de alimentos comuns na cultura brasileira como o arroz, feijão e carne; 2) padrão pão e café: caracterizado por alimentos relacionados a lanches como os panificados, café, chá, manteiga e carnes processadas como mortadela e presunto; e 3) padrão ocidental: caracterizado pelo consumo de alimentos como doces, bebidas açucaradas (refrigerante, suco em pó, iogurte adoçado, entre outros) e alimentos como hambúrguer, cachorro quente, pastel, entre outros alimentos.

O estudo verificou que as meninas que seguem hábitos de alimentação tradicionais apresentaram melhores valores de glicose e hemoglobina glicada e aquelas adeptas ao hábito ocidental obtiveram menores valores de hemoglobina glicada. Já em meninos, o hábito pão e café foi relacionado a maiores valores de insulina e resistência à insulina. “O principal resultado encontrado foi que o padrão denominado tradicional foi inversamente associado a valores de glicemia e hemoglobina glicada em meninas. Sugerindo que este padrão pode ser entendido como protetor para estes marcadores em específico, porém, os dados sugerem uma associação fraca e isto pode ter ocorrido pela falta da presença de alimentos já entendidos como saudáveis na literatura científica, como frutas e hortaliças, neste padrão”, afirma.

Alimentos in natura ou minimamente processados devem fazer parte da cultura alimentar. Crédito: nrd | Unsplash

De acordo com o pesquisador, complicações como o diabetes tipo 2 têm sido cada vez mais comuns na população mais jovem, uma vez que o desenvolvimento precoce dessa doença acarreta maior risco de complicações futuras. “Portanto, os achados desta pesquisa reforçam a importância de se compreender os hábitos alimentares da população mais jovem. Intervenções que visem melhorar a alimentação de adolescentes devem ser incentivadas, sempre priorizando alimentos in natura ou minimamente processados que façam parte da cultura alimentar de cada um e evitando alimentos ultraprocessados ou que tenham adição de açúcares como refrigerante, iogurte adoçado, entre outros”, sugere.

O estudo faz parte da dissertação de mestrado de Bernardo Paz Barboza, sob orientação dos professores Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos e Liliana Paula Bricarello. O mestrando recebeu bolsa de estudos da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

Maykon Oliveira | Jornalista da Agecom | UFSC

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