Covid-19: pesquisadores da UFSC apontam causas e soluções para o colapso
“É preciso fazer alguma coisa, como fizemos no trânsito, para diminuir a mortalidade. Que se faça agora, senão vai ser um 2021, pelo menos até abril, pior que 2020”. Lúcio Botelho, professor de Saúde Pública, em 4 de janeiro de 2021.
Ao longo dos últimos dias, professores e pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) têm intensificado as manifestações públicas com orientações e sugestões para que a sociedade catarinense possa superar o grave momento da pandemia de Covid-19. Entre as propostas apresentadas estão a de aumentar os cuidados pessoais de distanciamento, uso de máscaras e higiene; promover a testagem em massa da população e investir fortemente em monitoramento dos casos ativos e dos seus contatos, com isolamento dos casos positivos; acelerar a aplicação das vacinas e aumentar a quantidade de doses disponíveis. Também são sugeridas campanhas de esclarecimento sobre a confiabilidade e a importância dos imunizantes e para induzir a empatia social e o cuidado coletivo.
A situação emergencial exige também a ampliação da capacidade de atendimento médico-hospitalar, medida vista como imprescindível no momento, mas considerada como último recurso. As ações, segundo os especialistas, devem buscar principalmente frear a circulação do vírus e diminuir o contágio, aliviando a pressão sobre o sistema de saúde.
Para isso, as principais medidas sugeridas são a suspensão temporária das aulas presenciais e a adoção, pelo poder público, de regras mais rígidas de restrição à circulação de pessoas, incluindo a suspensão, por ao menos duas semanas, de todos os serviços e atividades não essenciais.
Depois disso, quando as condições sanitárias permitirem, eles recomendam prioridade para o planejamento do retorno seguro às escolas e a fiscalização rigorosa das atividades econômicas liberadas. Essas propostas têm o objetivo de diminuir os adoecimentos e as mortes causadas pela pandemia, com o mínimo de prejuízo à atividade econômica.
“As medidas devem ser ampliadas para mitigar o impacto da Covid-19 e, quando possível, a prioridade deve ser abertura de escolas em vez de outras atividades econômicas”. Alexandra Crispim Boing, professora do Departamento de Saúde Pública, em 15 de fevereiro de 2021.
Causas
Nas manifestações dos especialistas da Universidade, são citadas muitas causas para o agravamento da pandemia de Covid-19, sendo a responsabilidade compartilhada pela sociedade e os poderes públicos. Vão desde o cansaço de muitas pessoas e relaxamento com os cuidados à falta de empatia e solidariedade por parte de segmentos sociais. Envolvem a falta de planejamento e coordenação nacional das ações de enfrentamento à pandemia, ações ineficazes por parte de governos municipais, falta de ações e medidas efetivas em âmbito estadual. E são agravadas pela circulação desenfreada do vírus e surgimento de novas variantes.
“A Ciência continua dizendo: fiquem em casa; usem máscara; evitem aglomeração! E se o Estado não respeita a ciência, nós respeitamos.” Ubaldo Cesar Balthazar, reitor da UFSC, em 9 de março de 2021.
Um dos documentos mais contundentes de alerta sobre a situação de crise atualmente vivida foi um manifesto assinado por mais de 100 professores e pesquisadores da UFSC, intitulado “Os 10 pontos necessários para acabar com a pandemia“. Na carta aberta à sociedade catarinense, publicada no dia 25 de fevereiro, os especialistas da UFSC convidam a uma reflexão urgente “para evitarmos um retrocesso de difícil reparação nos sistemas de saúde e educação, ou no desenvolvimento humano, econômico e social”.
Os professores citam algumas ações e atitudes que nos conduziram até este ponto, como a nossa incapacidade individual e coletiva de cumprir quatro recomendações de prevenção que conhecemos desde o início: distanciamento, uso correto de máscaras, higiene e ventilação dos ambientes. Também citam o egoísmo sistemático de grupos de pessoas, que se isentam de responsabilidade sobre o coletivo “em nome de uma suposta liberdade individual”.
A liberação de atividades sem fiscalização rígida do cumprimento de normas de prevenção ajudou a compor o cenário. Essas liberações buscaram mitigar os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica, mas “terão na sua maioria os efeitos contrários, pois levarão inevitavelmente a uma extensão do período pandêmico, a elevação potencial de sua severidade e todas as suas consequências negativas”.
No documento, os especialistas recomendam que a volta das aulas presenciais deve ser revista e adiada até que exista o controle da pandemia. O retorno às aulas presenciais também foi tema de um manifesto do colegiado do curso de Licenciatura em Pedagogia, do Centro de Ciências da Educação (CED) da UFSC, em solidariedade aos trabalhadores em educação no Estado, publicado em 24 de fevereiro.
Os professores questionaram o Decreto Estadual 1.153, de 15 de fevereiro, que previa a possibilidade de reabertura presencial das escolas de educação básica mesmo em regiões do Estado classificadas com risco potencial grave ou gravíssimo. “Ao reabrir as escolas presencialmente, o risco de contágio se amplia com o aumento de circulação de pessoas no transporte público, familiares, comunidade escolar e sociedade de um modo mais amplo”.
Na carta, os professores manifestam-se contra o retorno às aulas presenciais neste momento e sob estas condições, porém ressaltam a importância e a necessidade de retomada da atividade. “Os professores anseiam pelo retorno presencial às atividades, pois o processo remoto limita o processo educativo”, declararam. Outros profissionais da UFSC também manifestaram preocupação com o longo afastamento dos estudantes do ambiente escolar e defenderam que a volta às aulas deve ter prioridade em relação a outras atividades, quando as condições sanitárias permitirem um retorno seguro para todos.
Essas são medidas emergenciais que devem ser colocadas em prática rapidamente, no entanto os pesquisadores estão cientes de que são necessárias ações estruturais e duradouras para que o País possa se preparar para enfrentar futuros desafios. É consenso a necessidade de voltar a investir em ciência, de forma sólida e contínua, para que o Brasil possa alcançar autonomia na produção de fármacos e não ficar dependente de companhias e governos estrangeiros.
Evolução
O agravamento da crise sanitária vem sendo acompanhado por estudos e manifestações de pesquisadores da UFSC, através de entrevistas, análises e documentos. O Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração, vem desde meados de maio de 2020 emitindo boletins periódicos que acompanham a evolução dos números de novos casos e óbitos, e o espraiamento da doença no Estado.
Elaborado com base em dados oficiais, principalmente da Secretaria Estadual de Saúde, o Boletim da Covid-19 em SC detectou uma elevação constante dos casos de contaminação a partir do mês de novembro de 2020. A “segunda onda” veio após um período sucessivo de quedas no número de contágios e óbitos, o que pode ter induzido a população a afrouxar os cuidados e as autoridades públicas a promoverem maior liberação de atividades econômicas e sociais.
Esse panorama foi impactado pela maior circulação de pessoas e reuniões familiares nas festas de fim de ano. Já no início de 2021, professores da UFSC começaram a alertar, em entrevistas à Imprensa, que a situação poderia se agravar e apelaram pela adoção de medidas que visassem reduzir o contágio.
“Precisamos de um conjunto articulado e eficaz de ações que nos permita reduzir a circulação do vírus e assim evitarmos que nós próximos meses convivamos com sucessivas ondas de alta de casos, de hospitalização, com colapso do sistema de saúde, com alta de óbitos, retardando a retomada econômica a médio e a longo prazo”. Antonio Boing, professor do Departamento de Saúde Pública, em 1º de março de 2021.
A partir de 17 de janeiro, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial no Brasil das vacinas CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, e AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford com a Fiocruz, especialistas e professores da UFSC foram chamados para explicar o funcionamento das vacinas e afirmar a sua confiabilidade, além de combater notícias falsas sobre os imunizantes e pedir o engajamento de todos nas campanhas de vacinação.
O agravamento da pandemia, porém, seguiu em curso. Nos primeiros dias de fevereiro, os meios de comunicação já noticiavam o aumento de casos na região Oeste do Estado e o esgotamento dos recursos de atendimento médico-hospitalar. Nos dias seguintes essa situação atingiu todo o Estado. Em Florianópolis, a sobrecarga fez com que vários hospitais suspendessem os atendimentos não urgentes. No Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC), um médico da linha de frente chamou a atenção para uma importante mudança do perfil dos pacientes: cada vez mais pessoas jovens estavam sendo internadas.
Em meio a superlotação e faltas de vagas em UTIs, o poder público estadual tomou novas medidas de restrições de atividades e à circulação de pessoas. Apesar disso, Santa Catarina entrou no mês de março vivendo o pior momento da pandemia até aqui.
Algumas falas de especialistas da UFSC à imprensa
Janeiro
“Estamos chegando a um nível de negacionismo em que estamos questionando gráficos e números dos epidemiologistas”. Lúcio Botelho, professor de Saúde Pública, em 4 de janeiro de 2021.
“Em Santa Catarina, o Estado está esperando as orientações nacionais, porém existe uma falta de planejamento, de coordenação nacional, e isso tem atrasado essa questão da vacinação no nosso país”. Fernando Hellmann, doutor em Saúde Coletiva, em 7 de janeiro de 2021.
“Não vai ser possível vacinar a população brasileira toda ainda este ano, então é importante que as pessoas mantenham os cuidados de isolamento, de distanciamento, de higiene, para que se possa evitar o contágio, que no Brasil ainda é bastante alto”. Fernando Hellmann, doutor em Saúde Coletiva, em 7 de janeiro de 2021.
“É [a vacinação] como um passaporte para evitar mortes, para retirar pessoas dos hospitais e liberar leitos de UTI para poder tratar outras doenças”. Oscar Bruna-Romero, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, em 18 de janeiro de 2021.
“As vacinas que serão usadas aqui foram testadas e aprovadas pelos órgãos reguladores mais importantes do mundo. São absolutamente seguras e eficazes”. Ubaldo Cesar Balthazar, reitor da UFSC, em 21 de janeiro de 2021.
“Se você tiver dúvidas, procure se informar em fontes confiáveis, como grandes jornais e portais. Não confie em informação sem respaldo científico”. Ubaldo Cesar Balthazar, reitor da UFSC, em 21 de janeiro de 2021.
Fevereiro
“Esse cenário era previsível uma vez que muitos municípios da região não vêm adotando medidas que são sabidamente eficazes para se quebrar a cadeia de transmissão do vírus”. Alexandra Crispim Boing, epidemiologista, em 9 de fevereiro de 2021.
“É necessária a ampliação dos leitos em virtude do colapso do sistema de saúde na região. Entretanto, é importante destacar que os governos não devem insistir no erro de focar majoritariamente na provisão de leitos, já que isso é a gestão da consequência. O que deve ser feito é evitar que as pessoas fiquem doentes”. Alexandra Crispim Boing, epidemiologista, em 9 de fevereiro de 2021
“Não dá para dizer que vai colocar o pessoal com 50% de lotação na sala de aula e deixar a coisa correr solta”. Fabrício Menegon, professor do Departamento de Saúde Pública, em 9 de fevereiro de 2021.
“Ele [o coronavírus] circulando pouco, enfrenta menos o nosso sistema imune e, portanto, é menos provocado a sofrer mutação – é uma questão biológica, de sobrevivência”. Carlos Zárate-Bladés, professor do Laboratório de Imunorregulação, em 9 de fevereiro de 2021.
“A vacinação rápida, com as vacinas que já temos, se torna mais fundamental ainda”. Carlos Zárate-Bladés, professor do Laboratório de Imunorregulação, em 9 de fevereiro de 2021.
“Consequência de grande flexibilização das atividades, falta de comunicação clara e franca com a população, implementação de protocolo de tratamento precoce, que não funciona, e inação dos gestores”. Alexandra Crispim Boing, professora do Departamento de Saúde Pública, em 15 de fevereiro de 2021.
“As medidas devem ser ampliadas para mitigar o impacto da Covid-19 e, quando possível, a prioridade deve ser abertura de escolas em vez de outras atividades econômicas”. Alexandra Crispim Boing, professora do Departamento de Saúde Pública, em 15 de fevereiro de 2021.
“Os leitos de UTI, por exemplo, são parte de uma estratégia de enfrentamento. A pandemia já nos ensinou que a quantidade de casos graves é diretamente proporcional à quantidade total de casos, ou seja, quantos mais casos você tem, maior a probabilidade de ter casos graves, que demandam hospitalização”. Fabrício Menegon, chefe do Departamento de Saúde Pública, em 19 de fevereiro de 2021.
“O que precisa ser feito é investir fortemente em monitoramento dos casos ativos, dos seus contatos, isolamento dos casos positivos, testagem em massa da população. Coisas que o nosso Estado e o País de forma geral não foram competentes para fazer”. Fabrício Menegon, chefe do Departamento de Saúde Pública, em 19 de fevereiro de 2021.
“As projeções já indicavam o aumento de casos e, mesmo assim, o poder público não realizou as intervenções necessárias para enfrentar a situação que já estava sendo vislumbrada. O RT, número de transmissibilidade, bastante elevado significa que o vírus tem se disseminado de forma descontrolada no estado”. Alexandra Crispim Boing, professora do Departamento de Saúde Pública, em 25 de fevereiro de 2021.
“Esse fato, associado a uma grande quantidade de população infectante, às aberturas dos setores econômicos, à reabertura de escolas, às festas de final de ano, à chegada da temporada de verão e à baixa capacidade governamental de resposta, faz com que a situação esteja sem controle”. Alexandra Crispim Boing, professora do Departamento de Saúde Pública, em 25 de fevereiro de 2021.
“Em função disso, o decreto torna-se pouco útil no sentido de configurar uma estratégia articulada de controle da pandemia em todo o território catarinense”. Lauro Mattei, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, em 25 de fevereiro de 2021.
“Estamos nos aproximando do limite da nossa capacidade hospitalar”. Oscar Bruna-Romero, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, em 26 de fevereiro de 2021.
“Há um ritmo de crescimento de casos muito superior ao que estávamos acostumados. Se continuarmos com as medidas que estamos tomando, que limitam muito levemente a transmissão do vírus, em um mês ou um mês e meio estaremos em uma situação catastrófica”. Oscar Bruna-Romero, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, em 26 de fevereiro de 2021.
“É por essência ineficaz e fraca. É uma medida que tem um caráter muito superficial, porque ela não leva em consideração a gravidade do momento que a gente está vivendo. Um lockdown de dois dias no máximo ameniza muito pouco, mas não tira o sistema de saúde da saturação e colapso”. Fabrício Menegon, professor do Departamento de Saúde Pública, em 27 de fevereiro de 2021.
“Se chegar a necessidade da UTI nesse momento que a gente está vivendo, vai começar a morrer em grande quantidade nas portas de hospital. Nós só vamos começar a resolver esse problema de UTI se nós pararmos de botar gente chegando no hospital”. Lúcio Botelho, professor de Saúde Pública, em 27 de fevereiro de 2021.
“Continuar com medidas parciais de controle e transferindo responsabilidades não irá impactar nossa saúde, os hospitais encherão e a mortalidade aumentará, por falta de capacidade assistencial. Já passou da hora de uma ação dura, enérgica, porém responsável pela preservação da vida em sua dimensão maior”. Lúcio Botelho, professor de Saúde Pública, em 28 de fevereiro de 2021.
Março
“Precisamos de um conjunto articulado e eficaz de ações que nos permita reduzir a circulação do vírus e assim evitarmos que nós próximos meses convivamos com sucessivas ondas de alta de casos, de hospitalização, com colapso do sistema de saúde, com alta de óbitos, retardando a retomada econômica a médio e a longo prazo”. Antonio Boing, professor do Departamento de Saúde Pública, em 1º de março de 2021.
“Abrir novos leitos pode ser uma parte da estratégia, mas não toda. Isso é uma parte, a parte final. A estratégia deve começar pela contenção, com um lockdown”. Fabrício Menegon, chefe do Departamento de Saúde Pública, em 2 de março de 2021.
“Com isso, é possível diminuir o número de casos novos, nós conseguimos diminuir hospitalizações e também diminuir a quantidade de óbitos. É essa forma de controle do vírus que vai permitir uma retomada robusta e segura da economia a médio e a longo prazo”. Antonio Boing, professor do Departamento de Saúde Pública, em 3 de março de 2021.
“O freio para evitar o contágio do vírus é o comportamento extremamente positivo da população, entendendo e respeitando as medidas sanitárias, e por outro lado, o Estado fazendo vacinação em massa da população”. Lauro Mattei, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, em 3 de março de 2021.
Lorena Abreu, estagiária e Luís Carlos Ferrari/ Agecom