Peixes briguentos e donzelas invocadas: estudo descreve disputas territoriais em recifes de corais

10/06/2020 10:42

Peixe da espécie Stegastes rocasensis, da família dos donzelinhas – Foto: Sergio Ricardo Floeter

Em meio a corais arborescentes, coloridas esponjas tubulares e delicados tufos de algas, há pequenos peixes em disputas violentas, repletas de ataques e perseguições. Esses comportamentos agressivos, chamados de agonísticos, podem representar a competição por recursos, como alimento ou espaço. Um grupo de cientistas brasileiros identificou que, dentre todas as famílias de peixinhos que habitam os recifes, uma em particular chama a atenção por seu comportamento invocado: os donzelinhas, pertencentes à família Pomacentridae. A frequência com que eles interagem agressivamente entre si ou com outras espécies é a mesma, independente do recife analisado e da biodiversidade local. O estudo, publicado na terça-feira, 9 de junho, na revista científica internacional Ecography, originou-se da pesquisa de mestrado de Luisa Fontoura, conduzida no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Utilizando câmeras GoPro, os pesquisadores investigaram o comportamento de peixes em recifes distribuídos ao longo de 34 mil quilômetros, desde Bali, no Oceano Pacífico, até Atol das Rocas, no nordeste brasileiro. Os equipamentos foram instalados em sete pontos, e captaram mais de 87 horas de filmagens. As interações de disputa entre os peixes foram analisadas a partir de 350 vídeos de 10 minutos cada. 

Vale ressaltar que, mesmo que estejam distribuídos por todos os oceanos tropicais, os recifes são muito distintos uns dos outros. Na costa brasileira, por exemplo, eles abrigam uma variedade menor de espécies de peixes do que no Caribe, que, por sua vez, tem menor riqueza de espécies que os belíssimos e complexos recifes do Indo-Pacífico, local em que esses ambientes atingem o pico de diversidade. 

Apesar das diferenças, os pesquisadores verificaram estruturas de interações muito semelhantes entre os locais: no centro da rede de interações, espécies de donzelinhas herbívoras e territoriais concentram o número de disputas. “Os donzelinhas se destacam por serem o que a gente chama de centrais nas redes de briga, nas redes de agonismo. Eles foram centrais em todos os locais. Isso que foi interessante”, explica o professor do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC Sergio Ricardo Floeter, coautor do estudo e orientador de Luisa no mestrado. 

Essa centralidade significa que o donzelinha é o que mais interage em disputas territoriais com as demais espécies daqueles ambientes. Em resumo, ele é o que mais briga com os outros peixes do local (e também com os da própria espécie), em disputas que envolvem perseguições para mandar os intrusos para fora de seu território. A competição e o agonismo entre espécies é explicado em um vídeo elaborado pelo Laboratório de Biogeografia e Macroecologia Marinha (LBMM), do qual Sergio faz parte.

Os pesquisadores salientam que as espécies de donzelinhas do Atlântico não são as mesmas do Indo-Pacífico. Características similares entre elas, contudo, como o comportamento territorial agressivo e a dieta à base de algas, tornam esse grupo fundamental para estruturar as interações nos recifes de coral. Apesar de geograficamente distantes, elas são muito parecidas.

“Pela primeira vez um estudo nessa escala tão grande mostra um padrão recorrente”, destaca o professor, que salienta a importância do trabalho para entender a estrutura das comunidades de peixes. “Estamos muito orgulhosos dessa pesquisa, pois todos os dados foram coletados com o mesmo método em vários locais do mundo pela nossa equipe, sendo todos nós brasileiros! Isso é bem raro em trabalhos com essa amplitude geográfica quase global”, afirma Luisa. 

Sergio também enfatiza outro mérito da pesquisa: “Para estudos futuros, essa questão das câmeras parece ser bem interessante, porque tira efeito do amostrador, do mergulhador que está ali próximo do evento”. Ao deixar a câmera filmando, sem nenhuma pessoa por perto, é possível captar os comportamentos naturais dos animais. “Acho que isso é uma  coisa que vai começar a acontecer em muito mais estudos daqui pra frente: trabalhar com câmeras remotas”, complementa.

Leia o artigo científico na íntegra.

 

Camila Raposo/Agecom/UFSC

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