Pesquisadora da UFSC dá dicas de como enfrentar a quarentena de forma saudável

25/03/2020 20:59

Nos últimos dias o governo de Santa Catarina determinou o fechamento de muito ambientes de convivência no estado, desde comerciais – como restaurantes, bares, cinemas, teatros – até espaços públicos, como escolas, universidades, praias e praças. A medida, adotada em diversos locais do mundo para conter a contaminação ante a pandemia da Covid-19, causada pelo novo coronavírus, tem isolado as pessoas em suas próprias casas. Para lidar com os efeitos psicológicos que podem decorrer deste período de isolamento com prazo ainda indeterminado, a pesquisadora Paola Barros Delben, do Laboratório Fator Humano, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), disponibiliza uma série de cards com sugestões para manter-se saudável neste momento.

Paola é especialista em comportamento seguro em situações de isolamento e confinamento. A cientista alerta que os efeitos psicológicos nessas situações podem ser severos, ocasionando o que se chama em Psicologia de “modulação de comportamento”, quando a pessoa não age como costumeiramente costuma agir. O estresse decorrente do confinamento e do isolamento são objeto de estudo de uma recente área da Psicologia: a Psicologia Polar.

Apesar do nome, a Psicologia Polar não estuda somente os efeitos psicológicos nos polos da Terra (Ártico e Antártica). Esta recente área de pesquisa analisa também os efeitos psicológicos em pessoas que se isolam para atividades em cavernas, plataformas de petróleo, submarinos ou mesmo em estações espaciais. Esses locais são chamados de ambientes ICE, que são assim denominados quando possuem, pelo menos, duas dessas três características: Isolado, Confinado e Extremo.

No período de quarentena, os lares catarinenses podem ser considerados ambientes ICE, uma vez que muitas pessoas estarão isoladas e confinadas, ainda que em seu ambiente familiar. Diante disso, os efeitos psicológicos observados em cientistas nos polos, no espaço ou em submarinos, podem ser desencadeados na população em geral. Para lidar com isso, as sugestões elaboradas para comportamento seguro em ambientes ICE se tornam importantes aliados da população para lidar com seu próprio confinamento e isolamento.

As orientações representadas nos cards são fruto do trabalho de Paola e do professor da UFSC Roberto Cruz, também vinculado ao Laboratório Fator Humano, junto ao Programa Antártico Brasileiro e compõem a cartilha entregue aos pesquisadores que ficam isolados por longos períodos de tempo. São medidas simples, mas capazes de auxiliar na convivência humana em isolamento no continente gelado por semanas, ou até meses. Certamente serão úteis ao confinamento doméstico e podem ajudar a passar por este período sem permitir que, além de isolados e confinados, nossos lares se tornem ambientes extremos.

Confira abaixo as principais dicas.

Dicas para saúde mental e autocuidado

Especificamente para o momento da epidemia do COVID-19, algumas dicas foram compiladas, no âmbito da saúde mental e autocuidado

Alimentação

– Alimente-se bem e hidrate-se. Parece óbvio, mas não se esqueça de comer, buscando ingerir alimentos saudáveis, e não se esqueça de beber bastante água, pois, além de ser essencial à vida, auxilia na imunidade e até ajuda a reduzir sintomas de gripe.

– Evite bebidas e comidas “estressantes”. O álcool, a cafeína e as frituras cobram um alto preço do corpo e não contribuem em momentos estressantes

– Cozinhe, mesmo que não saiba. Testar novas receitas é uma terapia ocupacional muito boa e pode revelar talentos. Se você já cozinha bem, aproveite para usar a criatividade ou presentear aqueles que estão confinados com você.

– Marque horários específicos para suas refeições e alimente-se sem pressa. Não pule refeições, nem faça mais ingestão que o normal. Lembre-se que ficar confinado tende a ser tedioso, mas podemos criar estratégias para não exagerar na comida, o que pode provocar problemas à sua saúde.

Autoestima

– Arrume-se e eleve sua autoestima. Todos nós estamos na mesma situação, mas eventualmente podemos realizar chamadas de vídeo e nos arrumar para nós mesmos. Experimente roupas, maquiagens, penteados, fazer as unhas, hidratação, esfoliação, etc.

Sono

Cuide da qualidade do seu sono:

– Tente dormir sempre no mesmo horário;

– Diminua o consumo de estimulantes;

– Evite dormir com o estômago muito cheio ou muito vazio;

– Desligue o computador, o celular e a TV quando for dormir. Cuide de si, mantendo seu local de repouso escuro e silencioso.

Rotina e lazer

– Gerencie seu tempo. Se ocupe e preencha sua agenda com compromissos novos, cuidando de si. A rotina nos dá propósito e ajuda a passar o tempo com mais qualidade.

– Pratique exercícios físicos. Há inúmeras atividades que podem ser feitas em casa, sem precisar sequer de equipamentos. A tendência em ambientes de confinamento é que a ingestão de comida seja maior e a prática de atividades diminua. Você pode correr sem sair do lugar, pular cordas, fazer até musculação (com cautela para não se machucar), pilates, ioga etc.

– Leia livros e ouça músicas. Essa é a hora perfeita para cumprir aquelas metas de ler obras novas, conhecer clássicos, ou mesmo terminar a leitura do empréstimo do colega e ainda apreciar novas músicas ou as suas preferidas.

– Assista filmes, séries, documentários. Várias plataformas de TV e de streaming estão oferecendo canais gratuitos, além de você poder assistir muita coisa pela internet.

– Tire um tempo para meditação ou práticas religiosas. Olhe para dentro de si, pois este é melhor momento para isso.

– Aprenda uma nova habilidade. Marque um horário fixo na agenda para cumprir os exercícios e potencializar seu aprendizado. Existem cursos online, inclusive gratuitos, de idiomas, especialização e mesmo artes manuais. Este é o momento perfeito para desenvolver uma nova habilidade.

– Reserve um tempo na sua agenda para descansar. Para não fazer nada, literalmente. Não pense que deve tentar ser produtivo em todo o tempo de isolamento. O seu cérebro também precisa de pausas para poder funcionar em plena capacidade, melhorando suas funções executivas. Mas não abuse! Não esqueça que ficar muito tempo inativo pode causar um efeito inverso e te deixar desanimado, aumentando o risco de depressão.

– Organize o armário, limpe o quarto, tire a água parada do quintal. Tempo para organizar as suas coisas não tem preço. Aproveite que não pode sair de casa (exceto para atividades essenciais) e dobre as roupas, faça aquela faxina que há tanto tempo queria fazer, separe itens que não usa mais ou que você poderia doar – muitas pessoas vão precisar disso (inclusive comida). Não se esqueça também que a dengue ainda é um problema urgente e se observar água parada, aproveite para resolver o quanto antes.

Saúde mental

– Diga não à solidão. Estamos isolados e confinados, mas você pode e deve buscar interações. Há inúmeras formas de reduzir a solidão. O isolamento autônomo é observado em pessoas em condição de isolamento social ou confinamento. Não se sinta só. Converse sobre seus problemas, procure saber notícias de amigos e familiares e se coloque a disposição para ouvi-los também. Busque contato com outras pessoas por meios tecnológicos ou com proximidade segura.

– Sorria mais. Dê gargalhadas se puder, encontre razões para ver graça nas situações e compartilhe a felicidade, mesmo de pequenas coisas. Tire mais fotos e registre momentos para recordar quando preciso.

– Evite o excesso de informações para não gerar ansiedade e medo. Marque horários específicos para assistir aos noticiários ou ler as notícias online. Procure certificar-se de que as informações que está acessando são verdadeiras, verifique se as fontes são seguras e confiáveis

– Não compartilhe notícias sem antes verificar se não trata-se de fake news

– Evite pensamentos alarmistas e pessimistas que podem distorcer a realidade e amplificar os problemas. Por pior que a situação pareça, vai melhorar e podemos encontrar aspectos positivos em cada momento. Questione seus medos e certamente vai encontrar razões para enfrentar o problema com calma.

– Não tente fingir que nada está acontecendo, mas enxergue as possibilidades positivas em toda a situação. As crises servem para oferecer alternativas, nos fazer pensar mais rápido e encontrar soluções inesperadas.

– Fique ativo. Vale reforçar que ficar “sem fazer nada” tende a promover o desânimo e uma reação em cadeia leva à ansiedade, a pensamentos pessimistas ou alarmantes, a sintomas depressivos. Tire momentos para relaxar, mas não se esqueça da rotina que determinou para si.

Solidariedade

– Ajude a quem precisa. Pense no coletivo, faça um esforço de colocar-se no lugar do outro e isso pode lhe ajudar e encarar a sua própria situação. Além disso, o altruísmo é ótimo para a qualidade de vida. Os idosos, as crianças e os enfermos são os que mais precisam de apoio. Você pode se prontificar a fazer compras para quem precisa se isolar, seja por estar contaminado ou por precaução. Também pode oferecer uma escuta, sem julgamentos ou críticas, apenas ouvir o que os outros têm a dizer.

Vale ressaltar que crises não são em sua essência caracterizadas por aspectos negativos, mas ocorrências que fogem à norma e ao esperado e que transformarão os que as vivenciam, pois em toda crise há uma oportunidade, em analogia ao ideograma para crise em chinês.

Isolados e confinados, mas saudáveis para o tempo que virá após as quarentenas pelo mundo

Para saber mais:

ICE: trabalho pioneiro realizado na Antártica analisa os efeitos psicológicos em ambientes isolados, confinados e extremos – Revista UFSC Ciência

Confira todos os seis cards abaixo:

 

 

Texto: Gabriel Martins

Agecom/UFSC

gabriel.martins@ufsc.br

 

Tags: autocuidadocoronavírusSaúde MentalUFSCUniversidade Federal de Santa Catarina