Maior Congresso Brasileiro de Sociologia da história debate atualidade do país

10/07/2019 18:56

Auditório cheio para a abertura do 19º Congresso Brasileiro de Sociologia. Foto: Henrique Almeida/Agecom

“O ator em política pode muito, mas, como aprendemos com Maquiavel, ele não pode tudo. Nem sempre estamos ao lado dos perdedores, já tivemos vitórias, mas não soubemos aproveitar esse último momento de vitória e agora estamos em um cenário muito ruim, do qual a Sociologia pode indicar o bom remédio aos males que nos afligem”. Com essas palavras, Luiz Werneck Viana finalizou sua fala na conferência de abertura do 19º Congresso Brasileiro de Sociologia.

O maior congresso da história da Sociologia brasileira, em sua primeira edição na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reúne milhares de pessoas de 9 a 12 de julho no campus de Florianópolis, e na noite desta terça-feira (9) teve sua abertura oficial. Além de Luiz Werneck Vianna, a primeira atividade do evento contou com a entrega de prêmios a sociólogos brasileiros e uma mesa formada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), Carlos Benedito Martins (UNB); pelo presidente do comitê organizador do evento, Carlos Eduardo Sell (UFSC); pela representante da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Miriam Grossi (UFSC); e pela pró-reitora de pós-graduação da UFSC (Propg), Cristiane Derani, na ocasião representando o reitor da instituição, Ubaldo César Balthazar.

Mesa de abertura com Miriam Grossi, Carlos Benedito Martins, Carlos Sell e Cristane Derani. Foto: Henrique Almeida/Agecom

Em suas falas, todos os presentes ressaltaram o papel imprescindível da Sociologia e das demais ciências humanas na compreensão do nosso mundo. No último pronunciamento, Carlos Sell recepcionou os presentes ao congresso com as seguintes palavras: “A Sociologia é a ciência da sociedade e é uma disciplina científica, como as demais ciências. […] O ataque às ciências humanas é, portanto, um ataque à ciência. Mas fazer ciência requer coragem e, nesse momento, não seria possível fazermos o maior congresso da história da Sociologia brasileira em outro local que não a casa natural da Sociologia: a universidade. E como estamos em casa, sintam-se todos bem-vindos”.

O desencontro trágico entre a Fortuna e o ator político

Para o conferencista, previamente foi realizada uma questão a ser respondida na ocasião da abertura do congresso: “em que sociedade vivemos?”. O convidado a responder tal pergunta foi o renomado pesquisador Luiz Werneck Vianna, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e sociólogo agraciado com os principais prêmios da Sociologia nacional, como os prêmios Sergio Buarque de Holanda, em 1997, Florestan Fernandes, da Sociedade Brasileira de Sociologia, em 2012. Em sua exposição, Vianna tratou de contextualizar o atual cenário nacional, resgatando o momento de fragmentação das alianças democráticas políticas e econômicas dos atores políticos brasileiros no cenário posterior a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Foto: Henrique Almeida/Agecom

Intitulada “O desencontro trágico entre a Fortuna e o ator político” – em referência à deusa romana do acaso e da sorte (boa ou má) – a exposição comparou os tempos atuais aos períodos mais anti-democráticos da história recente do país. Segundo Vianna, “não é a primeira vez que temos a desventura de nos encontrar numa situação dessas. Entre 1937 e 1945 [período conhecido como Estado Novo, em que Getúlio Vargas governou o país sem eleições e com restrições democráticas] tivemos um cenário semelhante e na posse de Juscelino Kubitschek [em 1956] houve tentativa de restrição democrática. Mas é em 1964 que um ciclo desses inicia – e se agudiza em 1969 [com a eleição indireta do general Emílio Médici à presidência da República, com o país já sob o AI5] – ceifando as conquistas da Carta Magna de 1945”.

O conferencista lembra, no entanto, que a partir de 1985 “a democracia tem uma nova oportunidade no país. Com a opção de uma transição política, se elege uma constituinte que culmina na promulgação da Constituição Federal, em 1988, que “afirma a adesão brasileira ao liberalismo e ao sistema de representação democrática. Com a ressalva do PT [Partido dos Trabalhadores], a nova Carta encontra respaldo na sociedade e as instituições naquele momento eram propícias, inclusive com o cenário internacional favorável.” À consolidação da democracia no Brasil faltava, entretanto, “um ator político para aproveitar os bons ventos que a Fortuna soprava.”. A ausência deste ator, naquele período, pôde ser percebida na primeira eleição presidencial após a reabertura democrática, o pleito de 1989.

Conjuntura da primeira sucessão presidencial pós Constituinte

O pleito que procedeu a promulgação da Carta Magna de 1988 é momento de importância capital para a compreensão da sociedade brasileira atual. “Após o governo de transição [do primeiro presidente civil após a reabertura, José] Sarney, os principais atores políticos – as esquerdas e os liberais – abandonam suas alianças na resistência ao regime militar e fragilizam a luta democrática.”, sintetizou Vianna.

Carlos Benedito Martins e Luiz Werneck Vianna. Foto: Henrique Almeida/Agecom

“O quadro político fragmentado entre o eixo econômico liberal e político das esquerdas abriu os caminhos para aventureiros, como o [presidente eleito, em 1989, Fernando] Collor, que, por falta de sustentação congressual, durou pouco, mas foi suficientemente deletério à consolidação das instituições democráticas ainda imaturas. […] O resultado nefasto da política pautada pelas questões da moralidade colocou o país em disputas estéreis às grandes questões, às questões da grande política, e fechou as cortinas para esse processo de consolidação democrática. O exemplo disso é a ‘caça aos marajás’ de Collor, que trouxe à moralidade questões políticas muito maiores.”.

Social-democracia brasileira sem base social e crítica do Estado que não se realiza

O cenário nacional se altera com o impedimento do primeiro presidente eleito com voto direto após mais de duas décadas. Em 1994, ocorre nova eleição presidencial, que designa pelo voto popular Fernando Henrique Cardoso à presidência da república . Para Vianna, sob o governo de Fernando Henrique [empossado em 1995] se desenvolve “[…] o primeiro esboço de uma social-democracia brasileira. Mas, sem base operária e de setores subalternos, é uma social-democracia fundada em intelectuais, distante, portanto, do povo. Seu esgotamento abre os caminhos eleitorais para o PT, sob a liderança de Lula, um dos principais nomes da chamada questão social no Brasil.”.

E é sob o signo de combate à “imensa hipoteca social que pesava sob o país que o PT assume a presidência. A correção dos males políticos do país necessita, todavia, de um grande esforço diante de uma sociedade conservadora e com uma elite detentora dos meios de comunicação. E o PT não criou os enfrentamentos das elites.”. Ao contrário, conforme afirma o conferencista, os governos do PT recrutaram membros e militantes dos movimentos sociais, os esvaziando e perdendo, dessa forma, sua base social.

Foto: Henrique Almeida/Agecom

Segundo o pesquisador, “o ‘estado novo do PT’ nega a valorização da sociedade civil e abandona a crítica do Estado que o constituiu sua formação partidária, para atuar em seu sentido contrário. Com isso, seus governos reduziram a autonomia dos movimentos de sua base social diante o Estado, que antes combatido, agora era reforçado. Dilma [Rousseff, presidente de 2011 a 2016], é um quadro político sem histórico de militância social. E rapidamente é presa fácil em um Estado que já não sabe negociar com as forças econômicas, como fazia Lula.”.

A ausência de um ator político nas últimas eleições e “o outro lado da lua”

A última eleição presidencial brasileira, para o sociólogo, “foi fortemente influenciada pela retomada ao culto a juízes e outras personagens que reforçam uma atuação personalista e que se auto-investem o papel de refundar a história do país”. Neste cenário, “tragicamente, a esquerda se volta a um Lula, alvo dos ataques e que não poderia concorrer. Com isso, se traz à tona personagens obscuros e sem histórico nas lutas políticas democráticas. Em uma disputa eleitoral recheada de ‘salvadores da pátria’, se elegeu um parlamentar do baixo clero, que por anos nada fez, além de ser defensor de valores do patriarcado e que soube ocultar com perfeição a defesa dos interesses do mercado financeiro e do ruralismo.”.

Foto: Henrique Almeida/Agecom

“Em uma sociedade em que a economia floresce do Estado e que depende de seu suporte, se gira a roda da história para trás, alinhando o país aos interesses do [estadunidense Donald] Trump, presidente de um país com hegemonia em risco. Os efeitos perversos desse enfraquecimento já se fazem sentir na corrida armamentista e no risco ambiental que coloca em risco espécies fundamentais à vida humana.”, prossegue o cientista.

“O cenário calamitoso tem, no entanto, outro lado da lua. Nos Estados Unidos e na Europa alianças vêm se construindo em prol da democracia e por toda a parte há forças políticas e sociais se organizando. O ator em política pode muito, mas aprendemos com Maquiavel que ele não pode tudo. Nem sempre estamos ao lado dos perdedores, já tivemos vitórias, mas não soubemos aproveitar esse último momento e agora a Sociologia pode indicar o bom remédio aos males que nos afligem.”, finalizou Vianna, efusivamente aplaudido pelos presentes que lotaram o maior auditório do Estado.

Reações do público

Foto: Henrique Almeida/Agecom

Ana Lúcia, pós-graduanda de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) destacou “a lucidez de Luiz Werneck Vianna. É espantosa! Ele sintetizou a história recente do Brasil para responder a pergunta mais complexa da Sociologia. E respondeu com maestria e didática o que leva muitos anos de pesquisa científica séria e rigorosa para compreender”.

Para Luiz, mestre em Sociologia na UFSC, “a conferência é uma demonstração do nível acadêmico de excelência da Sociologia brasileira. Temos pesquisadores respeitados no mundo inteiro e hoje nossa sociedade precisa de cientistas desse gabarito. Luiz Werneck Vianna mostrou hoje porque é tão respeitado no Brasil e fora dele. Sua exposição mostra o quanto a Sociologia não somente pode, como deve contribuir para a compreensão da sociedade em geral, e do Brasil, em particular.”.

Programação do 19º Congresso Brasileiro de Sociologia

O Congresso prossegue até o dia 12 de julho, com vasta programação, que inclui mesas-redondas, minicursos, grupos de trabalho, comunicações, encontros de estudantes, mostra fotográfica e de vídeos, além de conferências com pesquisadores de renome internacional, conforme programação disponível aqui.

 

Gabriel Martins/Agecom/UFSC

Fotos: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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