(In) Segurança, violência e repressão são temáticas na 20ª Semana Acadêmica de Ciências Sociais
“A violência armada já matou 6,5 milhões de pessoas em todo o mundo desde 1990”.
Com essa frase projetada na parede, participantes acompanharam a primeira mesa de debate do segundo dia da 20ª Semana Acadêmica de Ciências Sociais, planejada e construída por cerca de 30 estudantes do curso da UFSC. De 4 a 6 de junho, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), estudantes, professores e palestrantes debateram sobre ‘O cientista social e a conjuntura’. A mesa de abertura dos debates na quarta-feira, 5 de junho, mediada pelo estudante João Pedro Klinker, abordou “Políticas Públicas – segurança, armamento e violência” e contou com a participação do professor aposentado da UFSC, Erni Seibel, e do advogado e policial militar, Robson Luiz Ceron. As temáticas dos três dias tratou, ainda: Reformas – a precarização do trabalho; Cientista Social – extensão, licenciatura e bacharelado; Repressão estatal e encarceramento em massa; Legitimidade e Estado democrático; e Estado, classe e resistência.
Ana Sofia Xavier, estudante da terceira fase do curso de Ciências Sociais e uma das organizadoras do evento, esclarece que as temáticas foram selecionadas cuidadosamente pelos alunos. “Um formulário online permitiu que todos sugerissem temas, depois agrupamos os mais relacionados e submetemos em assembleia estudantil. Trouxemos temas que não são abordados em sala de aula, para além da teoria”, diz ela.
Criada e organizada pelos estudantes, a Semana Acadêmica contou, ainda, com o envolvimento de acadêmicos de outros cursos de graduação da UFSC e da Udesc, como também da participação da aluna de pós-graduação em Ciências Humanas, Marinês da Rosa. “A exposição ‘Marias no Cárcere’ foi desenvolvido entre 2017 e 2018 em um presídio feminino. É composta por cartas e fotos construídas por meio da observação participante da pesquisadora, que permitiu a essas mulheres escreverem cartas que as colocassem em contato com o mundo exterior”, salienta Sofia, que complementa relatando que o abandono das mulheres encarceradas é alto.
A Culturata foi outra atividade realizada, também no dia 5, com o objetivo de criar um ambiente para a venda de produtos e alimentos produzidos pelos estudantes, a exposição de arte e a intervenções poéticas.
Mesa Políticas Públicas e Segurança
Um policial militar e um professor aposentado compuseram a mesa que debateu violência, medo, armamento e alternativas para uma segurança pública preventiva. Robson elencou algumas ‘pistas’ que podem colaborar na mudança de paradigmas em torno de uma segurança pública para o povo. “Queremos uma solução, por isso, primeiro precisamos começar pela visão do povo, precisamos ver o que o povo vê, e não tanto da visão de especialistas e intelectuais”.
O advogado e PM relatou que passou a analisar o tráfico nos morros há 10 anos e isso o fez tomar consciência de que o tráfico ocupa espaços negligenciados pelo Estado. “Descobri que as pessoas vivem a ditadura do tráfico, no Rio de Janeiro vivem a ditadura da milícia. Essa é uma sensação horrível para quem não está envolvida com o tráfico, por isso precisamos enxergar essa situação como uma questão social, mas sem romantizar esse sujeito e essa situação. Essa pode ser uma pista para refletirmos e tentarmos encontrar uma saída para os nossos dilemas”.
Outro ponto levantado por Ceron foi a distância existente entre manifestantes e a Polícia. Para ele, frases como ‘a Polícia tem que acabar’ provoca um distanciamento ainda maior entre esses atores. “Quando eles ouvem isso pensam: ‘Querem acabar com o meu trabalho’. Vocês acham que eles vão pensar que isso é bom? Com esse discurso perdemos o contato com uma base proletária, assalariada, que poderia ser aliada”. Para ele, uma alternativa viável seria a desmilitarização da Polícia para que ‘os praças’ possam exercer o direito à greve, por exemplo. “Hoje a função da Polícia não é de segurança pública, mas sim de defesa da segurança de uma classe dominante”.
Nesta linha de raciocínio, o professor Erni apresentou dois paradigmas sobre a segurança pública: 1. Proposta de Política Pública Preventiva, construída por forças, grupos intelectuais e instituições; 2. Política de Segurança que opera com o Confronto. “O segundo paradigma é o predominante hoje no Brasil. A política preventiva, que está alicerçada nos Direitos Humanos e nas práticas de inteligência que se relaciona com a sociedade, é deixada de lado. O que impera, e está fortalecida neste momento, é a política do confronto. E isso não é um equívoco, é um projeto proposital que organiza o interesse de inúmeros setores, tais quais o mercado, os bancos, a indústria armamentista”.
No contexto atual, a violência é respondida com mais violência. Para Seibel, uma ação fundamental é a pesquisa de vitimização que está sendo desenvolvida dentro da UFSC pois, para ele, não se faz Política Pública de Segurança sem dados. “Dentro da universidade, do espaço acadêmico, podemos nos ater às questões cruciais como essa. A opinião pública também é construída por argumentos e nós, na universidade, produzimos argumentos por meio de conceitos, pesquisas, dados, trabalhos científicos e acadêmicos, ou seja, a produção de saberes. São os argumentos que, no jogo de interação e de lutas, formam uma determinada opinião pública”.
Assim, garantir os espaços públicos para a produção de argumentos é fundamental, mas primordial é, também, fazer com que esses argumentos cheguem até a população.
Após as falas, o mediador da mesa abriu o espaço para que os presentes fizessem apontamentos, contribuições e perguntas. Nathalya Rodrigues trouxe uma experiência de infância. “Sou mulher, negra e de periferia. Na minha infância, quando brincávamos de ‘Polícia e Ladrão’, ninguém queria ser o policial”. A violência e o confronto que dominam as ações de políticas de segurança pública impossibilitaram que Nathalya criasse empatia pela polícia, e vice-versa.
- Exposição ‘Marias no Cárcere’, de Marinês da Rosa
- Exposição ‘Marias no Cárcere’, de Marinês da Rosa
- Exposição ‘Marias no Cárcere’, de Marinês da Rosa
- Exposição ‘Marias no Cárcere’, de Marinês da Rosa
- Mesa Políticas Públicas – segurança, armamento e violência
- Mesa Políticas Públicas – segurança, armamento e violência
Nicole Trevisol / Jornalista da Agecom / UFSC
*Fotos: Henrique Almeida / Agecom / UFSC