Guilherme Boulos na UFSC: ‘Universidade é espaço de pensamento crítico e debate político’
Por volta das 16h da tarde do dia 19 de março, terça-feira, uma fila composta sobretudo por jovens já se formava em frente à entrada do auditório da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Às 17h essa fila já se transformara em um grande aglomerado, que se multiplicava à medida que se aproximava a hora marcada para o evento pelo qual esperavam: a aula magna com Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e candidato à presidência da República pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2018. O evento, que foi organizado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), ocupou todo o auditório, todo o hall da reitoria e parte da Praça da Cidadania — área externa em frente ao prédio.
Boulos foi recebido em um clima caloroso e festivo, ao som de tambores e palavras de ordem: “Eu não abro mão, de liderança que faz ocupação!” “Aqui! Está! O povo sem medo! Sem medo de lutar!” Quando pegou o microfone, respondeu prontamente: “Boa noite pra essa juventude sem medo.” O ambiente de euforia perdurou durante os cerca de 30 minutos de sua fala, que foi diversas vezes interrompida pela plateia que aplaudia e ovacionava incansavelmente.
Dirigindo-se ao público que o assistia no telão instalado do lado de fora do auditório, prometeu juntar-se a eles assim que encerrasse a palestra: “É muita gente que está assistindo lá fora, a praça está lotada. Quero dizer pras milhares de pessoas que estão ali que, terminando aqui, eu vou praí bater um papo com vocês. A gente não tem medo de quem quer cercear a democracia por ameaça.” E de fato ele foi para “o meio do povo”. Para que todos pudessem ouvi-lo, seu breve discurso na Praça da Cidadania foi repetido em jogral: “Eu vim aqui fora para parabenizar cada um de vocês pela coragem, por não se intimidarem, por não caírem em provocação, pela convicção de vir aqui hoje. A universidade é espaço de debate. Ninguém vai impedir que a gente fale, se organize e lute. Resistência até a vitória.”
Universidade pública
Durante a palestra, Boulos enalteceu a importância da universidade pública como espaço para debater política e os rumos da sociedade. “Esse é um espaço do pensamento crítico, é assim que precisa ser valorizado. Nós não podemos aceitar nenhum tipo de intimidação. Por isso, fazer esse debate aqui e manter esse debate depois das ameaças que vieram é essencial. Esse dia, com esse auditório cheio e a praça super lotada, é um emblema da resistência democrática nesse país. Espero que essa noite fique marcada como um momento importante de valorização da universidade pública, de luta contra projetos privatistas, contra a tentativa de mordaça e perseguição que representa o Escola Sem Partido.”
Para o líder do MTST, as universidades sempre se constituíram em espaços propícios para se pensar alternativas, despertar sonhos e trazer esperança. “Não vamos nos esquecer que um dos grandes polos de resistência à ditadura militar nesse país, um dos grandes polos que ajudou nas campanhas pelas eleições diretas nesse país foram as universidades públicas, com estudantes, professoras e professores.”
Atual governo
Boulos também fez muitas críticas ao atual governo e à conjuntura política: “Quando Bolsonaro ganhou as eleições, parecia pra muita gente que eles eram imbatíveis e que viriam períodos sombrios nesse país. Não demorou 60 dias para que os discursos da nova política virassem um laranjal vergonhoso das práticas mais velhas da política brasileira. Não demorou 60 dias para que aqueles que diziam que garantiriam segurança pública e que acabariam com a violência fossem desmascarados como um bando de milicianos, associados às milícias no Rio de Janeiro, que é o que há de pior. Milícias que provavelmente mataram Marielle Franco, milícias que ameaçam todos os dias milhões de moradores de comunidades carentes com extorsão.”
A perspectiva de futuro é, segundo Boulos, o que está em jogo no país. “É isso que está em questão com os projetos do Bolsonaro. A começar pela proposta de reforma da previdência, que quer fazer com que cada um de nós não tenha qualquer perspectiva de se aposentar no futuro. Teremos que morrer trabalhando. Essa lógica não está só na reforma da previdência. É um ideário de sociedade que coloca o privilégio acima do direito, que coloca o ‘cada um por si’ como princípio de organização social, acima da solidariedade. É isso que eles querem fazer com a previdência e com a universidade. A lógica desse governo destrói qualquer perspectiva de futuro. O que está em jogo é a nossa geração, são as próximas gerações, são as conquistas mais básicas de uma sociedade civilizada. O que está em jogo é garantir que a universidade pública seja um direito e que uma briga no trânsito não vire um bangue-bangue. O que estamos decidindo agora é se queremos solidariedade e igualdade, ou privilégio, privatização e o ‘cada um por si’.”
Desafios
Boulos apontou o que considera os dois desafios centrais na atual conjuntura política do país: a unidade e a mobilização. “O primeiro desafio que temos é o desafio da unidade. Unidade para estar juntos na luta por direitos e contra essa reforma da previdência. Temos que construir essa unidade preservando a nossa diversidade, sem jogar a diferença para debaixo do tapete. Mas precisamos ter a maturidade de compreender que é preciso enfrentarmos juntos esse projeto que quer destruir nosso futuro. Só vamos barrar esse projeto se construirmos uma oposição firme, que volte a dialogar, a acolher e a construir relações de solidariedade e afeto. Temos de considerar que nosso campo se afastou das periferias, das bases. Nossos espaços têm que ser acolhedores e inclusivos, não podem ter aquela linguagem que ninguém entende. Nossa linguagem tem que atravessar os muros e falar com a maioria do povo brasileiro.”
A aula magna foi encerrada com palavras de esperança aos movimentos sociais e apoiadores: “Essa noite bonita não pode acabar hoje. Ela tem que ter continuidade e se desdobrar em mais organização e mais luta. O que nos move é a esperança. Eu tenho visto, nesse período, muita gente chateada, desmotivada e achando que não tem jeito. A gente abre o jornal e é um retrocesso atrás do outro. Mas temos de seguir adiante, porque por mais duro que seja atravessar esse inverno, ele sempre anuncia a chegada de uma nova primavera. E nós vamos construir essa primavera. Nós estamos semeando essa primavera e vamos nos organizar e resistir. Vamos seguir lutando. Parabéns a vocês que venceram o medo!”
Texto: Daniela Caniçali e Gabriel Martins/Agecom/UFSC
Fotos: Jair Quint
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