Simpósio de futebol encerra com debate sobre projetos sociais promovidos por jogadores brasileiros
“Os jogadores brasileiros de futebol que alcançaram o sucesso profissional têm uma imensa preocupação em demonstrar que não esqueceram seu passado de pobreza”. As possíveis causas e as ínfimas consequências dos projetos sociais promovidos pelos mais notórios brasileiros que jogam futebol profissionalmente foram os eixos da palestra proferida por Simoni Lahud, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A palestra encerrou o III Simpósio de Futebol, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGAS) da UFSC e pelo Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem (Navi), que tinha como tema “nossa América em campo”. Simoni realizou a palestra pela internet, em substituição à fala que seria realizada por Pablo Alabarces, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina, que teve problemas pessoais.
A partir das 14h, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da UFSC, os participantes do Simpósio debateram com a professora da UFF sobre os aspectos antropológicos que envolvem os jogadores brasileiros.
Os “estrangeiros” e a mercantilização do futebol
Simoni iniciou sua fala apontando que o futebol teve uma acelerada mercantilização a partir da década de 1990. Com isso, os principais futebolistas passaram a atuar em grandes equipes das principais ligas europeias.
É perceptível esse vertiginoso êxodo e, para demonstrá-lo, Simoni apresenta a proporção de jogadores que atuam no exterior em relação aos atletas que atuam em clubes brasileiros, conforme as convocações para a representação da Seleção Brasileira de Futebol em Copas do Mundo. Até 1978 somente eram convocados atletas que atuavam no Brasil. A partir das Copas de 1982 e 1986, futebolistas vinculados a clubes estrangeiros passaram a integrar a seleção nacional de futebol. Nessas duas edições, todavia, apenas 4 dos 22 convocados atuavam em equipes estrangeiras.
Nas duas Copas seguintes, 1990 e 1994, as convocações passaram a ser praticamente divididas entre jogadores de clubes brasileiros e estrangeiros. 12 dos 22 em 1990, e 11 dos 23 em 1994. A partir de 1998, entretanto, os atletas que atuavam na Europa passaram a ser a maioria na Seleção Brasileira de Futebol, quando 18 dos 23 atletas atuavam no velho continente, contra 5 oriundos de clubes do país.
E é em 1998 que Simoni identifica a origem dos projetos sociais dos mais bem-sucedidos jogadores brasileiros de futebol. O fracasso daquela seleção, derrotada na final do torneio, foi atribuído à composição predominantemente “estrangeira” – ou “europeia” – da equipe nacional. Acusados de terem “esquecido” seu passado pobre e se deslumbrado com a riqueza proporcionada pelos novos altos salários introduzidos no mundo do futebol a partir da década de 1990, os futebolistas brasileiros passaram a realizar obras sociais em se nome.
Obras sociais de atletas do futebol: origem pobre dos ricos, destino pobre dos pobres
Coincide com esse período o crescimento de obras sociais de jogadores de futebol no Brasil. Em geral, essas iniciativas recebem o nome do próprio atleta e são promovidas em sua região de nascimento. Ao reafirmarem seu vínculo com a origem pobre, via projetos sociais, os jogadores brasileiros se blindariam, segundo Simoni, das críticas que os situam em um eventual desprezo por sua origens. Além disso, esses jogadores se apresentam como caminho a ser trilhado por outros jovens de origem pobre.
Os projetos, em geral, são bastante variados, mas tendem à centralidade ao futebol. A despeito das declarações de que não se constituem em “escolinhas de futebol”, muitos desses projetos são desenvolvidos em fundações que exigem contrapartidas como estar matriculado em uma escola, o que gera críticas como “incluir os já incluídos”. Em sua maioria, os projetos não apresentam mais atividades além das esportivas, mas não é raro haver agentes a procura de futuro atletas.
Dessa forma, os projetos apresentam uma característica semelhante às “peneiras” realizadas pelas equipes de futebol visando à seleção de futuros jogadores. Como nessas “peneiras”, poucos jovens prosseguem e a imensa maioria passa por sua infância/adolescência em um projeto em que, após determinada idade a na dificuldade de cumprir com alguns requisitos, saem sem grandes perspectivas. Além disso, o futuro das meninas no esporte ainda é uma incógnita, dado o reduzido mercado para o futebol feminino.
Diante deste cenário, Simoni aponta para a projeção da imagem dos grandes jogadores através desses projetos sem que haja um impacto social efetivo dessas ações. Blindados, os atletas brasileiros reafirmam sua “humildade” e “memória da origem pobre”, protegendo-se das críticas que sugerem que estes comportamentos afetem seu desempenho esportivo.
Gabriel Martins/Agecom/UFSC