Marcelo Freixo e Luiz Eduardo Soares abordam a violência nas prisões em aula magna
A aula magna realizada na noite desta segunda-feira, 17 de abril, trouxe à UFSC o deputado Marcelo Freixo e o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Com o tema “O que acontece nas prisões?”, a aula inaugurou o segundo módulo do curso “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência?”. O evento, organizado pelo Centro de Estudos em Reparação Psíquica de Santa Catarina (CERP-SC), lotou o auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos, que tem capacidade para 1.375 pessoas.
Luiz Eduardo Soares deu início à sua apresentação com os números oficiais sobre a violência no Brasil. O antropólogo apontou que dos quase 60 mil homicídios dolosos cometidos no território nacional, somente 8% é investigado. Isso não faz do país, no entanto, o “paraíso da impunidade”, conforme afirmou. Segundo Soares, o Brasil além de possuir a quarta maior população carcerária do mundo, é ainda a nação com maior crescimento relativo e absoluto dessa população, com mais de 700 mil presos. Desses, 28% são associados à Lei de Drogas – em sua maioria presos em flagrante, sem vínculo com organizações criminosas ou porte de armas.
Ao ingressar no sistema penitenciário, esses sujeitos acabam sendo aliciados pelas facções que controlam os presídios brasileiros, em um vínculo que, segundo suas palavras, “perdura pela vida”. O trágico desta situação, todavia, deve-se ao fato da legislação brasileira que trata das execuções penais não permitir a manutenção desses indivíduos sem uma audiência de custódia. São, portanto, presos em condições provisórias que são alocados forçadamente em um local que os obriga à filiação a organizações criminosas por toda a sua vida.
O perfil da população carcerária – majoritariamente negra, jovem e pobre – é, segundo Soares, a expressão do racismo estrutural e é resultado da imbricação entre a violência policial e a política de drogas no Brasil. Manifestando-se contra a militarização da polícia e a favor da legalização das drogas, o antropólogo destacou que a polícia militar é proibida de investigar e incitada a produzir, o que aumenta o número de prisões decorrentes de crimes passíveis de flagrante, que são aqueles que não envolvem organização e planejamento, como a venda de drogas.
Marcelo Freixo e amnésia social
O deputado Marcelo Freixo iniciou a sua fala com um questionamento: “o que são as prisões?”. Em seguida ofereceu uma resposta: “É onde depositamos nossos medos, e depois tratamos com amnésia.” Segundo Freixo, enxerga-se a prisão como o lugar do outro, e essa diferenciação com que a população trata os presos legitima a barbárie.
Freixo, que começou sua militância como professor no sistema prisional, em 1989, falou sobre a importância de um maior engajamento das universidades nos presídios. “As universidades precisam sair de seu privilégios para debater temas que não batem à sua porta”, disse ele. Também chamou à atenção ao número de presos provisórios no Brasil, cuja proporção beira os 40% da população carcerária. Freixo ainda destacou que muitos daqueles que estão presos provisoriamente recebem penas alternativas ao encarceramento depois de julgados, indicando que sequer deveriam ter permanecido presos. Como Soares, o deputado apontou que ao ingressarem no sistema carcerário, esses sujeitos, de maioria jovem, negra, pobre e residente das periferias urbanas, filia-se a facções como forma de proteção.
Desse modo, contribuiria ao poder das facções a crescente população carcerária no país de jovens que cometem pequenas infrações e que ficam detidos antes mesmo de serem julgados. O deputado apresentou os dados atuais da proporção de pessoas presas no Brasil, cuja média é de 306 pessoas aprisionadas para cada cem mil habitantes, contra uma média mundial de 144 indivíduos para a mesma proporção.
Além de números absolutos e relativos, Freixo destacou outro fato que considera relevante: há uma preocupante e crescente superlotação nos presídios brasileiros, ampliando as demandas e necessidades dos detentos e acrescendo força às facções nesses locais. Dos detentos, cerca de metade são presos provisórios, que muitas vezes não precisariam sequer ingressar em um presídio. Nesse sentido, reduzir a superlotação carcerária no Brasil, mediante audiências de custódia que não encarcerem indivíduos que não representem risco iminente à sociedade, reduziria o poder das facções.
Sendo a maioria dos detentos composta por jovens negros, pobres e residentes nas periferias urbanas, as facções têm, segundo o deputado, seu poder extrapolado ao cárcere e passando crescentemente a controlarem também as periferias em que esses jovens habitam. Com isso, ao ingressar em uma penitenciária é comum que ele seja questionado por um agente do Estado a respeito de qual facção pertence e, diante de uma resposta de que o detento não está vinculado a nenhuma organização criminosa, o agente questione o detento sobre seu local de residência e o encaminhe a uma unidade prisional controlada por uma facção que controle também o local de residência do apenado.
Freixo ainda aponta que o debate vai além do que acontece nas prisões: a forma como tratamos os presos diz respeito ao modelo de sociedade que queremos. “Os guetos viraram prisões sociais, e as prisões são guetos do judiciário”, disse o deputado. E afirmou ainda que “o debate sobre as prisões é o debate sobre o modelo de sociedade, e é, portanto, o debate sobre a democracia”.
Diante da carência de políticas públicas de saúde, educação, de combate às facções e das condições de trabalho e vida de agentes e detentos, o deputado é enfático: “Não ter políticas públicas nas prisões é a política pública brasileira”. E finalizou sua explanação com duras críticas não somente ao modelo vigente, como também às tendências nacionais, afirmando que: “todo estado mínimo precisa de um estado penal máximo”.
Ao fim do debate, com o auditório ainda lotado, a plateia teve a oportunidade de fazer perguntas. Após muitos questionamentos, Soares e Freixo reafirmaram seus pontos de vista e discorreram sobre a necessidade de combate ao modelo de sociedade que considera como justiça a vingança e que, por esse motivo, tende a considerar a condenação como uma punição que coibiria futuros crimes, condenando permanentemente aqueles que cometeram um crime anteriormente. Ambos responderam ainda a questionamentos sobre seus posicionamentos políticos, seu papel na militância pelos direitos humanos e os caminhos das políticas de segurança pública no Brasil.
Texto:
Gabriel Martins/Equipe Agecom/UFSC
Lavínia Beyer Kaucz/Estagiária de Jornalismo da Agecom/UFSC