Conferência internacional na UFSC aborda histórias de vida e saúde
Jacques Rhèaume, professor emérito da Universidade de Quebec, Canadá, falou, em 26 de outubro, sobre Histórias de Vida e Saúde sob a perspectiva da Sociologia Clínica. A debatedora foi a professora Magda do Canto Zurba e o evento, que integrou o Ciclo de Conferências em Psicossociologia e Sociologia Clínica, foi promovido pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC. Jacques realiza parte de suas pesquisas num Centro de Saúde de bairro em Montreal, Canadá, no qual a maioria das pessoas é de imigrantes. Também realiza trabalho semelhante com equipe interdisciplinar em Paris, França. A Sociologia Clínica tem uma abordagem específica em relação às histórias de vida e com o tema Histórias de Vida e Saúde, são realizados seminários. Neles se discutem a noção de saúde e doença e como se constroem as histórias de vida.
O pesquisador explicou a diferença de história de vida e narrativa de vida. Na história é priorizada a dimensão temporal: de onde venho, como me desenvolvo e até onde vou. Na perspectiva que a noção de temporalidade é essencial, isto é “o homem é temporalidade”. Jacques afirma se afinar com esta visão sartriana. Na narrativa, o foco é a expressão, o discurso, falar da vida, ou escrever, desenhar, fazer poema, ou peça. Portanto as duas noções são complementares. É empregado também o recurso da narrativa autobiográfica — na qual contamos nossa história ou de outro. Neste caso se verifica quem intervém e com quem? E, qual o objetivo? Também são trabalhadas as narrativas coletivas que trazem conhecimento, mas também mudança na direção da empresa que demandou o trabalho.
A narrativa de vida é um meio de pesquisa, mas parta, mas há sempre problemas éticos e deontológicos específicos, já que se lida com uma zona bem pessoal. É necessário então definir o quadro preciso do trabalho e que as pessoas estejam de acordo.
O professor também explicou o porquê de ser sociologia clínica, dizendo que no conceito há uma metáfora — a ideia de estar próximo da pessoa, uma dupla aplicação. A pessoa que conta está implicada, mas o pesquisador também se implica. É um método delicado para o qual é necessário fazer formação.
A abordagem da sociologia clínica trabalha também com o romance familiar (Roman familial) e com trajetória social usando a técnica desenvolvida por Vincent de Gaulejac, a partir das observações descritas em Romances Familiares, de Freud, que relatou que seus pacientes sempre colocavam as questões de sua origem: “São meus pais verdadeiros?”,” Se não são, quem seriam?” Meus pais poderiam ter sido melhores que meus pais atuais”? Estas questões compõem os “fantasmas” do indivíduo e por meio de relatos são reelaboradas. O relato é, portanto um pouco ficcional, pois sempre há certo arranjo subjetivo da história. A pessoa depende do relato dos outros, da família, dos vizinhos, amigos e a partir disto se tenta construir uma história. Em relação à trajetória social, o foco é o desenvolvimento da pessoa e inserção em grupo social. Um indivíduo muda muitas vezes de lugar social e faz também suas escolhas pessoais. A trajetória social é resultado do projeto pessoal e tenta-se fazer com ela uma relação com uma dimensão objetiva. Daí se cunhou um novo termo” Projetória” (uma palavra que uniria projeto e trajetória).
O seminário é focado prioritariamente no conceito de saúde, porque após realizar vários seminários sobre outros temas como dinheiro e família, se observou que as questões da saúde e da doença apareciam recorrentemente nas histórias de vida, principalmente nas histórias geracionais: famílias com saúde, famílias marcadas com doenças e perdas precoces.
Jacques falou sobre a raiz latina comum dos termos saúde e salvar — tanto em português como em francês. Também questionou a definição de saúde, que geralmente é feita a partir da ausência de doença. Leu a definição da Carta de 1986 da Organização Mundial de Saúde e destacou que há três conceitos implicados — o de promoção da saúde, o de prevenção e o de tratamento. O último é que é sempre priorizado nos orçamentos. As políticas agem sobre os fatores de risco e não sobre a promoção e prevenção. As noções de saúde e doença são altamente arbitrárias e dependem de normas que se desenvolvem em instituições de saúde que variam muito conforme, por exemplo, a localização de um posto de saúde.
Nos seminários sobre saúde se trabalham questões como: qual a concepção de saúde e doença que se tem e a partir de que bases familiares e sociais foram montados estes conceitos, quais as âncoras sociais e normativas da saúde impressionaram física e mentalmente a pessoa e quais as principais questões éticas e políticas que tocam a saúde, a vida e a morte a partir da história de vida de cada pessoa. Também se trabalha com o desenho de uma árvore genealógica em que o indivíduo deve traçar três gerações até os bisavós ou, se for aplicável, até os bisnetos. Solicitam-se as grandes características: onde nasceram, época, grau de educação, situação financeira, ocupação e também se houve mortes precoces, se há presença de doenças físicas e/ou mentais para que se compreenda o conceito de transmissão. É pedido, ainda, que se faça um desenho de si mesmo em boa saúde.
A trajetória pessoal e social acentua uma linha que fica ao lado dos eventos particulares de doenças e outras situações que foram vencidas. Partilha-se em grupo e se faz uma reflexão teórica. Os efeitos são terapêuticos, sem que seja uma terapia, mas não se pode controlá-los. Porém o efeito de contar sempre leva a uma compreensão melhor de si e do seu desenvolvimento.
De acordo com o grupo que se tem pode-se ir mais longe, discutindo questões como o sistema de saúde, a organização do trabalho, o desgaste profissional, o assédio psicológico entre outras questões. Portanto, o foco é escolhido diferentemente conforme o grupo reunido.
Informações: contato@magdazurba.com.br
Alita Diana/Agecom/ UFSC
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Fotos: Henrique Almeida/Agecom/UFSC