UFSC obtém autorização judicial para cultivar e produzir insumos de Cannabis em pesquisa científica

01/12/2022 14:00

Yara foi a “paciente zero” do professor Erik Amazonas. Aos oito meses de idade, a cachorrinha começou a usar o óleo de Cannabis, ou canabidiol, para tratar suas crises convulsivas. Foto: arquivo pessoal

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é a primeira instituição de ensino superior do País a obter uma medida judicial que lhe permite produzir todos os insumos para a pesquisa da aplicação da Cannabis na área da medicina veterinária. A 1ª Vara da Justiça Federal, em Florianópolis, concedeu um salvo-conduto que autoriza o pesquisador e professor Erik Amazonas, do Centro de Ciências Rurais (Campus de Curitibanos), a realizar o cultivo, preparo, produção, fabricação, depósito, porte e prescrição da Cannabis sativa.

Com isso, a Faculdade de Medicina Veterinária do Campus de Curitibanos, pioneira no ensino do uso veterinário da Cannabis no Brasil, conquistou o inédito direito de cultivar a planta para fins de pesquisa veterinária.

O professor Amazonas coordena a linha de pesquisa “Endocanabinologia e Cannabis Medicinal”, do Grupo de Estudos em Produção Animal e Saúde, que busca “traçar o perfil terpenofenólico de diferentes linhagens de Cannabis spp a fim de categorizar as diferentes linhagens quanto ao seu real conteúdo de canabinoides e terpenos” – existem centenas de variedades de Cannabis spp. A pesquisa também objetiva reunir conhecimento sobre os óleos derivados de diferentes linhagens e comparar métodos de extração de compostos.

Está no escopo do estudo avaliar o uso de medicação à base de terpenofenóis em animais não humanos. Formulações de uso tópico contendo Cannabis serão analisadas quanto ao seu potencial cicatrizante e anti-inflamatório, efeito inseticida, repelente, mosquicida e anti-helmíntico e efeito desinfetante. Até mesmo o uso alimentar em animais não humanos será pesquisado. O grupo reúne, além de Amazonas, outros seis professores, um servidor técnico-administrativo, alunos de graduação e pós-graduação do campus de Curitibanos e um consultor externo.

“O cultivo pela universidade permitirá, além da pesquisa e uso clínico veterinário, a caracterização química de diferentes linhagens e seus produtos, permitindo uso científico mais criterioso, o desenvolvimento de linhagens, de tecnologias e processos de produção para um promissor setor econômico ainda nascente no país, além de capacitar os acadêmicos de medicina veterinária, agronomia e engenharia florestal do campus na vanguarda da ciência canabinoide”, entusiasma-se o professor Erik Amazonas. Ele acredita que a pesquisa contribuirá para a efetiva regulamentação da prescrição veterinária no Brasil junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Importação

Na sua decisão de conceder habeas-corpus preventivo ao professor Erik Amazonas, para que ele não sofra medidas restritivas por parte de autoridades policiais ou judiciárias, a juíza Simone Barbizan Fortes destaca que, apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter aprovado a regulamentação do uso medicinal da maconha, a resolução não autoriza o plantio da Cannabis. “Desse modo, as pesquisas dependeriam da importação dos princípios ativos, o que as tornaria inviáveis, especialmente considerando os cortes orçamentários de que vêm padecendo as instituições de ensino superior federais”, escreveu a juíza.

Erik Amazonas é professor do Curso de Medicina Veterinária do Campus de Curitibanos da UFSC. Foto: arquivo pessoal

Ela também cita que a legislação sobre drogas (Lei 11.343/2006), que proíbe o plantio de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas drogas, contém uma exceção para “fins medicinais ou científicos”. Na visão da magistrada, a pesquisa vai ao encontro do direito animal à saúde e poderá contribuir para subsidiar os debates sobre a regulamentação do uso da Cannabis ao estudar os benefícios à saúde e possíveis efeitos colaterais.

Pela decisão, o cultivo da planta deverá ser nas dependências da Universidade, em local definido pela própria instituição. O endereço onde a produção artesanal e o armazenamento do extrato poderão ser realizados é no Campus de Curitibanos da UFSC.

Potencial medicinal

De acordo com o texto de apresentação do projeto de pesquisa registrado na Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (Propesq), a Cannabis sativa tem sido utilizada há pelos menos 3 mil anos antes de Cristo (AC) para os mais diversos fins, entre medicinais, recreativos, religiosos, espirituais e industriais.

As pesquisas atuais estão concentradas no potencial medicinal dos compostos terpenofenólicos – mais de 150 canabinoides e mais de 140 terpenos. “O estudo destes compostos levou ao isolamento dos dois principais canabinoides presentes na planta, o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC)”.

Esses canabinoides têm receptores no Sistema Endocanabinoide (ECS) presente em todos os animais vertebrados e que tem um importante papel na regulação da estabilidade de todas as células e sistemas destes organismos. Estudos têm demonstrado que o Sistema Endocanabinoide participa da regulação de processos imunológicos, neurológicos, metabólicos e cardiovasculares.

Livro

Preocupado em trazer luz ao uso veterinário da Cannabis, o professor Erik Amazonas introduziu, em 2018, a disciplina de Endocanabinologia na grade curricular da medicina veterinária, preenchendo uma lacuna importante na formação dos futuros profissionais. No mesmo ano, abriu linha de pesquisa e extensão no Campus, e iniciou os processos para a autorização de cultivo ao Ministério da Agricultura e Pecuária e à Anvisa.

Desde então o grupo de colaboradores da linha de pesquisa se estendeu globalmente, rendendo publicação de artigo científico e do primeiro livro sobre medicina veterinária canabinoide do mundo (Cannabis Therapy in Veterinary Medicine: a complete guide), além do primeiro Simpósio Internacional de Medicina Veterinária Canabinoide, em Florianópolis, e tem grande colaboração com múltiplas associações de pacientes, científicas e educacionais de Cannabis no Brasil e no mundo.

 

Luís Carlos Ferrari/Agecom/UFSC

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