Pesquisa interdisciplinar busca medir vulnerabilidades e resiliência da Amazônia

02/03/2021 12:14

Estudo envolve especialistas em matemática, computação, ecologia e processos hidrológicos. Foto: Deliane Penha

Em seus mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia é bastante heterogênea. Suas milhares de espécies de plantas habitam ambientes diversos, repletos de particularidades e sujeitos a variados tipos de perturbações de origens naturais e humanas – como secas, queimadas e desmatamentos. Entender como esses distúrbios afetam o crescimento e a morte da vegetação é essencial tanto para a implementação de políticas de conservação e recuperação do bioma quanto para sabermos o que esperar do futuro da maior floresta tropical do mundo.

É justamente com a intenção de desenvolver ferramentas que possam colaborar com essa compreensão que um grupo interdisciplinar de pesquisadores se uniu, sob coordenação da professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Marina Hirota. A proposta da equipe é identificar os mecanismos relacionados às respostas de diferentes espécies de plantas à falta de água para, então, desenvolver um framework – uma espécie de modelo que possa ser aplicado para medir a resiliência da floresta, ou seja, sua capacidade de resistir e recuperar-se diante de situações adversas. O projeto de pesquisa é financiado pelo Instituto Serrapilheira, instituição privada de fomento à ciência, e conta com a participação de especialistas em matemática, computação, ecologia e processos hidrológicos da UFSC, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Rutgers University (Estados Unidos), da University of Birmingham (Inglaterra) e da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha).

Marina explica que a seca na Amazônia tem se intensificado de forma recorde nos últimos anos. As mudanças climáticas e de uso da terra e o aumento do desmatamento já provocam alterações no regime de chuvas, na vulnerabilidade da floresta ao fogo e na mortandade de espécies. E, se nada for feito, essas questões só irão se exacerbar. A previsão dos cientistas é que o aumento da temperatura e a diminuição das chuvas provoquem secas cada vez mais prolongadas e severas – daí a necessidade de contarmos com dados confiáveis e a capacidade de fazer previsões.

Professora do Departamento de Física da UFSC, Marina Hirota coordena o projeto. Foto: Leandro Giacomin

A ideia da pesquisa é partir da análise do que acontece no nível do indivíduo – como cada planta reage à falta de água – e ir ampliando a escala para os modos de persistência de comunidades de plantas e regiões inteiras, até, por fim, chegar a um modelo que contemple todo o ecossistema amazônico. “A primeira inovação é conseguir ver da escala do indivíduo como a gente faz um upscaling para a escala da bacia inteira, ou pelo menos dar os primeiros passos. Acho que a gente não vai resolver esse problema, mas começar a pensar nesse sentido”, comenta a professora, ressaltando a intenção de identificar processos e interações que ocorrem no ecossistema. Diferentes espécies de árvores, por exemplo, podem responder de formas variadas à mesma perturbação, mas “será que a bacia inteira é a soma de todas as árvores? Ou será que acontece alguma coisa diferente?”, questiona a docente. 

Segundo ela, ainda não se conhece exatamente os mecanismos que determinam a morte ou a sobrevivência dessas plantas. “Ninguém sabe o que acontece na árvore ou numa comunidade de árvores, ou na bacia inteira, se essa mortalidade se propaga no espaço, se não se propaga. Se uma árvore morrer, será que o entorno morre? Em quanto tempo?” É aí que, para Marina, reside o segundo aspecto inovador do estudo: o desenvolvimento de um framework capaz de analisar o crescimento e a mortalidade de plantas e, portanto, quantificar a resiliência da floresta. 

“Basicamente, o que está dentro desse framework é como a biodiversidade, ou seja, como a diversidade que existe no sistema que você quiser definir, influencia a resiliência, a persistência. Quanto mais biodiverso, a gente hipotetiza, mais resiliente a uma determinada perturbação. Isso teoricamente vale. Na teoria matemática, vale. Tem modelos que mostram isso, mas a gente quer mostrar com dados de campo. E depois, como a resiliência influencia de novo a biodiversidade. Você forma esse loop, porque, dependendo da resiliência, você vai ter uma seleção de novas plantas que vão continuar ali. Então a biodiversidade vai aumentar ou diminuir a partir da resiliência, que é guiada pela biodiversidade de novo”, explica a professora. Uma vez desenvolvido, a expectativa é que o framework possa ser aplicado também a outros tipos de perturbações, como queimadas e desmatamentos, e até a outros biomas, desde que receba as devidas adaptações. 

Trabalho de campo 

Os trabalhos de campo tiveram início em novembro de 2020. Foto: Deliane Penha

É importante ressaltar que os mecanismos envolvidos na morte de plantas por seca são diferentes daqueles envolvidos em outros distúrbios. Para o estudo, portanto, foi preciso selecionar um local sem ação humana, na qual a única perturbação existente seja de fato a falta de água. O escolhido foi a Floresta Nacional do Tapajós (Flona do Tapajós), unidade de conservação federal localizada no oeste do Pará. Com estações secas e chuvosas bem definidas e áreas já previamente delimitadas para os estudos do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), é o laboratório perfeito para os cientistas.

A análise contempla seis áreas de 10 mil metros quadrados cada, todas bastante variadas entre si. A primeira fica na beira de um igarapé, um dos pequenos rios que correm em meio à floresta; a segunda, em um platô, um pouco acima do primeiro ponto; a terceira e a quarta estão em locais onde há as chamadas Terras Pretas de Índio, solos de altíssima fertilidade, resultados da ação de comunidades indígenas há milhares de anos; por fim, as duas últimas áreas ficam na savana de Alter do Chão – regiões de baixa biodiversidade e solo mais pobre, o que provavelmente também se deve à ação humana de milhares de anos atrás. “Ali, para mim, é um parque de diversões para fazer teste científico com plantas. No mesmo clima, pode-se testar um monte de condições finas que tem ali na volta”, afirma Marina.

O estudo envolve o levantamento e a identificação das plantas existentes em cada área; a medição, por meio de instrumentos específicos, da resistência e da tolerância de diferentes espécies à seca; e uma análise da Zona Crítica, região que abrange a superfície da Terra e tudo aquilo que vem logo abaixo dela, incluindo solo, água e rochas. Os trabalhos práticos na floresta começaram em novembro de 2020, e estão previstas mais duas visitas ao longo deste ano: a primeira em março, durante o período de chuvas; e a outra, na estação seca, que vai de meados de junho ao início de dezembro. Cada uma dessas etapas presenciais irá durar em torno de três meses. Paralelamente, serão feitas medidas mensais da altura do lençol freático pelo período de um ano. 

Os prazos podem sofrer alterações por causa da pandemia de Covid-19, mas a ideia é que, em abril de 2022, a equipe já tenha os dados necessários para aplicar no modelo matemático que vem sendo desenvolvido – e que também será aprimorado a partir das informações coletadas. “Nesse sentido é que a gente começa a trabalhar com um modelo de upscaling, para conseguir fazer um modelo para a bacia inteira, fazer previsões para o futuro, medir resiliência, etc. Tudo parte do campo e se desenvolve depois. Nesse primeiro ano e meio mais ou menos, a gente vai para o campo, se tudo der certo, né, por causa da pandemia, mede as coisas e depois começa a trabalhar com a parte matemática mesmo. Já estamos trabalhando com a parte matemática, mas, com os dados reais, só depois. Agora estamos fazendo simulações e testes gerais”, relata Marina. O projeto está programado para durar até 2023.

A professora ressalta ainda a importância de a equipe de pesquisa incluir pessoas da região amazônica: “Uma das pós-doutorandas do projeto é de lá, isso significa que ela tem outra visão e outra perspectiva do mesmo problema. Vai ter agora um aluno de mestrado que também é de lá. Selecionar um grupo de pesquisa para o projeto, era uma coisa que já tinha na cabeça, mas não é a mesma coisa que colocar em prática. Quando se coloca em prática, parece que tantas portas abrem. Está sendo incrível, e isso não seria possível se não houvesse pessoas que são de lá trabalhando no projeto, que conhecem os caminhos e formas de fazer muito diferentes do que nós faríamos sem ter essa experiência”.

 

Camila Raposo/Jornalista da Agecom/UFSC

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