Palestrante reflete sobre eficácia do uso da tecnologia no combate à criminalidade
A tecnologia previne crimes? O que é mais eficaz, investir em iluminação pública ou em câmeras de vigilância? O uso de câmeras corporais é inovador? Questionamentos como esses fizeram parte da reflexão trazida pelo professor Lucas de Melo Melgaço, pesquisador da Vrije Universiteit Brussel, em Bruxelas, Bélgica. Melgaço foi o último palestrante do Seminário Internacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Segurança Pública (Sicti), encerrado nesta sexta-feira, 29 de junho, no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Com a palestra intitulada “O que há de novo no front? Uma reflexão sobre a eficiência das novas tecnologias da informação em segurança pública”, Melgaço buscou confrontar concepções já difundidas a respeito do uso de tecnologias no combate à criminalidade com inovações que têm surgido e sua eficácia. Geógrafo formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), atua nas áreas de planejamento urbano e segurança pública, violência, vigilância informacional, conflitos em espaços públicos, movimentos sociais e novas tecnologias da informação e comunicação. Além disso, é editor-chefe da revista Criminological Encounters.
Após questionar a plateia sobre se vale a pena investir em câmeras de vigilância e em novas tecnologias, o pesquisador respondeu: “É muito complexo”. E seguiu questionando: “Ontem, alguns palestrantes apontaram a possibilidade de se investir em câmeras corporais, ou bodycams. É uma inovação? Pensem comigo. Ela é transformadora, é uma coisa que veio para ficar? Vai transformar processos?”. As respostas não vieram automáticas, do palestrante, e sim por meio de exemplos, que demonstraram que essas perguntas não têm respostas prontas. Assim, demonstrou a necessidade de estudo antes de tomar decisões de investimento em tecnologia para a segurança pública.
Melgaço falou sobre os conceitos de inovação e de vigilância. Inovação, conforme apontou, é algo que causa uma transformação, traz mudanças duradouras. Vigilância, ele explicou, é uma área que ele pesquisa há algum tempo, e é o monitoramento de pessoas com o objetivo de regular ou controlar seus comportamentos e um exercício de poder através do monitoramento. A vigilância, apontou o palestrante, está em todo lugar. E comentou conceitos como o de Big Brother (do livro 1984, de George Orwell) e do modelo panóptico (do livro Vigiar e Punir, de Michel Foucault), pelos quais se afirma que as pessoas podem se disciplinar se pensarem que estão sendo vigiadas. “Hoje a vigilância está em todo lugar, vivemos em uma sociedade de vigilância”, salientou.
“A tecnologia não é um dado neutro, ela pode ser precisa e fechada e mesmo assim ser manipulada. Há sempre um uso político por trás da tecnologia”. O tipo de pergunta que chega para o pesquisador em seu trabalho na academia, vêm, muitas vezes, de gestores públicos que procuram investir em segurança e querem saber o que é mais eficaz, o investimento em algo como iluminação pública ou em câmeras de vigilância? A resposta geralmente é: “depende”.
“Depende muito do contexto”
Em um caso específico, de um gestor de uma cidade da Bélgica que procurava saber qual investimento era mais eficaz, Melgaço pesquisou na literatura científica e encontrou respostas variadas. “Há projetos-piloto que dizem que as câmeras funcionam, outros que não funcionam. Que é eficiente para alguns crimes e não para outros. Outros dizem, funciona, mas é muito caro. A literatura basicamente diz: ‘não se sabe, depende muito do contexto’”, apresentou.
Melgaço exemplificou o quanto é difícil apontar se a diminuição da criminalidade, quando ocorre, se atribui à instalação de câmeras ou por outros motivos. A mensuração dos custos, ele aponta, também é complicada, uma vez que não se limita apenas ao preço de cada câmera, e sim a um projeto, que inclui uma sala de situação, manutenção desses aparelhos, pagar alguém para ficar assistindo.
Quando o crime já aconteceu e as câmeras são utilizadas para investigar, elas têm uma funcionalidade maior. Mas, em tempo real, o que a literatura tem mostrado é que há mais discurso que realidade. “A ideia de que você coloca um sistema de vigilância em uma cidade que vai conseguir monitorar o crime em tempo real, isso é discurso, não é realidade. Mesmo que haja um caso aqui ou outro ali, uma pessoa identificada cometendo um crime, acontece. Mas de modo geral não há pessoal suficiente para monitorar. Em Bruxelas há em torno de quatro mil câmeras. É fisicamente impossível monitorar simultaneamente todas essas câmeras”, afirma.
“Minha função aqui, hoje, é inserir o ‘porém’”, reiterou o pesquisador. Melgaço apresentou novas tecnologias como as câmeras smart e suas aplicações, e continuou colocando exemplos de quando esses equipamentos não funcionam, ou seus sensores levam à identificação de falsos positivos ou falsos negativos. Concluiu que as tecnologias funcionam, sim, no entanto, “há muitos poréns, muitas dúvidas!”. Uma delas é no que diz respeito à privacidade, que Melgaço defende que deve ser levada em consideração, mesmo que o crime esteja aumentando. “Não estou dizendo, ‘não invista em câmeras corporais’, estou dizendo que ‘é complicado’. Não digam que ‘basta investir em tecnologia, em inovação, que vamos conseguir mudanças’. Não é bem por aí”.
Melgaço discutiu, ainda, termos que são estudados na Academia no que se relaciona à tecnologia, como “tecnofetichismo” – o ato de colocar esperanças na tecnologia, que leva a grande possibilidade de frustração, segundo ele. Outro conceito, o de “teatro da segurança”, conclui que divulgar investimentos em tecnologia tem impacto mais importante do que saber se a tecnologia realmente funciona.
“Cada lugar tem sua especificidade. Quando se traz a tecnologia pronta, é preciso adaptá-la para aquele contexto, aquele lugar. Sou um entusiasta da tecnologia, mas proponho que se vá além do discurso de ‘estamos investindo em números de câmeras’ e se estude se essa tecnologia realmente se aplica à necessidade do lugar onde ela será instalada”, ressalta Melgaço.
Impressões
Um dos participantes do evento, painelista convidado representando a empresa de tecnologia Suntech Verint, Rafael da Rosa Righi, apontou que é preciso investir em um tripé: tecnologia, processo e pessoas. “Só trabalhar com tecnologia para monitorar fontes [como redes sociais, blogs e a dark web] e coletar dados não é suficiente, tem que haver uma política de como esses dados serão utilizados, de bom uso das informações, para permitir que esse volume de dados realmente sirva para combater o crime”, explica. A tecnologia que coleta uma massa de dados, citada pelo palestrante como big data traz possibilidades, mas depende de vários fatores para ser eficaz.
O delegado e diretor da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina, Laurito Akira Sato, reflete que ter acesso à pesquisa, gera mais estudos dentro da segurança pública para identificar investimentos eficientes no combate à criminalidade. “Queremos fomentar novas ideias, novas pesquisas para ver se estamos no caminho certo. Pegar essas experiências internacionais e estudar frente à nossa realidade e trazer tudo o que for de inovação, tecnologia e ciência para fomentar as práticas que podem dar certo aqui no Estado”, salientou.
Concluindo três dias de evento, o coordenador do Seminário, professor do Departamento de Engenharia do Conhecimento da UFSC, João Artur de Souza, salientou que o grande objetivo do encontro é pensar como é possível unir a complexidade da segurança pública com as pesquisas que estão sendo desenvolvidas no meio acadêmico. “O professor Lucas Melgaço trouxe um tema importante, e alertou, que temos que tomar cuidado e ter essa prática na Academia, de demonstrar o quanto a pesquisa acadêmica é importante quando atrelada à prática operacional. Unindo as duas teremos eficiência”, ressaltou.
Mayra Cajueiro Warren/jornalista da Agecom/UFSC