Tese de doutorado aborda deslocamento da imagem social do professor no Facebook

01/12/2017 12:37

Tiago Ribeiro, doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC), defendeu recentemente a tese “A perda da Auréola: Deslocamento da imagem social e sociológica de professor no Facebook”. A pesquisa trata da relação entre professores e estudantes no Facebook e procurou uma sensibilidade sociológica mais voltada à vida cotidiana, a partir de um conjunto de situações amplamente compartilhadas por indivíduos independentemente de gênero, raça, status social etc. Esta poderia ser considerada uma das maiores ambições teóricas da Sociologia do Cotidiano: abordar experiências individuais atribuindo força explicativa mais a fatores comuns que particulares.

Com a orientação das professoras Maria das Dores Daros e Ione Ribeiro Valle, da linha de pesquisa Sociologia e História da Educação, Tiago considerou os docentes como indivíduos simples imersos em questões banais do dia-a-dia. “A meu ver todos os professores – com relação ao Facebook – tinham de lidar com a pergunta: posso, ou devo aceitar meus alunos como amigos na rede social? Esta questão, tendo, então, como pano de fundo professores que eram ao mesmo tempo pessoas comuns, logicamente os supunha como quem vive as delícias da vida moderna de diferentes maneiras: festas entre amigos, lazeres familiares ou manifestações políticas. O Facebook era um espaço que me permitia observar esta multiplicidade de papéis que um professor exerceria no seu cotidiano. O fator problematizador era o de observar como ele lidava com esse repertório heterogêneo de papéis sociais – de outras faces de si mesmo – que possivelmente poderia ser vistos pelos seus alunos”, afirma Tiago.

Os alunos a que se refere são, sobretudo, do Ensino Médio público e privado brasileiro e cujos professores supostamente poderia recusar ou aceitar no Facebook. O recorte da pesquisa neste universo (estudantes do Ensino Médio brasileiro) se deu por alguns fatores. Em primeiro momento, os professores vinculados ao Ensino Fundamental são declaradamente os que mais recusam contato com seus alunos na internet. Os que ministram aulas nas universidades, por sua vez, são os que os mais aceitavam, sendo assim “super-acolhedores”, principalmente quando declarados homens ou implicados na rede pública federal. Segundo o pesquisador, “a estratégia metodológica para se basear em professores do Ensino Médio estava justamente em servir de um ‘meio-termo’ entre o ensino fundamental e universitário. No Ensino Médio os professores supostamente interagiriam com um publico que não pode ser chamado, necessariamente, nem de maduro nem de imaturo, mas, simplesmente uma plateia escolar disposta a produzir impressões a partir do que os professores exprimem na internet”.

A relação entre professores e estudantes é, todavia, bastante complexa. No estado de Missouri, nos Estados Unidos, por exemplo, foi aprovada em 2011 uma lei proibindo professores de interagir com alunos por meio de quaisquer dispositivos não publicamente controlados, como, por exemplo, trocas de mensagens privadas via SMS ou Facebook. No Brasil um projeto de lei de 2015 procurou impor algo semelhante, porém, foi considerado inconstitucional. Estas ações políticas sinalizam, portanto, a complexidade do tema e a busca jurídica por definição da justa distância entre professores e estudantes na internet. Os mecanismos que procuram definir a medida de proximidade não são, no entanto, novidade e fazem parte de um problema que reside no seio da história das relações pedagógicas.

O Facebook, todavia, constitui-se como um espaço onde esta separação social e historicamente construída, entre o professor e seu cotidiano, deixa de existir de maneira mais rigorosa. As fronteiras nesta rede social são mais tênues. Tiago as chama de “gestão da distância e da proximidade entre professores e alunos”, ou seja, um limite estabelecido de maneira interacional, dinâmica e negociável. Em sua tese, procurou mostrar justamente como esta gestão se estabelece, sobretudo, por meio das imagens que os professores têm de si mesmos, e como se expressam diante dos estudantes, enquanto “extrovertidos, reservados, amistosos etc.”. Esta gestão seria, portanto, uma maneira de lidar cotidianamente com a “diluição” das barreiras de percepção promovida na internet.

Dessa forma, os professores se apresentam compromissados com uma manutenção constante de suas imagens em um espaço em que circulam conteúdos heterogêneos e, às vezes, julgados como “não escolares”. Esta mesma manutenção pode, contudo, ser cansativa. Assim, é possível observar a existência de sujeitos que “desconversem” quando questionados por alunos sobre seu perfil na rede social. Há também indivíduos que fazem uso de “conhecimentos técnicos” para que seus alunos não tenham acesso às postagens que estes mesmos professores fazem, como com postagens somente visíveis a determinados grupos de pessoas adicionadas em seus perfis na rede.

Todas estas situações correspondem ao efeito particular do Facebook de revelar profissionais implicados a círculos sociais não necessariamente escolares, trazendo à tona a existência um indivíduo comum habitando a pele de professor. Este no Facebook parece ser, dessa forma, um indivíduo em busca de respeito a partir do estabelecimento de certa distância concedida, pela escola e pela sociedade, para que ele possa fazer uso de sua própria liberdade.

“O desafio contemporâneo, do ponto de vista da imagem de professor na internet e na sociedade em geral, parece ser este de se reconhecer, educacional e publicamente, uma representação menos sagrada de professor. Reconhecê-lo como pessoas comuns que mantêm formas de sociabilidade menos amparadas em valores tradicionais e em que o fato de “curtir besteiroizinhos” soa de uma maneira um tanto incômoda. Estas sociabilidades talvez possam orientar o olhar das pesquisas em Educação para aspectos menos institucionais do docente, mas que, nem por isso, deixam de ser menos determinantes em sua constituição”, sintetiza Tiago.

Manuella Mariani/Estagiária de Jornalismo/Agecom/UFSC

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