‘Não saber o que as pessoas pensam de você é uma dádiva’, diz Leonardo Sakamoto em palestra sobre violência na internet

26/08/2016 12:40

Nem os 40 minutos de atraso diminuíram o entusiasmo do público que lotou o auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da UFSC na última quinta-feira, 18 de agosto, para a aula inaugural do curso de Jornalismo, com o jornalista Leonardo Sakamoto. Antes mesmo de dar início à palestra, um grito de “Fora Temer”, vindo do fundo da sala, causou risos e aplausos da plateia – e criou um clima de descontração para a aula, que funcionou como um bate-papo num tom informal.

O livro O que aprendi sendo xingado na internet, escrito pelo blogueiro do Portal Uol, foi o tema central da aula, que também passou por assuntos como racismo, feminismo, direitos humanos e a atual crise política brasileira. Sakamoto criou uma espécie de “guia” para a convivência na internet, baseando-se nas experiências que teve com comentários ofensivos e ameaças de morte – resultado dos textos, que ele mesmo classifica como “ácidos”, e de boatos espalhados na rede.

Foto: Caetano Machado

Foto: Caetano Machado

O jornalista explicou os dois episódios que o motivaram a escrever o livro. Ele conta que nessas situações as ameaças virtuais se tornaram muito graves, e que chegou a ser agredido na rua. Em 2015, foi acusado de receber cerca de um milhão de reais do PT para defender a presidente Dilma Roussef. A informação falsa foi veiculada por meio de um anúncio pago no Google, direcionado para o link “Leonardo Sakamoto Mente”, no site Folha Política, que não tem vínculo com o jornal Folha de São Paulo. Uma decisão judicial determinou que o Google fornecesse informações sobre o contratante do anúncio, as quais apontaram a empresa JBS/SA, que negou o envolvimento.

Em fevereiro deste ano, o jornal Edição do Brasil publicou a manchete: “Cientista político considera idosos inúteis à sociedade”, com uma foto de Sakamoto na capa. O caso teve grande repercussão e fez o jornalista estranhar a situação. “Eu sempre recebi críticas pelo meu trabalho, de todos os públicos, mas nunca de idosos. E de repente tinha um monte de pessoas me mandando mensagens e se referindo a mim como assassino de velhinhos”, ele conta. A justificativa dada pelo jornal ao veicular a notícia falsa foi a de que uma pessoa, que se passou por assessora de Sakamoto, respondeu a uma entrevista por e-mail. Como retratação, uma nova matéria foi publicada na capa do jornal desmentindo a história, mas ele diz que até hoje continua recebendo ofensas por conta da matéria.

Depois que os boatos circularam pela rede, o blogueiro decidiu ler todos os comentários ofensivos em sua página, com o objetivo de fazer uma análise e escrever o livro. Ele brinca: “Não saber o que as pessoas pensam de você é uma dádiva”. Sobre o aprendizado que teve com essas experiências, e que deu nome ao livro, ele afirma que “o submundo da internet é muito mais poderoso que a parte mais visível da TV. Sites anônimos podem copiar padrões de grandes veículos e difundir informações falsas”. A falta de controle das fontes de informação na internet é a razão de ele considerar a rede tão poderosa em relação aos grandes veículos de comunicação.

Discussões nas redes sociais 

O jornalista defende que “a internet é uma extensão da vida real, assim como a vida real é uma extensão da vida na internet”; portanto, não é possível sair dela. Isso explica as discussões sobre diversos temas acontecendo a todo momento na web. Mas ele alerta para a necessidade de alguns cuidados, porque é como se o público estivesse aprendendo a usar as ferramentas da rede. “A internet está em sua adolescência, ainda não sabemos as consequências que o seu uso pode trazer.”

Ele sugere que a educação seja voltada para a mídia, os direitos humanos e os debates públicos, justamente para que as pessoas aprendam a lidar com isso que ele classifica como “adolescência da internet”. Sakamoto se posiciona contra o projeto “Escola sem Partido” e os projetos de lei inspirados em suas ideias. Para ele “o problema não é o professor manifestar sua opinião, mas sim faltar com a verdade”. Ele defende que escola seja “um ambiente com livre discussão”, pois “é o primeiro lugar em que a criança tem contato com a diferença”.

A internet não se distancia muito da escola quanto a privar o contato com as diferenças. As redes sociais passaram a adotar filtros de informação que fazem que o usuário tenha acesso somente ao que está relacionado às suas preferências.“É um algoritmo que transforma sua vida numa bolha”, diz Sakamoto. Para ele, a filtragem de dados evita o contato com as diversas opiniões e promove uma “não democracia”. Isso prejudica as discussões de assuntos políticos e sociais e promove um ataque ao que é diferente.

A notícia da vinda de Leonardo Sakamoto para a palestra na UFSC gerou polêmica na página da Universidade no Facebook. Comentários como “Com tantos jornalistas decentes no Brasil, trazem esse aí” ou “Aula de jornalismo com Sakamoto. Tipo aula de cálculo com o meu cachorro” foram publicados em resposta à palestra. Ao ser questionado sobre esse tipo de reação, ele rebate com bom humor. “Eu acho engraçado na verdade. Quando não colocam a dignidade das pessoas em xeque, eu acho muito engraçado. Desde que não se faça uma tentativa de limar a dignidade, direitos, ou partir para uma violência, que é injustificável. Gostaria muito de que essas pessoas tivessem vindo à palestra para que a gente pudesse discutir, conversar. E para eles entenderem que o melhor no contato com o outro é tentar dialogar com o discurso, mesmo discordando.”

Giovanna Olivo/Estagiária de Jornalismo da Agecom/UFSC

Revisão: Claudio Borrelli/Revisor de Textos da Agecom/UFSC

Fotografia: Caetano Machado/Jornalista da Agecom/UFSC

 

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