Acadêmicos e ativistas debatem 10 anos da Lei Maria da Penha

18/08/2016 16:38
A professora Teresa Kleba Lisboa apresenta informações teóricas e aplicações da Lei Maria da Penha em mesa-redonda nesta terça-feira, dia 16. (Foto: Mayra Cajueiro Warren/Agecom/UFSC)

A professora Teresa Kleba Lisboa apresenta informações teóricas e aplicações da Lei Maria da Penha em mesa-redonda nesta terça-feira, dia 16. (Foto: Mayra Cajueiro Warren/Agecom/UFSC)

Uma mesa-redonda organizada pela disciplina de Teoria Feminista e Estudos de Gênero do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) reuniu pesquisadores e ativistas para falar sobre os avanços e desafios dos primeiros 10 anos da Lei Nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. O evento aconteceu na última terça-feira, 16 de agosto, no auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“A temática da Lei Maria da Penha é uma das que mais tem impacto, e a violência contra a mulher já tem um impacto muito grande. Uma pesquisa datada de 2007 com estudantes de escolas de Santa Catarina, em apenas um ano de vigência da lei, concluiu que a Lei Maria da Penha é mais conhecida entre crianças e adolescentes, com idades entre 10 e 16 anos, que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente”, salienta Miriam Grossi, docente da disciplina.

“Estão nos jornais as notícias de mulheres assassinadas na frente de seus filhos pelo companheiro. E vemos também relatos da Lei Maria da Penha funcionando, produzindo efeitos, sendo conhecida. Mas as agressões continuam também. Por isso é muito importante continuar falando sobre isso”, ressalta Mara Lago, também professora da disciplina de pós-graduação.

Teoria e pesquisa

A psicóloga Maria Eduarda Ramos falou de sua pesquisa de mestrado, de 2010, sobre a Lei, envolvendo histórias de mulheres. Hoje, ela trabalha na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) em Santo Amaro da Imperatriz e Águas Mornas. “Em todos os espaços a gente se depara com a violência contra a mulher, alunas da Apae e familiares dos alunos trazem para mim suas questões”, relata. Maria Eduarda falou do histórico de tratados e acordos envolvendo compromissos de países contra a violência doméstica. O Brasil foi signatário desses acordos e por isso existe a Lei. “No caso da Maria da Penha, houve duas tentativas de homicídio, e ela denunciou o país pelo protocolo internacional. O Brasil teve que criar a Lei porque foi punido. A Lei Maria da Penha existe pela necessidade cultural, pelo grande número de casos, para dar visibilidade, e porque existe uma cultura de violência contra a mulher no Brasil”, ressalta.

A educadora do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI/UFSC), Regina Ingrid Bragagnolo falou de sua pesquisa do doutorado em Psicologia, de 2012, realizada em um juizado da vara criminal da Grande Florianópolis. Regina entrevistou cinco juízes e juízas, e operadores de direito encarregados da aplicação da Lei Maria da Penha. Sua pesquisa confirmou três estilos de julgar, relacionados a concepção de mulher, justiça, gênero e família: o estilo tutelar, arbitrário e de reparação moral. “As posições políticas dos operadores do direito acerca do processo de criminalização da violência doméstica e familiar contra a mulher, resultaram, muitas vezes, em práticas contrárias às expectativas dos movimentos feministas com a criação da Lei Maria da Penha,” pontua.

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Ativistas e representantes de movimentos sociais feministas e de gênero falam sobre suas experiências com a Lei Maria da Penha. (Foto: Mayra Cajueiro Warren/Agecom/UFSC)

A professora do Departamento de Serviço Social, Teresa Kleba Lisboa, apresentou um panorama completo da Lei, com detalhamento sobre as medidas previstas, que no caso da Lei Maria da Penha são centradas em três pontos principais: prevenção, proteção e sanção (punição). A pesquisadora também apresentou as principais correntes teóricas e estudos sobre a violência contra mulheres. “No mundo só existem três leis que podem ser comparadas à Lei Maria da Penha, pela rede de serviços prevista na legislação, pela rede de atendimento, pela intersetorialidade no atendimento às mulheres em situação de violência. É fundamental trabalhar com as mulheres, e com os autores também. São homens que deixam de agir contra uma mulher e logo estarão com outras companheiras também sendo violentos,” ressalta.

O professor do Departamento de Antropologia, Theophilos Rifiotis finalizou a primeira etapa do evento falando sobre os 30 anos de implantação da primeira delegacia da mulher em Florianópolis. “O que estamos realmente comemorando? Os casos de violência contra mulheres estão aumentando ou diminuindo? Se estão aumentando, isso não necessariamente é algo negativo, pode significar que as instituições estão mais transparentes, mais pessoas estão denunciando. Comemorar os 10 anos da lei é comemorar uma batalha que não terminou, que não para de acontecer,” acrescenta.

Theophilos falou da judicialização dos processos de mudança social – ponto também abordado pelos demais participantes da mesa. “A luta não se resume a questões judiciais, o Brasil tem boas leis. Temos a melhor lei ambiental, o melhor Estatuto da Criança e do Adolescente, a melhor lei pela mulher. No entanto, não há garantia que a lei seja produtora de transformação. Infelizmente, é assim a democracia brasileira hoje. Estamos sempre levando para o Estado a responsabilidade, apesar de haver muitos agentes e atores sociais fundamentais,” salienta.

Clair Castilhos Coelho, da Casa da Mulher Catarina, e Sheila Sabag, do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM) de Santa Catarina participam da mesa-redonda sobre os 10 anos da Lei Maria da Penha. (Foto: Mayra Cajueiro Warren/Agecom/UFSC)

Clair Castilhos Coelho, da Casa da Mulher Catarina, e Sheila Sabag, do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM) de Santa Catarina participam da mesa-redonda sobre os 10 anos da Lei Maria da Penha. (Foto: Mayra Cajueiro Warren/Agecom/UFSC)

Ativismo contra a Violência

A segunda etapa do encontro reuniu movimentos sociais feministas e de gênero, que vieram representados pela Casa da Mulher Catarina, com Clair Castilhos Coelho e Neusa Freire Dias (também representando a Rede Feminista); a Coordenadoria da Mulher da Prefeitura Municipal de Florianópolis, com Dalva Maria Kaiser; o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM) de Santa Catarina , com Sheila Sabag; e a Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina, com Ricardo Waick.

Os participantes relataram situações históricas de luta contra a violência, dificuldades com a gestão pública das questões feministas, iniciativas de inclusão e projetos em andamento. “Na Casa da Mulher Catarina, nós fazemos campanhas contra o que nos agride enquanto mulheres, promovemos debates, seminários, atividades conjuntas,” exemplifica Clair Coelho, que foi vereadora em Florianópolis nos anos 80.  “A gente era chamada como ‘vereador’, não tinha a palavra ‘vereadora’, nem banheiro feminino,” lembra.

Ricardo Waick falou de casos que tiveram apoio da Comissão, envolvendo pessoas da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros). “São casos de aplicação da Lei Maria da Penha, que enfrentam dificuldades com a interpretação da lei. A legislação fala o tempo todo em ‘mulher’, só no último artigo é que diz que a aplicação é independente de orientação sexual. Então fica-se a mercê de quem está  julgando a questão. Nós lutamos para disseminar o conceito correto, capacitar os advogados, difundir o que é gênero e o que é sexo, mas enfrentamos muita resistência”, relata.

Sheila Sabag resume a atuação do Estado de Santa Catarina nos direitos das mulheres como deficitária. “Não temos políticas públicas para as mulheres em Santa Catarina. Temos ações pontuais, não temos um programa, com orçamento específico para o enfrentamento da violência. Não temos autonomia econômica, social e política das mulheres. Perdemos a Secretaria de Políticas para as Mulheres [do Governo Federal], perdemos o Conselho Nacional, que está esvaziado. São formas de limar a política da mulher. É discriminação”, conclui. 

Mayra Cajueiro Warren
Jornalista da Agecom/UFSC
48 3721-9601
agecom@contato.ufsc.br

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