UFSC recebe caloura usuária de cão-guia e repassa orientações à comunidade

14/03/2016 17:56
Ingrid Kertelen Franco Medina e seu cão-guia no campus da UFSC. Ingrid foi aprovada no Vestibular 2016 e é caloura do curso de Serviço Social, período noturno. (Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC)

Ingrid Kertelen Franco Medina e seu cão-guia no campus da UFSC. Ingrid foi aprovada no Vestibular 2016 e é caloura do curso de Serviço Social, período noturno. (Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC)

Neste início de semestre letivo, os estudantes, professores e técnicos da UFSC poderão encontrar uma jovem acompanhada de seu cão-guia pelo campus da Trindade. Ingrid Kertelen Franco Medina foi aprovada no Vestibular 2016 e é caloura do curso de Serviço Social, período noturno – em virtude da greve de 2015, as aulas deste curso começam em 11 de abril . Não interagir com o cão enquanto este trabalha como guia, oferecer-lhe carinhos apenas com a autorização da usuária e não alimentá-lo são algumas das orientações do treinador e instrutor Leonardo Goulart Nunes à comunidade universitária.

Nunes explica que, de modo geral, a população desconhece o trabalho dos cães-guia e não está orientada sobre a maneira correta de lidar com os animais. O instrutor destaca a importância de alguns cuidados para garantir a segurança do usuário e do cão. “A pessoa nunca deve chegar e passar a mão no cão; deve abordar o usuário e perguntar se pode interagir. Nunca, em hipótese nenhuma, deve estalar os dedos, assoviar, distrair ou interromper o trabalho do cão, assim como alimentá-lo. O cão só recebe água e comida da mão do dono, salvo se o usuário pedir”, frisa o instrutor.

Ingrid tem 21 anos, nasceu em Brasília e mudou-se para Florianópolis em dezembro de 2014 para estudar e trabalhar. Ingrid nasceu com glaucoma congênito e teve baixa visão até os 16 anos. A partir desse período, perdeu a visão por completo. Em 2015, a brasiliense prestou o seu segundo vestibular da UFSC e obteve a aprovação. “Em 2014, eu cheguei atrasada no último dia por um minuto. Peguei um táxi, pegamos trânsito. O taxista me deixou longe e até corri junto com outra pessoa, mas, quando a mulher da porta me achou, já era tarde”, conta, espirituosa. A vontade de cursar Direito arrefeceu no último ano do ensino médio, quando Ingrid passou a ter contato com reportagens sobre Serviço Social. Naquele momento, nasceu a identificação com a profissão. “O que mais me interessa seria a área familiar, talvez trabalhar com adoção na Vara da Infância e Juventude”, planeja.

King, o primeiro cão-guia a auxiliar Ingrid em sua locomoção.  O labrador de pelo claro completou três anos em fevereiro e convive com Ingrid há sete meses. (Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC)

King, o primeiro cão-guia a auxiliar Ingrid em sua locomoção. O labrador de pelo claro completou três anos em fevereiro e convive com Ingrid há sete meses. (Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC)

A estudante transitará pelos espaços da Universidade acompanhada de King, o primeiro cão-guia a auxiliá-la na locomoção. O labrador de pelo claro completou três anos em fevereiro e convive com Ingrid há sete meses. Ao chegar ao destino, o cão deita para descansar. “Com ele, é muito mais fácil sair de caminhos difíceis. A visibilidade das pessoas para ajudar é maior, e a caminhada se torna mais rápida. No início, foi uma novidade. A recompensa dele é elogio, não petisco. É preciso falar muito com ele até pegar esse vínculo todo. No começo, tive um pouco de dificuldade com a dicção. Às vezes, é preciso uma voz de comando, de ordem”, conta Ingrid. As pessoas não devem fazer carinho e chamar a atenção quando o cão está com o arreio, seu equipamento de trabalho. “Quando alguém for falar com ele, deve chamá-lo pelo nome”, observa.

Para ensinar algo a King, Ingrid bate a mão várias vezes no local e repete o nome do objeto. Para o animal, o comando “balcão” significa mesa, caixa de supermercado ou uma recepção. Ao pronunciar “toilet”, Ingrid é prontamente direcionada ao banheiro mais próximo. Com a palavra “banheiro”, por sua vez, King é autorizado a fazer suas necessidades. O cão-guia reconhece também pontos de ônibus, assentos, agências bancárias, portas e meios-fios. Obstáculos aéreos, como lixeiras altas, e pisos-guias irregulares ou rentes à pista são dificuldades identificadas pela estudante nas ruas da cidade.

 

Coordenadoria de Acessibilidade Educacional da UFSC

A Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE), vinculada à Pró-Reitoria de Graduação, desenvolve atividades de apoio aos cursos de graduação e pós-graduação, à educação infantil – no Núcleo de Desenvolvimento Infantil – e à educação básica – no Colégio de Aplicação – para tornar os espaços acessíveis por meio da redução ou eliminação de barreiras físicas, metodológicas, informacionais e atitudinais nos ambientes acadêmicos e escolares. “Para a educação superior, os assessoramentos são realizados mediante demanda de estudantes de graduação (em entrevistas de acolhimento ou acompanhamento), docentes, coordenações de curso de graduação e/ou programas de pós-graduação. Para a educação infantil e a educação básica, os assessoramentos são realizados mediante demanda apresentada pelos servidores de tais unidades”, explica a assistente social da CAE Tatiane Bevilacqua.

Ao ter conhecimento sobre o ingresso de estudantes com deficiência, a equipe da CAE entra em contato com estes para agendar uma entrevista de acolhimento, com o objetivo de apresentar os serviços oferecidos e conhecer a trajetória escolar e a condição de deficiência dessas pessoas. “Falei das minhas prioridades, da melhor forma de fazer provas. Fui informada de que poderia solicitar um monitor interno ou externo e das coisas que a Universidade oferece, como psicólogo, atendimento no Hospital Universitário e o Ambiente de Acessibilidade Informacional na Biblioteca para fazer a adaptação de materiais”, afirma Ingrid. A caloura solicitou à CAE um monitor externo. “Em termos de auxílios técnicos, Ingrid terá, inicialmente, o apoio à locomoção no campus, que será realizado por um estagiário de promoção de acessibilidade estudantil, além da disponibilização de material acessível pelo Ambiente de Acessibilidade Informacional da Biblioteca Universitária (AAI/BU)”, informa a assistente social da CAE.

Após o acolhimento ao estudante, a Coordenadoria agenda uma reunião com a coordenação do curso e com os professores para o repasse de informações e a construção de estratégias conjuntas para a promoção de acessibilidade. A equipe técnica é composta por uma assistente em administração, uma assistente social, uma fonoaudióloga e uma psicóloga. “Há também um comitê gestor composto pela coordenadora da CAE, Vivian Ferreira Dias, e por dois professores, um do Centro de Filosofia e Ciências Humanas e outro do Centro de Ciências da Educação, com vasto conhecimento na área”,informa Tatiane. Estagiários atuam diretamente na CAE ou na promoção de acessibilidade estudantil.“O que temos conhecimento é de que a Ingrid é a primeira estudante da UFSC usuária de cão-guia na UFSC. Não há outro histórico ou relatos. Se houve algum caso anterior, este não foi mapeado pela Coordenadoria”,afirma a assistente em administração da CAE Vanessa Tavares Wilke.

Treinamento de cães-guia e instrução aos usuários

Existem raças indicadas ao treinamento para a função de cão-guia, pela maior chance de êxito. As escolhas são baseadas em questões comportamentais e com critérios rigorosos na escolha das matrizes e dos filhotes. “Aqui no Brasil, trabalhamos com labrador, golden e flat-coated retriever. Só há dois cães-guia dessa raça no Brasil. Lá fora, treinam boxer, pastor-alemão, dálmata, poodle gigante e outras raças, com cruzamento entre elas. Aqui também há cruzamento de golden com labrador”, esclarece Nunes. O instrutor que realiza o treinamento de cães-guia e a instrução de usuários trabalha há três anos com a atividade e atua no Projeto Cães-guia, desenvolvido no Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-guia do Instituto Federal Catarinense (IFC), na cidade de Camboriú. O projeto é uma ação do Viver sem Limite – Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, lançado pelo governo federal em 2011.

Entre 60 e 75 dias de vida, os filhotes são encaminhados à casa de uma família socializadora voluntária até completarem de 14 a 15 meses, período em que atingem maturidade para voltarem ao canil e aprenderem as técnicas para se tornarem guias. O treinamento é realizado de segunda a sexta-feira num período de quatro a seis meses, de acordo com o nível de aprendizagem do cão. Nunes cita uma estatística mundial: apenas 30% dos cães que iniciam o treinamento conseguem se graduar. “Terminada a fase de treinamento, a gente já sabe se esse cão está apto para se tornar guia. Na fase de socialização e treinamento, avaliamos o nível de desenvolvimento do cão – se tem saúde física, algum tipo de problema articular ou comportamental não condizente com o trabalho”, informa o instrutor. Em casos de problemas, o animal é afastado do programa.

O curso de adaptação é realizado em trinta dias: durante três semanas, o usuário fica hospedado no Centro de Treinamento e, na última semana, as instruções são realizadas na casa do usuário, com o intuito de vivenciar a rotina. A dupla vai aos lugares que o usuário frequenta. “Depois, vem a etapa que chamamos de follow-up ou reciclagem. Fazemos acompanhamento nos primeiros meses, telefonemas, visitas, vemos como está o desenvolvimento da dupla. As visitas ocorrem após três meses, seis meses e um ano. A partir de seis meses, já temos uma consolidação da dupla e do trabalho”, explica o instrutor.

Conduzir o usuário com segurança, conferir velocidade à caminhada e auxiliar na inserção social são benefícios da parceria, de acordo com Nunes. “A principal função do cão é a inserção social. Ele literalmente abre portas. Com a bengala existe um preconceito social. Com o cão-guia, não; todos querem ser amigos do usuário de cão-guia”, finaliza.

 

Bruna Bertoldi Gonçalves
Jornalista / Diretoria-Geral de Comunicação / UFSC
imprensa.gr@contato.ufsc.br

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