UFSC estará presente em reunião da Andifes esta semana

29/01/2002 15:44

O encontro é preparatório para a reunião da plena da Associação, que será realizada nos dias 21,22 e 23 de fevereiro em Aracaju. Leia mais sobre a atuação da Andifes nas paralizações realizadas pelas Instituições Federais de Ensio Superior no artigo do presidente da Andifes e reitor da UFPR, Carlos Roberto Antunes dos Santos:

A Crise, a greve e a sabedoria política

Carlos Roberto Antunes dos Santos

Reitor da UFPR

Presidente da ANDIFES

As greves dos servidores técnico-administrativos e docentes resultaram, essencialmente, da profunda crise estrutural que aflige a universidade pública brasileira, expondo-a com tinturas mais fortes que o habitual, em algumas circunstâncias dramaticamente. As dimensões de tal situação e o seu possível agravamento para o segundo semestre já haviam sido anunciadas no “Manifesto da ANDIFES” de 11/jul/2001, apresentado junto à SBPC: a falta de autonomia, os baixos salários, a não recomposição de recursos humanos, as precárias condições de custeio e manutenção, saltavam aos olhos. Não deu outra! Em final de julho explodiu a greve dos STA e em agosto os docentes também foram à greve. Foram mais de 100 dias de paralisação, trazendo a radicalização explícita como um novo componente, expressa em invasões e fechamentos de campi e de reitorias, desligamentos de redes universitárias, desrespeito às autoridades, retenção de salários e muita, mas muita intransigência. É da natureza, aliás, dos movimentos em greve, expor as entranhas das condições que dão origem à crise. E, ao fazê-lo, também fazem emergir, ainda que de forma traumática, as perspectivas de soluções. O grave ambiente trazido pela greve, sua dinâmica, os seus desdobramentos e a busca objetiva de soluções acabaram colocando a ANDIFES no centro dos acontecimentos.

A universidade brasileira vive uma crise de carências, justamente porque o sistema federal de ensino superior cresceu, se tornou mais eficiente, exigindo investimentos em novas áreas. A falta de autonomia, os baixos salários, a falta de concursos públicos e um elenco de necessidades que, obviamente, não são estranhas a professores, alunos e funcionários técnico-administrativos, constituiram os alicerces da greve. Não é por menos que uma das mesas decorrentes da greve, e que juntará o ANDES, a FASUBRA, o MEC e a ANDIFES no exame de questões essenciais da universidade pública brasileira, seja a da reposição de quadros, e outra a do financiamento.

Encarar a crise tão fortemente exposta pela greve exige, dos dirigentes das IFES e das lideranças dos movimentos sociais em seu interior, não apenas que percebam com nitidez e profundidade os traços essenciais das contradições a sua frente como, fundamentalmente, sejam capazes de construir soluções criativas ajustadas à realidade. Este é um desafio irrenunciável que exige larga competência política dos que estão – ou pretendem estar – à frente das IFES. Essa competência política implica, essencialmente, na capacidade de contextualização e norteamento num ambiente fortemente enredado por contradições intrincadas, algumas à vista, outras apenas insinuadas.

Ao longo da greve, a ANDIFES buscou incessantemente a solução do impasse entre o governo e os servidores, por meio de negociações. Para tanto, desde o início das paralisações, os dirigentes reuniram-se várias vezes com os sindicatos, com o Ministro da Educação, a Secretária de Ensino Superior, técnicos do MEC e da Câmara, integrantes da Frente Parlamentar em Defesa da Universidade Pública, com o deputado Aécio Neves, presidente da Câmara Federal, com o deputado Sampaio Dória, relator do orçamento, com o senador Rames Tebet, presidente do Senado, com o deputado Nelson Marchesan, relator do PL 5805/01, com o deputado Gilmar Machado, sub-relator do orçamento, com as lideranças partidárias da situação e da oposição, e com os presidentes e os membros da Comissão de Educação da Câmara e do Senado. Tal postura de mediação política e busca de apoio para quebrar as intransigências colocou a ANDIFES no olho do furacão! É importante ainda destacar que graças aos esforços dos reitores, dos diretores gerais e dos conselhos superiores, mesmo durante a greve foi possível manter em funcionamento setores essenciais como os hospitais universitários, preservar o patrimônio público das IFES e a convivência da comunidade universitária.

Foi a competência política, aliás, o fator preponderante para a conclusão vitoriosa da greve, superando episódios óbvios de radicalizações e intransigências das partes envolvidas. De qualquer modo, nesse cenário protagonizado por diversos atores e complexa malha de interesses quase sempre contraditórios, coube aos reitores congregados na ANDIFES um papel fundamental, ainda que, intencionalmente, pouco reconhecido pelas partes, no encaminhamento das negociações. Desta forma, tanto nas variadas iniciativas de mediação política entre as partes, quanto na postura propositiva assumida mais ao final do movimento dos docentes, foi possível quebrar a inércia do impasse e mover produtivamente as peças em jogo. Entre o ANDES que não aceitava a GID e a GED e o Governo que rejeitava a incorporação da GAE, a ANDIFES inseriu sua proposta de reajuste na titulação.

O encaminhamento foi correto e o resultado altamente positivo. A proposta da ANDIFES conseguiu criar uma nova dinâmica no processo, como era seu objetivo. De um lado impulsionou o ANDES a abandonar sua proposta de incorporação da GAE e articular, outra alternativa – a do reajuste da tabela salarial – e, de outro, descerrou uma perspectiva de solução para a greve a um governo que, àquela altura, e em função de sua intransigência, havia criado importantes desgastes com os professores, os reitores e o Parlamento, além de meter-se num confronto com o Judiciário ao descumprir decisões em torno do pagamento dos salários aos docentes, atitude rejeitada pela sociedade e, por tudo isso, aspirava também o final do movimento.

Apesar de sua proposta ter sido aprovada, com rasgados elogios de docentes, por algumas assembléias, a ANDIFES flexibilizou estrategicamente mais uma vez, apoiando a do ANDES – de reajuste da tabela salarial – uma vez que esta também tinha a concordância do governo, desobstruindo assim os canais de negociação. O impasse foi quebrado e, com a oportuna e efetiva participação de parlamentares, construiu-se o acordo, do qual a ANDIFES foi signatária, que apontou para o final da greve.

A greve reafirmou uma vez mais – e eloqüentemente – a necessidade de reformas estruturais numa universidade cuja formulação organizacional, administrativa e didático-pedagógica remonta ao início dos anos 70. A reforma implantada nesta época trazia no seu bojo a implantação da pós-graduação e do regime de dedicação exclusiva. Entretanto, convivia com níveis científicos e tecnológicos bastante compartimentados, protegidos pelos muros da universidade. Este modelo não se coaduna mais nestes tempos da sociedade do conhecimento, próprios das atividades extensionistas que inserem cada vez mais a universidade na sociedade, das pesquisas multi, inter e transdisciplinares, do ensino a distância, das redes de comunicação por fibras óticas, e das cotidianas avaliações a que são submetidas as IFES. É crescentemente imperativo repensar a universidade pública brasileira no rumo de transformação que tem na autonomia um dos seus pontos fundamentais. A ANDIFES possui um projeto de lei orgânica referente à autonomia que deve ser revisto, mas cujos fundamentos continuam consistentes. Eis aí um tema que deverá polarizar as atenções da comunidade acadêmica. Autonomia – assinale-se – não é soberania. A universidade deve prestar contas à sociedade que a financia. E mais: não se pode perder, com a idéia da autonomia, a perspectiva de um sólido sistema federal de ensino superior.

A crise exposta pela greve possui lastro mais profundo na chamada modernização conservadora a que a universidade pública vem sendo submetida no Brasil, como também em outros países da periferia do mundo globalizado. Tal receituário, que paira, fantasmagórico, sobre nossas universidades, não as poupa de um destino tenebroso, a começar pelo pressuposto de que o ensino superior é mais da alçada privada do que pública. Ao contrário! Considerando o papel estratégico na sociedade atual atribuído às universidade públicas no tocante aos domínios da ciência e tecnologia, devemos lutar para a manutenção e expansão deste sistema e de suas excelências, entendendo ser este o melhor caminho para o resgate e desenvolvimento do ensino superior brasileiro.